Sinopse: Em “2 Corações”, quando a doença atinge duas pessoas que são opostas polares, a vida e a morte os unem de maneiras surpreendentes.
Direção: Lance Hool
Título Original: 2 Hearts (2020)
Gênero: Drama | Romance
Duração: 1h 41min
País: EUA
Legado de Vida
“2 Corações“, estreia deste sábado dos canais Telecine – e disponível em sua plataforma de streaming – se baseia em um caso do início da década passada que colocou holofotes, mais uma vez, sobre a questão da doação de órgãos, em todos os seus aspectos e complexidades. Um debate que costuma surgir na sociedade em ondas, geralmente motivadas pelo falecimento de pessoas famosas que optaram por esse caminho ou em campanhas do Estado para incentivar a prática. Infelizmente é comum o arrefecimento, dependendo de grupos que levam consigo a causa para se manter relevante. Vale lembrar que cada doador pode salvar sete vidas (algo, inclusive, tratado em produção com o astro Wil Smith lançada em 2008).
A direção é de Lance Hool, produtor experiente mas que desempenhou tal função apenas três vezes, em filmes de ação dos anos 1980 e 90. Aqui o corte final, pelas mãos da montagem de Craig Herring (currículo extenso em comédias) não quer transformar o suspense em um dos elementos que farão as histórias de Jorge (Adam Canto) e Chris (Jacob Elordi, sucesso entre os mais jovens pela trilogia “A Barraca do Beijo“). O prólogo mostra o segundo, um jovem norte-americano, dando entrada na emergência de um hospital. Ele será o narrador e começa nos dizendo que leva toda a vida como se fosse um milagre.
Chris também se define como um cidadão de classe média norte-americana e Jorge como membro da “realeza” cubana – não sei até agora se essa expressão no roteiro de Robin U. Russin e Veronica Hool é reflexo de uma dificuldade do protagonista-narrador de se expressar ou se uma alfinetada no país latino. Dali em diante o espectador acompanhará “2 Corações” em duas frentes. Na primeira, Elordi interpreta um adolescente em seu primeiro ano de faculdade, onde se apaixonará por Sam (Tiera Skovbye). Já Canto vive um representante comercial de uma famosa marca de rum que se envolve com a comissária de bordo da Pan Am, Leslie (Radha Mitchell).
Sem demonstrar em que ponto suas realidades se cruzarão, nosso envolvimento parte das maneiras de expressão do amor. Um tem a energia jovial de quem, aos 19 anos, a sensação de que terá todo o tempo do mundo. O futuro parece um caderno recheado de folhas em branco, o que permite curtir os momentos, a ponto de impactar nas notas da universidade. O segundo é um amor amadurecido, de um homem e uma mulher que colocam na mesa as suas pretensões desde o início.
Os desdobramentos dos relacionamentos, que passam pela resistência dos pais, a liturgia do casamento e os planos envolvendo filhos vão criando o clima em dois arcos dramáticos simples, mas que levam a um forte impacto no ato final. Há um momento em que Hool desfaz parte da narrativa, transformando algumas histórias contadas por Chris em projeções de sua imaginação. Confesso que imaginava que essa quebra seria fatal para o grande objetivo de obras desta natureza: a manipulação de emoções. Todavia, isso é realizado de forma tão ligeira e coerente – se pensarmos que o prólogo indicava em que momento a realidade se rompeu e tudo o que se passa depois dele pode, sim, ser uma mentira – que tive que puxar na memória o que, naquele instante, imaginava ser um tropeço irreparável do longa-metragem.
Não há como absorver a trama de outra maneira a não ser: 1. pouca relação emotiva, o que torna a experiência da sessão genérica e de pouca intensidade; ou 2. o desenvolvimento de empatia com os sentimentos dos personagens que levará o espectador às lágrimas. Baseado no livro de Eric Gregoy, irmão de Chris que notadamente resistiu às decisões envolvendo a doação e recebeu uma lição com tudo isso, a parte final é pura representação melodramática, que nos pega em cheio em dois momentos. O primeiro envolverá a partida e o segundo as consequências de transformar a morte de quem amamos em salvamento de vidas de outros amores.
Confesso que as histórias carregadas de emoção e com essa tática de manipulação de sentimentos do público não me abalavam há algum tempo. Talvez porque a morte por esses tempos soa como algo ainda mais natural, infelizmente. Tenho meus motivos pessoais para ser tocado de forma mais direta aqui, mas no distanciamento possível, entendo que a obra consegue administrar bem esse expediente sentimental com as mensagens que quer passar. A doação de órgãos é uma liberalidade do indivíduo, mas depende da autorização da família, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Porém, não é tão simples assim.
Não bastasse o dilema que nos afeta culturalmente pela materialidade do corpo, que torna o viver o luto parte da travessia de quem fica, há a questão envolvendo a identidade. Uma forma de preservar as famílias, de não mexer novamente com feridas e traumas e, sobretudo, não estender as dores. Independente da crença, iniciar a abordagem tratando eles como anjos parece uma forma sutil (e boa) de lidar com o assunto. Por outro lado, aqueles que ganharam uma nova chance neste plano de existência criam um sentimento forte de gratidão e querem muito despejar nos mais próximos daquele que se foi.
Além disso, há quem lute e aguarde pela sua chance (ou a de uma pessoa querida) de ser salva também, muitas vezes fazendo plantão em hospitais especializados. Ponto em que reside o grande legado da história de Chris e Jorge. Muitas frentes, dependentes de uma mediação difícil e que “2 Corações” possui pouco tempo para representar na tela. Não só consegue, como encontra novas oportunidades de extrair mais lágrimas do público.
Veja o Trailer: