Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Festival de Gramado Curtas Nacionais

Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

A 48ª edição do Festival de Gramado, realizada de forma não-presencial, traz uma seleção de doze curtas nacionais. Cada dia, dois deles abrem as sessões dos longas da mostra competitiva no Canal Brasil. Elas acontecem entre os dias 19 e 24 de setembro, sempre às 20 horas. Além disso, as obras ficam disponíveis por mais um dia na plataforma de streaming do canal por assinatura.

Como tradicionalmente fazemos na Apostila de Cinema, compilamos todas as nossas análises sobre as produções em um texto, com índice que permitem a leitura imediata de cada uma delas. Quatro foram vistos e comentados por nossa equipe antes de Gramado: “Joãosinho da Goméa – O Rei do Candomblé” no FestCurtas Fundaj 2020 – Cinemateca Pernambucana; “Remoinho” no 2º FestCimm – Festival de Cinema do Meio do Mundo; “Trincheira” na primeira edição da Mostra Outro Rio; e “Extratos“; na 15ª CineOP. Clicando nos links correspondentes há um acesso para nossas coberturas destes outros festivais.

Durante o festival, esta parte da cobertura – concentrada aqui em um texto com todos os curtas nacionais – será atualizada diariamente, conforme os curtas-metragens forem disponibilizados. Segue abaixo os selecionados por ordem alfabética, seguido das críticas:

Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Índice de Curtas Nacionais
(clique em seus nomes e seja direcionado ao texto)

4 Bilhões de Infinitos
Atordoado, Eu Permaneço Atento
Barco e o Rio, O
Blackout
Dominique
Extratos
Inabitável
Joãosinho da Goméa – O Rei do Candomblé
Receita de Caranguejo
Remoinho
Subsolo
Trincheira
Você tem olhos tristes
Wander Vi

Ficha Técnica dos Curtas Nacionais do Festival de Gramado 2020


Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

4 Bilhões de Infinitos

Curtas Nacionais Gramado 4 Bilhões de Infinitos

Toda vez que Marco Antonio Pereira lança uma nova obra, muita expectativa o acompanha. É a oportunidade de voltarmos a Cordisburgo, que já apareceu nos grandes festivais brasileiros e mundiais, da Mostra Tiradentes ao Festival de Berlim. Parte de uma construção que contempla todos os curtas-metragens de sua carreira, “4 Bilhões de Infinitos” abriu a primeira sessão do Festival de Gramado 2020 para tratar da chegada da maturidade – seja essa de qualquer uma das óticas possíveis. Curioso que o grande vencedor deste festival do ano passado com “Pacarrete“, o cineasta Allan Deberton, também usou este assunto como mote nas três produções de menor duração que antecederam o multipremiado filme estrelado por Marcélia Cartaxo. Tratamos disso em um texto chamado “Os Curtas de Allan Deberton“.

Partindo de uma caminho de construção de expectativa – algo que Marco faz muito bem e tem encontrado outros diretores que também o fazem, como a dupla Matheus Farias e Enock Carvalho (igualmente presentes em Gramado este ano). O realismo fantástico surge logo de início, quando um menino se depara com um portal de fogo. Na vida, a prova de fogo vem com o verniz da realidade. Nua e crua. Parece não haver nada fantástico em tudo que se sucede. Apesar de criança, ele serve no prato da irmã o almoço. Até que a falta de luz traz um tédio, aquele específico de quando nos vemos sem um produto que – se não é vital – torna muito mais difícil nosso dia.

Sem luz conseguimos enxergar coisas que não nos permitimos antes, quando a rotina parece ter um curso ao mesmo tempo alienante e capaz de limitar nossa visão. Tendo apenas um ao outro, aquelas crianças traçam seus planos, sob a luz do fogo. Com apenas uma quebra de quarta parede a menina toma para si o protagonismo e fala, como se sentenciasse: “no futuro, a gente vai ter tudo o que a gente quer“. Assim como em “A Retirada para um Coração Bruto” (2017), o diretor nos faz apostar em uma mistura do que se sobrepõe ao natural com o que está por vir, uma esperança. Parece que em Cordisburgo a Humanidade encontrará sua salvação. Ela já está na cabeça de Marco Antonio Pereira, um dos realizadores mais instigantes e talentosos do audiovisual brasileiro dos últimos anos, que o Festival de Gramado teve a honra de apresentar para um público que, acostumado com o que lhes chega em casa, algo que talvez não enxergaria no meio de tantos holofotes que lhe apontam às vistas.

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Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Atordoado, Eu Permaneço Atento

Atordoado, Eu Permaneço Atento

A judicialização dos conflitos sociais, este é um dos grandes problemas apontados por Dermi Azevedo, jornalista e cientista político potiguar que sofreu todos os tipos de violência possíveis durante o período da Ditatura Militar brasileira. Qualquer semelhança com a tentativa de criminalizá-los desde que Jair Bolsonaro se tornou Presidente não é mera coincidência. Exílio no Chile e tortura afetaram a liberdade de expressão e de ir e vir, além da integridade física. Os traumas, contudo, foram se desdobrando e o homem teve uma das mais fortes dores: a perda de um filho, que se suicidou. Um jovem de vida conturbada, pois também foi torturado com menos de dois anos de idade.

O negacionismo e o revisionismo histórico atingiram níveis alarmantes no Brasil. A ponto de não saber até quando essa história, trazida no curta-metragem “Atordoado, Eu Permaneço Atento“, continuará sendo contada. Até quando um texto simples como este, com a mera menção a nomes, seguirá livre para ser lido? Os diretores Henrique Amud e Lucas H. Rossi dos Santos revisitam momentos que a Comissão da Verdade tentou esclarecer, mas foi absurdamente boicotada no país. Na Mostra Ecofalante pudemos tratar de outro caso, esse sistemático, de perseguições pelos ditadores em “Resplendor“. Está lá muito do que queria dizer sobre esta segundo tentativa de fazer justiça (a primeira se perdeu na anistia geral e irrestrita).

Aqui o choque segue as motivações de boa parte das obras audiovisuais dos últimos anos: parece histórica e profética ao mesmo tempo. Dermi, com dificuldade na fala por conta do Mal de Parkinson, dá uma aula e parte do processo sofrido pelo povo do Nordeste, que teve suas terras confiscadas e divididas pelos grandes latifundiários, até a ponta final – com os desdobramentos dos traumas que deveriam estar enterrados desde a década de 1980. Passando, ainda, pelo lobby da indústria armamentista, que tornou o referendo sobre o Estatuto do Desarmamento o centro dos debates familiares. Aqui foi onde a obra mais me tocou, porque entendi que todos temos nossos ciclos. Como país, povo, instituição, pessoas e família.

De forma totalmente imatura, convencido pela propaganda forte de que as liberdades individuais estariam cerceadas, eu – aos dezoito anos e no início da faculdade de Direito – também disse não ao Estatuto. No dia da votação, meu pai discursou o quanto aquilo era absurdo e como o Brasil poderia ser pioneiro em um mundo menos violento. A culpa não tardou a chegar, porque – além da sensação esquisita de contrariar um pai – a vida e os próprios estudos da ciência jurídica me tornaram um eterno arrependido por aquela decisão. Passados quinze anos, aquele homem que mostrou o quão pouco humanista eu fui, segue defendendo o Presidente que ele ajudou a eleger em 2018. E eu já consigo sentir algumas das muitas dores que Dermi manifesta em “Atordoado, Eu Permaneço Atento”.

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Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Barco e o Rio, O

Curtas Nacionais Gramado O Barco e o Rio

Palavras. Ditas sem pensar. Ditas em excesso. Não ditas. “O Barco e o Rio“, curta-metragem de Bernardo Ale Abinader concentra em duas irmãs, antagonistas acidentais de suas vidas, todas as maneiras de ferir o outro e se ferir. Vera é a mais velha e aparentemente assume a responsabilidade direta de controle do barco que ambas herdaram e que segue como fonte de renda. Josi, a mais jovem, divide as atenções da “ajuda” à irmã com a diversão à noite.

A oposição entre elas é total. Enquanto a primeira é religiosa, com seu cabelo preso e roupas largas, a segunda gosta de beber e dançar. Não há frequência, até que o rompimento chega. Não sem antes elas se valerem do que há de mais normal em uma relação familiar desgastada: muito questionamento e ofensa. As dificuldades financeiras têm culpa na cachaça ou no dízimo? Em casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Não há esperança nem salvação no divino ou no profano se o respeito não é a regra.

Quando chega na situação-limite, Vera irá rever sua posição. A obra tira de nós a perspectiva de Josi, criando uma narrativa sem palavras. Nos gestos da irmã mais velha, nota-se que há um esforço pela compreensão, pela tolerância. Tem de haver. Ela passa um batom, desiste. Depois solta os cabelos. Quando toma atitudes aparentemente banais, aquela crise tão profunda perde o sentido. Talvez seja tarde demais para por em prática a lição de que há diferenças que, tratadas com carinho, não precisam se tornar inconciliáveis.

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Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Blackout

Curtas Nacionais Gramado Blackout

Blackout“, apesar de parecer fazer uma referência a “MIB – Homens de Preto” (1997) em sua cena inicial, com um engravatado usando aparelho similar ao de apagamento de memórias da produção hollywoodiana, dialoga com outros dois curtas-metragens apresentados em festivais brasileiros em 2020. Parece se assemelhar no espaço-tempo e na construção distópica de “Brooklin“, do Coletivo CineLeblon (apresentado na Mostra Lona) e com “Tecnogênese“, de Coletivo Sem Nome (apresentado no Festival de Taguatinga).

Em ambos apontamos parecerem esses realizadores em seus coletivos pequenos discípulos de Adirley Queirós. Já a cineasta Rossandra Leone é mais superficial em sua abordagem. Não explora tanto a territorialidade e a inversão de ser o estrangeiro o verdadeiro fora-da-lei daquele ambiente criminalizado pela sociedade – tal qual o filme do CineLeblon. Flerta mais com a redenção de “Tecnogênese”, mas também não o atinge. O que difere a produção de todas essas referências é ele ser mais direto em seu discurso. Ao invés de aplicar idealizações metafóricas e angariar público a partir da instigação, ele é mais pontual – e menos referencial.

Trata da eterna luta pelo fim dos privilégios e o esmagamento do povo preto e pobre no Brasil. Aplica essa premissa em um futuro onde chegamos ao tempo da higienização tecnológica. Se vale da música de Rico Dalasam com a mesma carga épica de grandes produções, que usam uma trilha pré-existente como arremate. Todavia, salta aos olhos ser “Blackout” um das mais modestas obras do Festival de Gramado deste ano. Por ter esse elemento distópico tão presente e ser ele tão fundamental para as pretensões do filme, o curta-metragem fica comprometido por uma condução incerta de Leone em relação ao elenco. Esse texto direto, já mencionado, acaba se tornando simples leituras em algumas das sequências. Mesmo assim, há no trabalho da cineasta a busca por trilhar aquele que é um dos caminhos mais interessantes do audiovisual brasileiro. Ela está em boa companhia, isso não deve ter dúvida.

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Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Dominique

Curtas Gramado Dominique

Ainda há muita gente no Brasil que insiste na tese de que não há homofobia. Que ninguém morre por ser gay, lésbica, trans. Que lutamos para que um grupo tenha privilégios que não fariam sentido, afinal, somos todos iguais. O audiovisual nacional responde com um leque de obras, produzidas ano após ano, que lidam com esse assunto. Seja desapegando da narrativa, usando linguagem documental, ficcional, pela comédia ou pelo terror. “Dominique”, de Tatiana Issa e Guto Barra, nos apresenta mais um exemplo, com uma protagonista que teve o que muitas e muitos não consegue: acolhimento familiar.

A mãe da biografada surge em cena em determinado momento em uma entrevista carregada de espirituosidade. Quando dizem a ela na rua que “se o que o marido dela fosse vivo, não gostaria disso” ela responde, na lata: “talvez por isso que Deus tenha levado ele cedo“. Por trás da abordagem já tradicional da auto descoberta e do não entendimento como homem, que Dominique divide conosco em uma caminhada nos primeiros momentos do filme, há uma mensagem que diz que, sim, pode ser menos traumático. Mas nem sempre será feliz. Agredida pela comunidade em que vivia no Amazonas, ela saiu do Brasil, precisou se prostituir.

Mulheres trans sabem que sua existência é ameaçada por taxa de mortalidade alta e expectativa de vida baixa. Dói ouvir que, das sete amigas que formavam seu grupo, só duas permanecessem vivas. Também sabem que a prostituição é, por vezes, o único caminho. Poucas são as empresas que dão emprego a elas. Uma discriminação cada vez mais velada, como aconteceu com o racismo que se estruturalizou. Quase nenhum patrão abrirá a boca para “bostejar” (neologismo maravilhoso e inafastável em situações como essa) que estaria atacando a “moral e os bons constumes” de seus clientes. Mas, a verdade é que nunca somos atendidos, nunca vemos transitar em nenhum lugar, pessoas trans. Porque, por trás da cortina da vida pública, a discriminação pode ser consolidada com menos receio ainda.

Todavia, o que dói tanto ao assistir “Dominique” é que, a despeito da impressionante história de vida (e sobrevivência) dela e com o adicional de conhecermos sua mãe, não é somente o sofrimento. É ter a certeza de que ali não há nada novo, os dados estão escancarados, a sociedade já se dispôs a tratar essas questões. Porém, seguem sendo ignoradas, diminuídas ou ironizadas. O desejo mesmo é que possamos viver em um mundo onde lembranças como a de Dominque sejam de um passado muito mais distante.

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Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Extratos

Curtas Nacionais Extratos

“Extratos” de Sinai Sganzerla é o álbum de família mais famoso do Cinema Brasileiro. Uma forma de ressignifcação de imagens de arquivo que nos brinda com um reencontro com Helena Ignez e Rogério Sganzerla. Muito já foi dito sobre esses grandes representantes do audiovisual nacional e tentar condensar opiniões em nossa limitada abordagem que contempla todos os curtas-metragens da Mostra Contemporânea da CineOP seria injusto. Todavia, é impossível que esses agentes deixem de retornar à Apostila de Cinema (Helena já passou por aqui quando lançou pelo IMS Convida “Fogo Alto, Baixo Astral“).

O que mais chama a atenção, porém, é essa inquietude de Ignez e Sganzerla. Exilados, limitados em suas ações, eles sentiam falta de produzir – e, como vemos na obra de Sinai, produziam. Uma lembrança de tempos que não nos faz falta e não queremos que volte. Uma época em que a Cultura sofre – muito. Infelizmente, hoje entendemos um pouco mais a dor daquelas pessoas, que mesmo na efervescência da arte londrina na década de 1970 queria discutir o Brasil. Assim eles decidem, se movimentam, vão ao Marrocos e depois rompe com o exílio no exterior em Salvador.

Só que mais do que um registro “Extratos” é uma conexão. Sinai se reúne com os seus, promove uma quebra na barreira do espaço-tempo em seu portal que dura menos de dez minutos. Uma ligação supra temporal com a emoção que só a realidade provocada e proporcionada pelo arquivo e o audiovisual que dele nasce (Texto originalmente escrito na cobertura da Mostra Competitiva de Curtas da 15ª Cine OP. Clique aqui e tenha acesso a análise de toda a sessão).

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Inabitável

Curtas Nacionais Inabitável

Quando assistimos “Caranguejo Rei“, falamos da expectativa por “Inabitável“, obra de Matheus Farias e Enock Carvalho selecionada para este Festival de Gramado. Um curta-metragem que segue o caminho da dupla, totalmente em consonância com o que há de mais pungente no audiovisual mundial atualmente. A criação de expectativa, o uso de som e trilha, como se quisesse sufocar o espectador, que prende o ar mesmo em uma narrativa com verniz dramático.

Marilene vai em busca da filha Roberta, uma mulher trans a qual ela parece ter menos contato do que deveria. Quantos daqueles que não tiveram o devido acolhimento familiar (ou até tiveram, mas, por forças das circunstâncias, seguiram outro ruma na vida) não surpreenderão amigos e parentes que nunca souberam, de fato, quem eles eram. Essa é a ideia que permeia a trajetória da protagonista, no encontro com as amigas da filha, como Juliana.

Essa construção de uma ideia central (uma tragédia que sempre parece adiada) abre caminho para um leque de objetivos. Dois cineastas que demonstram maturidade para fazer de suas obras reais imaginados muito eficientes. A vida suburbana, o neopentecostalismo e outros inúmeros elementos pulam na nossa frente ao longo de quase vinte minutos. A angústia da senhora Marilene se propaga, parece não ter fim. “Inabitável” é mais uma produção de Matheus e Enock que tem essa capacidade de deixar também em nós algo preso na garganta.

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Joãosinho da Goméa – O Rei do Candomblé

Joãosinho da Gomea Curta

Leia aqui a crítica completa de Roberta Mathias, parte da cobertura do FestCurtas Fundaj 2020.

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Receita de Caranguejo

Curta Receita de Caranguejo

O entendimento e a cumplicidade entre mãe e filha é o objeto central de “Receitas de Caranguejo“, curta-metragem de Issis Velenzuela. Na Baixada Santista, após a morte do patriarca, as duas tentam superar a dor da perda viajando para a praia. A ideia de que a mudança, mesmo que temporária, pode desanuviar os processos de luto, é normal dos seres humanos.

Ali naquela “nova” casa, um documentário na televisão mostra à adolescente Lari como os animais se valem do próprio corpo para se defenderem. A decisão por comer caranguejos é uma outra tentativa de quebrar a rotina ou qualquer chance de construir uma, inventando procedimentos que mantenham a cabeça ocupada e as duas em contato.

A cineasta usa o sangue como condutor da narrativa, como possibilidades de troca. Uma linha que vai da chegada da maturidade ao cuidado uma pela outra. Seja em detalhe no vaso sanitário ou no corte do dedo, Lari vai aos poucos desenvolvendo a ideia de que, a despeito de quem se foi, sua mãe está ali para lhe ajudar. Como conselheira, amiga ou para curar as feridas. Sem precisar se valer de discursos ou verbalizações lambuzadas de gatilhos emocionais, Valenzuaele parte de uma simples representação de divisão de espaço – com a inserção de um elemento fantástico para alimentar expectativas que na vida real podem servir de combustível – para falar da manifestação mais duradoura de amor.

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Remoinho

Remoinho Curas Nacionais Gramado

Remoinho” de Tiago A. Neves usa o território do “meio do mundo” para contar a clássica história de busca por raízes, por ancestralidade. Parte de um deslocamento muito comum: a visita a parentes no interior. A mãe trata o passeio com um certo exotismo na sequência inicial, como se quisesse repelir do filho qualquer impulso de identificação. Depois, o espectador começa a entender que, na verdade, não há repulsa e sim pendências emocionais em relação àquele espaço. Conforme as lembranças – a partir da casa e de objetos – ganham corpo, o curta-metragem justifica sua seleção para a Mostra de Tiradentes deste ano. Aplica as premissas e objetivos que o audiovisual brasileiro, principalmente o dos festivais que tem a representatividade como mote, de maneira torná-lo um potencial selecionado ou vencedor de festivais (Texto originalmente escrito na cobertura da Nossa do 2ª FestCimm – Festival de Cinema do Meio do Mundo. Clique aqui e tenha acesso a análise de toda a sessão).

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Subsolo

Subsolo Curta Gramado

As clássicas animações de Otto Guerra se encontram com uma obra livremente inspirada na vida da co-diretora Erica Maradona. O curta-metragem “Subsolo” é daqueles que podem ser apreciados como pequenas esquetes de humor, uma narrativa de um plano mal sucedido (será?) ou o reflexo de uma mente capaz de observar o comportamento da sociedade. Maradona é craque na forma de absorver as referências e constrói uma deliciosa história sobre um mulher que, motivda pelos amigos, se arrisca no hostil ambiente de uma academia de ginástica.

Um território assustadoramente úmido e hermético, irritantemente saudável e desnecessariamente competitivo. Mas que muitos de nós adora – ou, se odeia, convence a si de que é um lugar para estar. Selfies no espelho, hashtags motivacionais, marcações de conhecidos. A academia é daqueles lugares que precisa ser publicizado por tantos para fazer valer a pena o investimento. De tempo, dinheiro e suor.

Apesar de bem curto, “Subsolo” se vale de micro gags de situações constrangedoras as quais boa parte de quem frequenta academia já vivenciou. Outras, como ter pesadelos com batata doce, podem ser bem particular. Mas há no filme da dupla algo que raramente encontramos neste espaço: partilha de experiências, sociabilidade. Uma forma debochada de representação, mas que faz refletir sobre o impacto de nossos hábitos de vida e – no trecho final – de consumo. A produção se encerra abrindo debate sobre a influência de produtos falsamente vendidos como saudáveis no que, torcemos, seja um projeto continuado dos realizadores.  Tem muita história boa ali a ser contada.

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Trincheira

Trincheira Curta Gramado

O curta-metragem ficcional “Trincheira”, do cineasta Paulo Silver, mostra a inventividade de Gabriel, que faz um aterro de lixo em Alagoas se transformar a partir de suas brincadeiras.

Acompanhando as narrativas inventadas pelo menino, nos perguntamos a quantidade de lixo capaz de ser produzida por um ser humano diariamente. Localizado nos fundos do condomínio no qual mora Gabriel, a quantidade de objetos abandonada é tão diversificada que torna possível a criação de diversos universos paralelos.

Assim, a obra fala sobre a ressignificação dos resíduos, mas também não deixa de ser uma crítica ao modo como interagimos com os objetos que nos cercam e à capacidade de descarte desses no mundo.

O diretor aborda a relação homem/ natureza de maneira semelhante a alguns filmes da Mostra Ecofalante, que segue com cobertura por Jorge Cruz aqui na Apostila de Cinema. O tema, cada vez mais urgente, precisa ter entrada para espectadores de todas as idades (Texto originalmente escrito por Roberta Mathias na cobertura da Mostra Cine-Escola da 15ª CineOP. Clique aqui e tenha acesso a análise de toda a sessão).

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Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Você tem olhos tristes

Você tem Olhos Tristes Curtas Nacionais

Você tem Olhos Tristes“, de Diogo Leite traz para um importante palco como o Festival de Gramado, um debate que sempre trazemos aqui na Apostila de Cinema. Uma das grandes consequências da falência da sociedade e, ao mesmo tempo, uma das principais causas do agravamento desta: a precarização do trabalho. Para citar dois exemplos, indicamos as análises do episódio da websérie “Na Fila do Sus Episódio 6: Uberização da Vida” e “O Custo do Vício Digital” (2016) assistido na Mostra Ecofalante de Cinema. O cineasta estiliza apenas um pouco a representação, fugindo do documental, mas o discurso é igualmente direto e pertinente.

Todas as dificuldades enfrentadas por uma classe trabalhadora a qual deram o peso irresponsável da taxação de empreendedor. Mão-de-obra explorada ao máximo, em que o lucro é dividido e o prejuízo é total. Um conceito de sucesso que ainda segue sendo comprado, mas com tendência rápida ao esgotamento. Boa parte de quem trabalha nessa linha de produção de aplicativos entendeu a verdadeira relação ali. Só que, dentro da lógica do mercado, não há espaço para voltar atrás – demandamos que os trabalhadores se adaptem à nova realidade, a qual não conseguimos sair pelos pequenos benefícios que nos proporcionam.

No caso de Luan o exemplo de que há, também no vértice laboral, esses pequenas recompensas. Simulação de promoções dentro do aplicativo, onde podem aceitar pagamento pelo celular. Em um desses desencontros tecnológicos, um senhor o ameaça. Sua bicicleta, parceira de trabalho, lhe deixa na mão. Mas nada pode parar Luan. “Cada um faz o seu tempo”, mentimos para nós mesmos. Não há tempo para mais nada. Ao conhecer a casa da namorada, a ideia de reconfiguração do trabalho se confirma.

Novos empregos, velhas promessas de progresso. A tia reacionária fala com orgulho da empregada doméstica, “praticamente da família, só não come na mesa com a gente“. Os olhos tristes de Luan estão quase sempre perdidos. No espaço, mas também no tempo. Ele reflete sobre o presente e não consegue vislumbrar um futuro que tire esse olhar de quem testemunha a injustiça e a falácia meritocrática diariamente. Ao mesmo tempo, olhar para o passado só traz mais desgosto. A sociedade avança, se aprimora. Não em trazer respeito e dignidade a todos e sim em criar formas modernas de se manter rachada de cima a baixo.

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Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Wander Vi

Curta Wander Vi

Tem alguma coisa na água de Ceilândia que faz deste território um agrupamento de cenários, pessoas, histórias e realizadores com potencial de renovação do Cinema Brasileiro. Provocações à parte, a cidade-satélite do Distrito Federal, na verdade, é um Brasil ampliado por uma lupa – com a diferença de que tem como vizinho o próprio poder, institucionalizado e oprimindo ainda mais um povo que está tão perto dele.

Wander Vi“, de Augusto Borges e Nathalya Brum, atualiza a velha busca pelo sucesso, na figura de um músico de Samambaia, região próxima a Ceilândia. Ele tenta absorver esse processo de fortalecimento de marca, em um mundo que tenta nos impor a todo instante que somos senhores do nosso próprio destino – mas clique aqui e veja o curso em que ensinamos o caminho do sucesso. Com uma boa extensão vocal, mas ainda precisando desenvolver seu próprio dom, Wanderson é mais uma vítima dessa necessidade de ser reconhecido antes de se conhecer.

Na ditadura dos likes ele persiste, entendo ser um processo longo. Começando entre a gravação de seu EP e o lançamento bombástico. Só que na nossa realidade, dias viraram anos e a curva que o transforma de iniciante a fracassado não tem placa de aviso. A democratização da produção permite a Wander Vi, o artista, ter uma perspectiva positiva sobre aquilo que ele deseja ser. Também permite a “Wander Vi”, o filme, chegar a Gramado mesmo sendo uma produção muito simples, se valendo de algumas entrevistas e uma captação pouco trabalhada.

Realizado em 2020, os planos de Wanderson devem ter sido prejudicados pela pandemia, como todos. O curta-metragem poderia servir de uma boa propaganda a um representante do Brasil, que precisa se dividir entre os “corres” e a busca constante por algo melhor. Que os deuses dos algoritmos permitam que ele hite em alguma rede e que se realize de alguma forma. No meio do filme ele admite que faz agora para ser conhecido, não por dinheiro. O problema é que, cada vez mais, os dias de glória que deveria suceder os de luta estão cada vez mais distantes. 

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Ficha Técnica dos Curtas Nacionais do Festival de Gramado 2020

4 Bilhões de Infinitos (2020) – MG
Direção: Marco Antonio Pereira / 15′
Sinopse: Brasil. 2020. Após a morte do pai, uma família vive com a energia de casa cortada. Enquanto a mãe trabalha, seus filhos ficam em casa conversando sobre ter esperança.
Atordoado, Eu Permaneço Atento (2020) – RJ
Direção: Henrique Amud e Lucas H. Rossi dos Santos / 15′
Sinopse: O jornalista Dermi Azevedo nunca parou de lutar pelos direitos humanos e agora, três décadas após o fim da ditadura, assiste ao retorno das práticas daquela época.
Barco e O Rio, O (2020) – AM
Direção: Bernardo Ale Abinader / 17’12”
Sinopse: Vera é uma mulher religiosa que cuida de uma embarcação no porto de Manaus. Ela precisa lidar com a irmã Josi com quem diverge em relação a como lidar com o barco e sobre como viver a vida.
Blackout (2019) – RJ
Direção: Rossandra Leone / 18’51”
Sinopse: Em um Rio de Janeiro futurista nada parece ter mudado. Abuso de autoridade, violações de direitos, racismo e machismo ainda dão o tom da relação do poder público com a favela. Dessa vez, entretanto, algo parece estar para mudar.
Dominique (2019) – RJ
Direção: Tatiana Issa e Guto Barra / 19′
Sinopse: Em uma ilha na foz do rio Amazonas, conhecemos Dominique, cuja mãe criou sozinha três filhas transexuais. No caminho para visitar a mãe, Dominique relembra os tempos de prostituição e brutalidade policial que sobreviveu devido ao amor incondicional de sua mãe.
Extratos (2019) – SP
Direção: Sinai Sganzerla / 08′
Sinopse: Extratos é um curta-metragem com imagens entre o período de 1970 até 1972 nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Londres, Marrakech, Rabat e a região do deserto do Saara. As imagens foram filmadas por Helena Ignez e Rogério Sganzerla no exílio, nos anos de chumbo. O filme é também sobre a esperança. Algo afável é possível mesmo quando há indicações do contrário.
Inabitável (2020) – PE
Direção: Matheus Farias e Enock Carvalho / 19′
Sinopse: Pouco antes da pandemia, o mundo experimenta um fenômeno nunca antes visto. Marilene procura por sua filha Roberta, uma mulher trans que está desaparecida. Enquanto corre contra o tempo, ela descobre uma esperança para o futuro.

Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Joãosinho da Goméa – O Rei do Candomblé (2019) – RJ
Direção: Janaina Oliveira ReFem e Rodrigo Dutra / 14’24”
Sinopse: O filme apresenta Joãosinho da Goméa como narrador principal de sua história. Com músicas cantadas por ele, performances provocadoras e arquivos diversos que ressaltam o quanto ele é importante para as religiões de matriz africana. A Rainha Elizabeth II disse que se o candomblé tivesse um rei, esse seria Joãosinho da Goméa, o Rei do Candomblé.
Receita de Caranguejo (2020) – SP
Direção: Issis Valenzuela / 19’45”
Sinopse: Após a morte do pai, Lari e sua mãe vão passar alguns dias na praia. Elas resolvem cozinhar caranguejos. E os bichos, aos poucos, transformam-se em seres luminosos.
Remoinho (2020) – PB
Direção: Tiago A. Neves / 12’27”
Sinopse: Após um longo período de afastamento, Maria retorna à casa de sua mãe. Ela está decidida sair do remoinho que a fez voltar.
Subsolo (2020) – RS
Direção: Erica Maradona e Otto Guerra / 08′
Sinopse: Três amigos frequentam diariamente a mesma academia em busca de seus ideais de corpos. Apesar de assíduos, convivem com os frustrantes deslizes que acontecem longe das esteiras, fazendo girar as engrenagens de um ciclo interminável.
Trincheira (2020) – AL
Direção: Paulo Silver / 14’40”
Sinopse: Num aterro de lixo, um garoto observa o imponente muro de um condomínio de luxo. Gabriel usa de sua imaginação para construir seu mundo fantástico.
Você tem olhos tristes (2020) – SP
Direção: Diogo Leite / 17’50″
Sinopse: Luan trabalha como bikeboy de aplicativo e enfrenta dilemas e preconceitos na sua jornada diária de entregas em uma cidade grande. Sem hesitar, sonha com um futuro melhor.
Wander Vi (2020) – DF
Direção: Augusto Borges e Nathalya Brum / 19’56”
Sinopse: Wanderson Vieira é um músico da cidade de Samambaia e nesse curta documentário, nos conta um pouco como concilia seu trabalho noturno e ensaios de dança, com criar sua carreira, lançando seu pseudônimo Wander Vi, para alcançar seu sonho.

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Clique aqui e acompanhe nossa cobertura completa do Festival de Gramado 2020.

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Festival de Gramado 2020 | Curtas Nacionais

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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