Eu Sou Todas as Meninas

Eu Sou Todas as Meninas Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Em “Eu Sou Todas as Meninas”, uma detetive implacável se une a uma assassina que ataca os integrantes de uma quadrilha de tráfico de crianças.
Direção: Donovan Marsh
Título Original: I Am All Girls (2021)
Gênero: Crime | Drama | Mistério
Duração: 1h 47min
País: África do Sul

Eu Sou Todas as Meninas Crítica Filme Netflix Imagem

Sem Mistério Nem Emoção

Trazendo o tráfico de adolescentes como centro da trama, a produção sul-africana “Eu Sou Todas as Meninas” chega esta semana ao catálogo da plataforma de streaming Netflix. Dirigido por Donovan Marsh, que tem como principais trabalhos longas-metragens de ação, a característica principal da obra se identifica justamente na forma desequilibrada como transitamos do thriller policial envolvendo a agente Jodie Snyman (Erica Wessels) e o drama construído a partir da história de sua colega Ntombizonke Bapai (um ótimo trabalho da atriz Hlubi Mboya).

Portanto, é possível que aqueles que se sintam motivados a assisti-lo pela temática social encontrem uma narrativa que se aprofunda pouco em suas propostas – inclusive a racial, que se apresenta enquanto dinâmica mais interessante entre as duas personagens. Por outro lado, os fãs do suspense e do mistério deverão se decepcionar com a obviedade da trajetória aqui. O roteiro, que tem como autor principal Wayne Fitzjohn, mas passou por outras quatro pessoas (incluindo Marsh) não tem mistério algum. Em poucas conexões, o espectador é capaz de desenhar o que está por trás da trama principal e as revelações a partir daí não surpreendem nem um pouco.

O filme se inicia no ano de 1994, quando Gert Jagger é detido pela polícia enquanto traficante de jovens meninas e, em depoimento à polícia, se coloca como uma simples ferramenta de um poderoso sistema. Estamos na cidade de Brakpan, que tem na extração de ouro e urânio a base econômica de seus mais de trezentos mil habitantes. Já na linha do tempo da História, a África do Sul vive o último ano do regime do apartheid, adotado pelos sucessivos governos do Partido Nacional do país. Em uma nação dividia e pautada no preconceito racial, há certa surpresa quando o criminoso diz que não há, no mercado internacional, este tipo de recorte.

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Parecia que “Eu Sou Todas as Meninas” seria a base de algumas relações sociais de grande potencial para debates. Quando, nos tempos atuais, novos desaparecimentos começam a ocorrer e um ex-deputado é assassinado, em uma flagrante execução em praça pública, Jodie é designada para o caso. Ela mergulha de cabeça em sua missão, se esquecendo que a engrenagem de poder tem sua parcela de culpa, direta e indireta. Além do mais, há certa dificuldade em se manter neutra ou afastada emocionalmente da investigação, pela dose maior de empatia por ser uma mulher.

É quando o público começa a acompanhar o trabalho de Bapai, que passa a integrar a equipe quando Jodie, por questões burocráticas e de forma totalmente política, é afastada. Temos uma personagem ainda mais complexa, uma mulher negra que tenta equilibrar o desempenho de suas funções institucionais com a luta por uma justiça muito mais urgente que a lógica de um departamento policial procura. Aos poucos somos envolvidos em sua realidade, ao mesmo tempo em que se confirmam certas suspeitas sobre o sistema de tráfico de mulheres como um todo.

Dentre as grandes oportunidades que o longa-metragem perde está a dupla relação de quem compõe a estrutura do Estado. Em um ambiente com hierarquia própria, é comum viver situações em que você está perseguindo criminalmente quem está do seu lado – ou acima de você. Assim como outro tipo de tráfico, o de drogas, a sociedade aceitou um debate raso sobre fatos geradores e verdadeiros responsáveis. Seguimos o mesmo raciocínio problemático de achar que há “bons” e “maus”, pessoas que agem contra a lei e em função dela.

Uma contribuição sobre a forma complexa pela qual devemos tratar o problema que a obra passa ao largo. Quando entendemos melhor o destino de Bapai e suas motivações, o cineasta não consegue se decidir entre o desenvolvimento do arco dramático ou a ampliação das sequências de ação. Acaba entregando um thriller de pouca potência, mesmo com uma boa construção de personagens e uma base narrativa sólida.

Já no que diz respeito aos meandros do crime e a busca pelos envolvidos no tráfico de mulheres para o Oriente Médio em troca de petróleo, Marsh parece se preocupar em não levantar bandeira sobre o envolvimento de grandes figuras – mas mantém essa possibilidade a quem gosta de refletir sobre o assunto. Se o suspense se torna inviável pela maneira como o segredo por trás da justiceira mascarada se apresenta, ao não permitir que o arco dramático se sobreponha, “Eu Sou Todas as Meninas” apostas as fichas em um longo clímax, este sim carregado de ação. Muito pouco para quem almeja tantas questões, se vender a partir disto, mas sem costurar nenhuma delas.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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