Oxigênio

Oxigênio Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Em “Oxigênio”, uma mulher acorda sem memória dentro de uma cápsula de criogenia. O oxigênio está acabando rapidamente, e ela precisa encontrar uma forma de descobrir quem é para conseguir sobreviver.
Direção: Alexandre Aja
Título Original: Oxygène (2021)
Gênero: Ficcção | Drama
Duração: 1h 40min
País: França | EUA

Oxigênio Crítica Filme Netflix Imagem

Os Segredos do Próprio Abismo

Quando “Oxigênio“, um dos lançamentos desta semana na plataforma de streaming Netflix, se apresenta como proposta, não tem como o espectador não relacionar a outras obras que nos colocam em um cenário único, com apenas um personagem em uma situação aguda, geralmente sob o risco de morte. Até que o diretor Alexandre Aja desfolhe sua narrativa – e traremos mais adiante com a presença de spoilers, previamente anunciados – há um misto de curiosidade e impressão de já ter vivido essa experiência antes.

Podemos pensar, por exemplo, no ano de 2010. Dois dramas de sobrevivência chegavam nos cinemas norte-americanos naquele ano. Um, com forte lobby e o comando do recém-oscarizado Dany Boyle na direção, conseguiu ser indicado a seis prêmios da Academia, incluindo melhor filme. “127 Horas” ainda criava no entorno da crise vivida por Aros Ralston (James Franco) no Parque Nacional do Grand Canyon, alguns elementos. Por outro lado, bem menos comentado e bem mais interessante (e claustrofóbico), “Enterrado Vivo” trazia Ryan Reynolds acordando dentro de um caixão a sete palmos da terra munido de um celular com pouca bateria – e sinal. A diferença é que o diretor Rodrigo Côrtes, para dar ritmo à ação que se desenvolve a partir de uma situação-limite, precisa se valer de elementos externos.

É algo que não acontece no novo longa-metragem, estrelado por Mélanie Laurent – depois que Anne Hathaway abandonou o projeto. Ela é uma mulher que acorda em uma câmara criogênica sem saber quem é. MILO é a inteligência artificial (com a voz de Mathieu Amalric) que tenta orientá-la (ou desorientá-la?). O roteiro de Christie LeBlanc permite uma obra ainda mais confinante, com um senso de urgência que não cessa. A luta por unir algumas pontas enquanto a falta de oxigênio ameaça a existência da protagonista faz lembrar outra estreia recente do serviço, “Passageiro Acidental“. Diante de uma construção narrativa baseada no alto grau de tecnologia, o público se mantém a todo instante dentro daquele espaço, dividindo com a personagem o que lhe sucede.

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Oxigênio” se propõe a refletir a realidade espaço-temporal. Isso amplia a sensação de desespero por trás daquela mulher, que descobre se chamar Elizabeth Hansen ao término do primeiro terço. O realizador aplica, mesmo que parcialmente, a técnica narrativa do mise en abyme (ou narrativa em abismo). Nas artes visuais, ela é fácil de ser identificada porque seria a “imagem dentro da imagem” e tem na literatura o clássico “As Mil e Umas Noites” como origem. É o constante acordar de sonhos em sua base, mas também é – como neste filme – a promoção de uma ampliação sobre algum elemento (não necessariamente a mise-en-scène) que traz uma outra revelação, que se conecta de maneira que encaixa o que há em nossa esfera de conhecimento dentro dessa nova perspectiva.

Contudo, vale o aviso que a partir deste ponto revelações sobre o enredo – e leituras a partir de atitudes da personagem – serão usadas como argumentos da crítica. Portanto, se você ainda não assistiu o filme e deseja uma experiência completa, fica a sugestão para retornar ao texto assim que o fizer.

A princípio, seria possível tratar de certos elementos da obra sem mergulhar neste terreno, ou até maquiar essas “entregas” sob o manto de uma redação mais filosofal sobre o que foi visto. Só que a maneira como o cineasta insere uma nova possibilidade assim que possível torna difícil não querer falar delas. No início do longa-metragem, Liz é apenas um registro. MILO a chama de Omicrom 267. Quando ela descobre seu nome “verdadeiro”, a primeira pista dessa estrada se ilumina. Tanto ela quanto o espectador começam a refletir sobre o que está por trás daquele registro, daquela informação. O que há além do nosso nome se não conseguimos compreender outros aspectos fundamentais de nossa existência?

Pois é quando a inteligência artificial se torna mais ousada. Começamos a questionar se estamos diante de parte de um experimento e se o emissor das mensagens que resgatam (ou moldam?) a memória da protagonista está sendo fiel à verdade. Ao nos colocarmos em situações que nos deixam sob risco de uma grave consequência, a ideia por trás do que fomos – e como podemos alterar isso – costuma nos acompanhar. Aqui estamos diante de uma mulher com limitação de oxigênio, à beira de uma morte cruel. Porém, o que ela busca em paralelo ao seu salvamento, é o encontro com a verdade. É compreender a si, mais do que a cronologia que a levou até ali. Quando MILO dá a entender que está criando novas versões de Liz, ela parece aplicar uma famosa frase, que marcou os fãs do seriado “Lost” por ter o nome do episódio que encerra a segunda temporada: “live together, die alone“.

Já sairíamos satisfeitos da sessão se o cineasta levasse adiante apenas esses traços de falsas realidades, de narrativas paralelas. Com poucas intervenções, todas elas de telefonemas de pessoas supostamente tentando ajudar a protagonista, Aja segura o máximo que pode a ampliação do nosso campo de visão. Há momentos em que ela parece aceitar a morte e deseja apenas ganhar tempo, forjar os sentimentos a partir do que lhe foi dado de elemento para a construção de sua personalidade. Mais adiante saberemos que a vida de Elizabeth foi bem mais breve do que imaginávamos, durou o tempo que a acompanhamos. Quando este momento chega, a crise inaugurada por ela quando se depara com a descartabilidade de si ganha ainda mais força.

Vejamos, a personagem começa seu arco sem nenhum elemento individualizador a não ser seu corpo. Depois, ganha um nome que – sem memórias – não atinge a plenitude. Quando ganha consciência sobre o que está à sua volta, ela recebe a grande informação (sobre a colonização interplanetária e o risco de extinção dos humanos na Terra em duas gerações). Porém, o que seria algo que a tornaria especial, volta a se revelar o grande argumento sobre a tal descartabilidade. Liz é uma criação, uma emulação desde a origem. Sua morte pode ser moldada porque o elemento individualizador prévio, seu corpo, é uma reprodução de outra pessoa.

Até que a solução encontrada, fugindo da lógica pessimista de todo o desenvolvimento, se ergue sem parecer (ainda mais) fantasiosa para aqueles que se conectaram do fio de cabelo ao dedão do pé no filme. Um mise en abyme tecnológico, até um pouco simples na realização, mas eficiente como temos visto poucas vezes nos últimos anos. “Oxigênio” deve garantir no boca-a-boca uma grande audiência dentro da Netlix – e um punhado de youtubers ganhando engajamento com seus “finais explicados”. Portanto, faça igual Liz: mergulhe na narrativa, vá até o seu limite. Só olhe para o outro se for necessário. Nunca pare de oxigenar a mente.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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