24ª Mostra Tiradentes | Mostra Foco Minas | Sessão 1
Dois Passos para Frente
Em “VideoMemória“, a dupla de diretores Aiano Bemfica e Pedro Maia de Brito (também presentes na Mostra Vertentes da Criação com “Entre Nós Talvez Estejam Multidões“) foca mais uma vez na luta social. Aqui na Apostila de Cinema, podemos ver ainda outras críticas de alguns de seus filmes. Esse curta-metragem começa com a remoção da ocupação em um primeiro momento. Com os líderes sociais tentando convencer aos demais moradores de que aquele era o momento de recuar para voltarem mais fortalecidos, o filme acompanha essa remoção aos primeiros sons do amanhecer. Ainda no escuro, uma das líderes do movimento Elena Silva, narra a violência policial.
“Melhor sair de cabeça erguida”, diz. Melhor seria poder ter assegurado seu direito de moradia, mas com certeza de que esse não seria o fim do movimento, se organizam para retomá-lo três meses depois.
A primeira parte de “VideoMemória” se dá quase que inteiramente no escuro protegendo os rostos dos manifestantes, mas também passando uma sensação de insegurança e efemeridade ou impermanência.
Na segunda metade do documentário, que já se propõe a acompanhar o segundo momento de ocupação, as imagens são mais nítidas. Sabemos que essa escolha não é exatamente intencional, pois os diretores tiveram que acompanhar a primeira retirada durante a madrugada, mas de alguma maneira ela reflete dois momentos de amadurecimento do movimento.
O primeiro dia de chegada e integração é marcado por chamados de gritos coletivos e festa, mas também pelo retorno da polícia que chega em batalhão para supostamente manter a ordem.
Os filmes de Bemfica e Brito têm a capacidade de transportar o espectador para o momento de dor e de vitória. Aos gritos de “violência não” os ocupantes combatem as armas. Será que esse pedido ainda tem algum significado para aqueles que estão dispostos a responder sempre com armas e embate físico?
São 359 famílias que parecem perseguidas por um disco voador em forma de helicóptero esperando capturar qualquer atitude “suspeita”.
No entanto, a Ocupação Elena Silva vence e o longa-metragem do festival desenvolverá essa realidade. Possuem endereço fixo, nomes de ruas e reconhecimento como bairro com CEP. Parece pouco, não? Mas muitos brasileiros jamais chegam a ter essa experiência.
O cinema denúncia de Aiano Bemfica e Pedro Maia de Brito aparece como uma ponta de esperança para que essas histórias sejam vistas, contadas e repassadas.
24ª Mostra Tiradentes | Mostra Foco Minas | Sessão 1
Para que Serve a Arte?
“23 Minutos“, de Rodrigo Beetz e Wesley Figueiredo, versa sobre a dificuldade de jovens de conseguir entrar no mercado formal. Para além da decepção, há todas as dificuldades que sabemos que são continuidade dessa barreira. Entre automóveis, graxas e ferramentas, versos surgem com uma facilidade que só a periferia e os grandes poetas renomados e reconhecidos conseguem gestar com uma fluência quase mística.
“Eu não quero mais aturar meus demônios”. Frase que poderia ser dita por qualquer um de nossos personagens. Na correria para fugir da desconfiança quase imediata quando se é homem, periférico e negro continuam a passar por situações que os colocam cada vez mais distantes do simples. Da vida. O que é vencer na vida? Questão que não me atrevo a tentar a responder. Mas, desconfio que seja a persistência por mais dura, combatida e mesmo com as portas fechadas que se acumulam quase como um labirinto infinito.
O título 23 vem do fato de que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinato. Fugir da estatística para esses jovens, é apostar na música. E, por mais que não possamos assegurar de que dará certo me recordei de uns versos de Fióti. Dá para fazer.
“Um sonho no peito
O mundo imperfeito
Seguindo direito a estrada (Passando por todas adversidades)
É por esses que eu torço
Talento e esforço
As mina e os moço, a quebrada
É o que eu digo pra vocês
Um passo de cada vez (Morou? O quê?)
Dá pra fazer (Ãham)
Na coletividade, na manha (Bem na manha)
Onde todo mundo ganha (Na bolinha de meia, certo?)”
24ª Mostra Tiradentes | Mostra Foco Minas | Sessão 1
Para Quem Quiser Viver
Em um filme feito com aparelho de celular, o Coletivo Fanchecléticas conta uma história que se passa em 2031, mas também se faz presente em 2020. Dialogando de maneira muito incipiente com “23 Minutos”, exibido na mesma sessão da Mostra Foco Minas, “Sapatão: Uma Racha/Dura no Sistema” mostra as dificuldades de uma mulher lésbica para viver e sentir o mundo da maneira como lhe faz bem.
Ressaltar o fazer bem não é apenas uma passagem do curta-metragem, mostrando de formas mais explicitas impossíveis o caos no qual vivemos, Uma racha/dura no sistema propõe uma nova maneira de viver. Não em 2023, mas agora.
Sem pôr-do-sol, sem café da manhã. Quantos de nós não nos identificamos com essa existência, mesmo antes da pandemia que nos trouxe uma morte que já vivia em nossos cotidianos? A ficção científica experimental mostra ruínas do agora. Falências do agora.
“A gente não se toca mais, não se abraça mais.“
Mesmo antes do isolamento, qual são nossas últimas memórias de um abraço demorado em um amigo ou conhecido? “Sapatão: Uma Racha/Dura no Sistema” fala mais sobre o hoje do que sobre o amanhã. Quantos nomes de Instagram, de fato, fazem parte de seu cotidiano? Quantas taças de vinho reais você foi capaz de dividir com eles?
Então, se falamos de 2069 ou 2020, não importa. Queremos ser aceitos. Mas, queremos ser iguais? Quer dizer, importa no sentido da urgência que o curta-metragem nos faz reflexionar.
Em sua sinopse oficial diz: “Uma corpa que tensiona a cidade. Essa corpa, ainda bem, tensiona também o que há ainda de vivo em nossos corpos.”
Vivemos de lucros? Quais são nossos objetivos? O que queremos tensionar em nós e na sociedade? O que sobra de nós quando descontamos os dias perdidos com efemeridades.
As verdadeiras efemeridades não são os abraços ou o pôr-do-sol. Esses são os momentos de vida. Ao partir, a corpa nos convida. Vamos?
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Santa para Quem?
No curta-metragem inteiramente experimental “Pietá“, Pink Molotov performa um batismo em águas pixeladas. Toda a obra gira ao redor de imagens com múltiplas interferências, fazendo com que o espectador tenha uma experiência híbrida entre o sagrado e o tecnológico.
Há também a ironia da performer que se mostra em momentos de intimidades, enquanto parte da narrativa. Não há busca pelo real tal qual conhecido por nós. As críticas políticas ferozes são acompanhadas pelo deboche e pela tragicidade que nos assola.
Em poucas sequências, Pink Molotov consegue ser uma santa drag, revolucionária, crítica e artista.
Exatamente o que precisamos no momento.
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De Minérios, Barro e Sangue
Guerreiro do Divino Amor já possui uma carreira sólida e conhecida por aqueles que transitam pelos meios das artes. O curta-metragem “O Mundo Mineral” começa com a voz de Paula Fernandes (“Eu nasci no celeiro da arte; No berço mineiro; Sou do campo, da serra; Onde impera o minério de ferro”). Desculpem-me os mais puristas, mas conhecendo a acidez típica do videoartista, gargalhei.
Novamente, Guerreiro do Divino Amor apresenta um Estado brasileiro projetado, mas também caçoando de suas contradições. Graduado em Arquitetura e fruto de seu tempo, o artista (que já possui algumas obras provocativas sobre o Rio de Janeiro), mescla memes, linguagens, artifícios e cria uma cidade própria de suas críticas e imaginações (realmente bem próximas da realidade, fato que devemos lamentar).
Em “O Mundo Mineral” até mesmo fragmentos do vídeo que partem do acervo visual de um dos museus que compõem o conjunto da Praça Liberdade, são incorporados. Para quem já visitou, aquele 3D que fala sobre a “harmornia” entre as três raças(sic): indígenas,africanos e europeus. Equilíbrio entre povos? É o que Guerreiro pretende criticar.
Fragmentos dessas Minas Gerais turística, escondendo as dificuldades pelas quais o Estado passa. Assim costumam ser os vídeos de Guerreiro. Aos mostrar o cotidiano de uma parte privilegiada da população, deixa subentendido que a conta não fecha. Se poucos têm muito, o que resta tem como ser dividido pelos demais?
Que harmonia é essa que oculta como foram esculpidas nossas igrejas e encontrados nossos minérios?
Mais uma vez, Guerreiro do Divino Amor faz uma crítica contundente pela qual não há como se passar como um mero turista.
Ficha Técnicas Mostra Foco Minas | Sessão 1
Videomemória (Aiano Bemfica e Pedro Maia de Brito, 23′ – Brasil, 2020)
Sinopse: o tempo passa como um cigarro fumado a noite / quando através de sua fumaça vejo / cada imagem daqueles dias que ainda lembro / para sorrindo chorar nossas glórias
23 Minutos (Rodrigo Beetz e Wesley Figueiredo, 16′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Um grupo de jovens amigos encontram na música, a resistência frente ao mercado de trabalho e as adversidades sociais.
Sapatão: Uma Racha/Dura no Sistema (Dévora MC, 12′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Por que estamos tão cansades? Uma entregadora por aplicativo responde. Em sua última postagem: um desabafo e uma despedida. Um corpo vivo, uma sociedade em colapso. Uma corpa que tensiona a cidade. Rompe com padrões. Cria racha/duras. Sapatão, guarde este dia com carinho.
Pietá (Pink Molotov, 5′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Jesus recebe uma chuva de benção após ser batizado nas águas sagradas da piscina mil litros. Com isso ele recebe suficiente força para combater o mal. A justiça divina no entanto, falha, e o herói acaba morto no colo da senhora, sua mãe.
O Mundo Mineral (Guerreiro do Divino Amor, 9′ – Brasil, 2020)
Sinopse: No âmbito de constituir um Atlas Superficcional Mundial, Guerreiro do Divino Amor investiga como ficções de diferentes naturezas, sejam elas geográficas, sociais, midiáticas, políticas ou religiosas, interferem na construção do território e do imaginário coletivo. Quinto capítulo do Atlas Superficcional, O Mundo Mineral é uma fantasia de harmonia e perdão, a superficção do milagroso equilíbrio entre povos, norte e sul, superdesenvolvimento e supertradição.
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