24ª Mostra Tiradentes | Mostra Panorama | Sessão 1

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Curta Levantado do Chão (Melissa Dullius e Gustavo Jahn Panorama | Sessão 1
Levantado do Chão (Melissa Dullius e Gustavo Jahn, 2020)

Nem Sei Dessa Gente Toda

A Mostra Panorama, como já mencionamos em outros textos na cobertura da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, trouxe uma pluralidade de linguagens e narrativas que contribuíram para a sensação de que a seleção desse ano foi uma das melhores da história do festival. Alguns realizadores, inclusive, surgem em mais de uma oportunidade na programação – entre eles os diretores de “Levantado do Chão“, Melissa Dullius e Gustavo Jahn.

Os dois já apareceram aqui essa semana com a estreia de “Oráculo“, na Mostra Aurora. Naquele oportunidade, falamos um pouco da Distruktur enquanto propostas de narrativas – e o curta-metragem que surge aqui vai por outro viés experimental. Enquanto as longas cenas do outro filme objetivavam uma imersão que permitem reflexões sobre o nosso cotidiano. Aqui temos algo mais próximo de um exercício clássico de linguagem, muito bem estilizado.

Totalmente sem noção, carregado de referências, possui um excelente trabalho de montagem que não tira o aspecto linear para contar uma história espiralada. Para os amantes do gênero, é um interessante reencontro, com as conexões entre o mundano e o onírico; o antagonismo do leão quase como uma conexão bíblica. Se a sensação de que a primazia da montagem perpassa a experiência, os créditos assim o confirmam. Uma obra dedicada ao soviético Boris Barnet, um dos pioneiros; a Naum Kleiman, historiador que se especializou no trabalho de Serguei Eisenstein; e ao montador Óscar de Gispert, parceiro de Lois Patiño em “Lua Vermelha“, pelo qual falamos aqui na Apostila de Cinema na cobertura da Mostra SP do ano passado.

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Curta Minha Bateria Está Fraca e Está Ficando Tarde (Rubiane Maia e Tom Nobrega
Minha Bateria Está Fraca e Está Ficando Tarde (Rubiane Maia e Tom Nobrega, 2020)

Na sequência, o interessante “Minha Bateria Está Fraca e Está Ficando Tarde” faz uma proposta híbrida entre o desktop movie e outros tipos de experimentalismo. Rubiane Maia e Tom Nobrega vem nos reforçar da naturalização da morte no contexto da pandemia do novo coronavírus. Partindo da premissa verbalizada de que “a internet é um mundo dos sonhos dentro dos sonhos“, os cineastas fazem uma composição dinâmica de sobreposições de abas de vídeos extraídos da internet.

Em um mundo memetizado e referencial sem substância, há uma tentativa de se transformar o superficial em absoluto. Somos especialistas em tudo e vivemos em nossas cabeças e telas a mesma viagem anárquica de conteúdo que os realizadores jogam como proposta do filme. Sendo assim, a nova baboseira do Presidente da República se mistura com uma fala de Ailton Krenak, que participou de inúmeros congressos, entrevistas e lives em 2020. Quase como uma quebra de ritmo, Rubiane e Tom estendem o tapete para tratar da histpriografia do vírus, mostrando que mesmo no experimentalismo, há um toque documental na forma híbrida com a qual se produzi audiovisual atualmente.

Confesso que o curta-metragem, até pela duração, foi um dos últimos assistido na Mostra Tiradentes. Já na ânsia de fazer uma maratona final que contemplasse o máximo de obras, a ambientação do filme foi simples porque estava no mesmo mundo das inúmeras abas proposto pelos diretores. Mesmo assim, há um rol de questões que ele abarca que me fez parar um pouco, degluti-las antes do próximo play. A fama de uma mulher em transição de gênero projetando sua realidade a todos os habitantes do planeta foi uma delas. A ideia de que ninguém passará indiferente por esse período, de que o mundo saiu da sua zona de conforto, é – ao mesmo tempo – desesperador e desafiador.

Já as imagens do pico de mortes no Estado de Amazonas, infelizmente, se repetiu justamente no período de exibição do curta-metragem. Parece que temos pela frente um livro em branco, mas no início do processo, ao invés de escolher a melhor caneta e se preocupar com uma boa grafia, estamos rasgando e desperdiçando páginas. Entender o desgoverno como um cavalo-de-troia é outra proposta que se encaixa bem na obra, que aos poucos vai subvertendo a própria lógica desktop. Foi duro assistir à fala de Laerte, internada com coronavírus também durante o festival – mas quando esse texto for ao ar ela já estará em casa e produzindo.

Ou seja, há muita coisa ocorrendo, até mesmo nos poucos dias entre a experiência de ver “Minha Bateria Está Fraca e Está Ficando Tarde” e escrever sobre. Não há mais ideias absolutas.

Curta Ilha do Sol (Lucas Parente, Rodrigo Lima e Walter Reis Panorama | Sessão 1
Ilha do Sol (Lucas Parente, Rodrigo Lima e Walter Reis, 2020)

Seguindo um caminho de continuidade, “Ilha do Sol” é um exercício de futurologia, que bebe na fonte do caos crescente e avassalador do curta-metragem anterior. Lucas Parente, Rodrigo Lima e Walter Reis mostram um homem pintando símbolos ancestrais em uma pedra diante da Baía de Guanabara.

Walter carrega consigo muita expressividade, seu corpo enquanto objeto faz dessa performance mais do que uma distopia sobre o retorno das almas injustiçadas. É interessante imaginar o filme enquanto possibilidade daquela espécie que vivia aqui na época do coronavírus se extinguir, se pulverizar e outra – parecida na forma – surgir. Encontrando o que já aqui passou, fazer uma leitura muito mais digna e respeitar os povos originários. A obra surge quase como um convite ao respeito, usando a terra batizada por Luz del Fuego como cenário.

Por sinal, imaginarmos ela como referência de alguns movimentos de Walter é adicionar muito mais camadas ao que se coloca na tela. Teria sido Dora Vivacqua a primeira de uma nova espécie? Esperamos que sim e que, de certa forma, ela ressurja em corpos como a do protagonista de “Ilha do Sol” para apresentar o seu legado.

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Curta Animais na Pista Otto Cabral
Animais na Pista (Otto Cabral, 2020)

Animais na Pista“, dirigido por Otto Amaral começa com um tom tenebroso que o assemelha a um filme de terror. Talvez “Cemitério Maldito” (1989) ou “Colheita Maldita” (1984). Pode ser pela mata densa que se encontra ao redor da estrada e parece esconder algo amedontrador.

No entanto, o assombro se dá na pista. Nossas protagonistas, em um primeiro momento, parecem fugir. Mas logo revelam suas intenções. Na tentativa de esconder os fatos reais, buscam alternativas para camuflar a fatalidade. E nos colocam em confronto com nossos limites éticos.

A certeza de que jamais cometermos algum deslize é forte, até que algo nos tira do prumo e de nossos comportamentos ideais. A rapidez é necessária e, é somente nos olhos de uma criança que um pouco de culpa e responsabilidade voltam.

Em um curta-metragem com cara de conto que poderia ter sido escrito por Stephen King ou Octavia Buttler, fica nos faltando, infelizmente, a continuação da história. Dá vontade de saber até onde a hipocrisia humana os levaria.

Curta Vagalumes Léo Bittencourt
Vagalumes (Léo Bittencourt, 2020)

Encerrando a caminhada obscura e o adensamento das imagens, a sessão da Mostra Panorama termina com “Vagalumes“, de Léo Bittencourt. Usando o Parque do Flamengo, já no contexto da pandemia do coronavírus, o filme se debruça em tudo o que há lá fora enquanto falseamos nossa segurança sobre o nome de isolamento social.

Quem assistiu “Flores Raras” (2013) sabe a origem daquele formato dos postes que Lota de Macedo Soares imaginou para a área aterrada que nos leva do Centro à zona sul carioca. Já quem aproveitou a Mostra Tiradentes para assistir “Subterrânea” (2020), de Pedro Urano, entendeu que o Rio de Janeiro é um interminável experimento de destruição, reconstrução e deterioração. Nessa lógica de que somos a capital esculhambada da descartabilidade de territórios, todos convulsionados sociais, não seria absurdo quem dissesse em março de 2020 que entenderíamos a morte como algo natural e seguíssemos como obedientes descumpridores de regras.

O que Bittencourt faz é o caminho que nós, enquanto cariocas, acabamos seguindo: o da extração do prazer. O Aterro enquanto espaço degradado não é o suficiente para contemplar tudo o que ele nos possibilita. Área de lazer familiar durante o dia, terra de ocupação de invisibilizados e párias de uma sociedade racista e homofóbica à noite. Sem verbalizações, “Vagalumes” mostra apenas um pouco do que a noite nos esconde. Para alguns, explicita. Para outros, apenas coloca a cabeça pra fora. É um exercício de olhar do público, que pode recebê-lo enquanto provocação romântica ou um romance provocativo.


Ficha Técnica Mostra Panorama | Sessão 1

Levantado do Chão (Melissa Dullius e Gustavo Jahn, 11′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Então ele acorda e pensa que acordou do sonho acorda e pensa que adormeceu. Ele então acorda tarde percebe que já está escuro e sente muito sono.
Minha Bateria Está Fraca e Está Ficando Tarde (Rubiane Maia e Tom Nobrega, 27′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Enquanto a pandemia de Sars-Covid 19 aumentava, Rubiane Maia estava em Folkestone, na Inglaterra, e Tom Nobrega em Tarapoto, na Amazônia peruana. Ambos ficaram surpresos com a necessidade repentina de cancelar as viagens planejadas para o Brasil, sua terra natal. As fronteiras fechadas trouxeram situações insólitas e um sentimento desconhecido de exílio. À medida que as notícias vindas do Brasil chegam à distância como pedras quebrando suas telas de computador, borrando a linha entre o que é pessoal e o que é coletivo, a dupla de amigos compartilha sua perplexidade e tenta encontrar alguma ressonância em meio à quantidade avassaladora de informações que flutuam o espaço virtual.
Ilha do Sol (Lucas Parente, Rodrigo Lima e Walter Reis, 9′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Num futuro primitivo é traçado um grafismo ameríndio, mediterrâneo, diante de uma baía de Guanabara silenciosa e decrépita.
Animais na Pista (Otto Cabral, 9′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Um acidente de percurso diz muito a respeito da humanidade.
Vagalumes (Léo Bittencourt, 19′ – Brasil, 2020)
Sinopse: O lado noturno de um ícone modernista. A fauna e flora dos jardins de Roberto Burle Marx habitado pelos frequentadores do Parque do Flamengo enquanto a cidade do Rio de Janeiro adormece.

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Assinam o texto:
Roberta Mathias: Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia – Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas)
Jorge Cruz: advogado desde 2009, graduando em Produção Cultural pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e escreve sobre cinema desde 2008.

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A Apostila de Cinema é uma iniciativa de promover o debate sobre o cinema e questões pertinentes ao mesmo levantando análises culturais, sociais e estéticas que consideramos centrais para o pensamento crítico da Sétima Arte Contemporânea.

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