EncrenCão

EncrenCão Filme Animação Crítica Netflix Pôster

Sinopse: Em “EncrenCão” a confortável vida de um cachorrinho vira de cabeça para baixo depois que ele se perde e precisa aprender a sobreviver nas ruas da cidade grande.
Direção: Kevin Johnson
Título Original: Trouble (2019)
Gênero: Animação | Aventura | Comédia
Duração: 1h 27min
País: Canadá | EUA | Ilhas Cayman

EncrenCão Filme Animação Crítica Netflix Imagem

O Óbvio Ululante

Talvez Nelson Rodrigues jamais imaginou que sua expressão, óbvio ululante (ulular é um som de uivo próximo de um lamento, comum a cachorros e outras espécies), seria aplicada com ares de trocadilho. Pois bem, “EncrenCão“, produzido em 2019 e que estreia esta semana da Netflix com distribuição mundial, diverte toda a família por aplicar a cartilha básica de uma animação tradicional, feita para todos os públicos, sem inventar alternativas exageradas, fantasiosas ou esteticamente provocadoras. Tudo é tão básico, que vem daí sua diversão. Suas referências são tão banais, que se apresentam com a certeza de que serão absorvidas.

Usando a empatia dos espectadores pela relação com seus pets, a animação dirigida por Kevin Johnson aplica os movimentos naturais típicos dos cachorros em uma premissa quase sempre utilizada em aventuras familiares. Trouble (ou Encrenca na versão em português), dublado no original pelo rapper de Detroit, Big Sean, é um mascote privilegiado. “Filho” de uma vovó milionária (na voz de Betty White, um dos grandes nomes da TV dos EUA), ele tem todas as regalias possíveis, come, dorme e recebe o melhor tratamento que poderia ter em um casarão no alto da montanha. Até que a senhora morre e deixa como potenciais herdeiros dois sobrinhos distantes e nada sentidos com a perda.

Claire (Marissa Jaret Winokur) e Norbert (Joel McHale) terão acesso a uma bolada e à mansão luxuosa desde que comprovem que conseguiram se integrar a Encrenca por alguns dias, o grande protegido da falecida. Só que, na presa por despachar tudo o que eles consideravam “inútil”, o cão é levado por um caminhão de mudança para a cidade e, claro, viverá altas confusões com uma turminha da pesada – tudo o que a gente deseja como desculpa para sorrir sem culpa. O roteiro de Rob Muir – que, assim como Johnson, possui como experiência em longas-metragens apenas uma adaptação obscura de Mogli – lota de referências populares a narrativa. A cena inicial faz com uma borboleta azul o que a clássica abertura de “Forrest Gump – O Contador de Histórias” (1994) provoca com uma pena, transitando pela cidade até chegar ao nosso protagonista.

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Já os múltiplos alívios cômicos de “EncrenCão” ganham a contribuição de um grupo de esquilos, que repetem passos de coreografias clássicas de Michael Jackson e ‘N Sync, com espaço para lembrar de algumas batalhas dançantes do ato inaugural de “Amor, Sublime Amor” (1961). Tal qual as tramas que usam esta linguagem do início da era da digitalização, esses vínculos servem para trazer parte do público adulto para o filme, que tem ritmo e representações que se encaixam ao paladar bem infantil. A velha tática de reunir todos da casa em volta da televisão, sem soar forçado – ou com demonstrações e mataforizações pouco interessantes, como os grandes estúdios às vezes fazem.

Muitos se lembrarão de outro desenho antigo, “Riquinho“, que virou filme em 1994 no auge da carreira de Macaulay Culkin com um mote parecido, de perda dos vínculos afetivos imediatos quando os pais do protagonista somem. Já o detetive contratado para resgatar o cachorro é a cópia de Ace Ventura, que também virou animação depois que Jim Carrey viveu duas vezes o personagem nos filmes de 1994 e 1995.

“EncrenCão” é realizada por novos players neste mercado. Entre elas a 3QU Media e a Vanguard, em sua quarta parceria. A mais famosa delas, “Encantado” (2018), contou com Demi Lovato no elenco – mas, sem dúvidas, este lançamento é o melhor resultado até hoje das empresas. Com distribuição em partes do mundo pela Netflix, deve atrair nas próximas semanas muita atenção das crianças, figurará nos mais assistidos, mas é provável que não desperte tantos olhares por não conseguir uma “grife” por trás.

Uma pena, porque foram poucas as animações que divertiram mais do que os desencontros deste adorável cãozinho. Fugindo do aspecto realista inalcançável, optando pelo uso de cores atraentes, o filme prende nossa atenção mais pela comédia e pela fofurice. Quem acha pouco talvez conclua que assistiu a um longa-metragem esquecível – e, como dizem por aí “e tá tudo bem”.

Por mergulhar a fundo no comportamento dos cachorros, a temática da obra envolve o entendimento deles acerca da morte, a criação de novos laços com humanos e com outros representantes da espécie e o fato de boa parte deles serem extremamente enrolados. Com isso, provoca no espectador vários tipos de memórias afetivas, não apenas as já citadas referências culturais, mas a óbvia projeção que muitos farão com sua realidade ou seu passado ao lado de companheiros parecidos com Encrenca. Um ligação direta com o cotidiano que faz uma construção simplista se transformar em um jogo ganho.

Desta forma, “EncrenCão” nos leva da casa rica para as ruas, lares temporários e abrigos em um arco que permite ao protagonista viver grandes experiências (positivas e negativas). Sem sofrimento, carregado de canções originais que não o transformam em um musical, mas que auxiliam na dinâmica, dão um bom ritmo à obra, de tiro curto e muito eficiente. A dedicatória ao final, ao falecido cão de um dos produtores executivos, materializam o que já sentimos ao longo da sessão: há muito afeto envolvido nessa história. Pode não ser tão deslumbrante e inesquecível quanto às pretensões de um grande estúdio, mas torna nosso semana um pouco mais agradável – e é difícil encontrar alguém que não precise disso.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

2 Comments

  1. Jorge, é impressão minha ou o filme faz referência à Cesar Millan (o encantador de cães), no momento em que ele faz terapia com os cachorros?

    O personagem é igualzinho!

    1. Lucas, confesso que não conhecia o Cesar Millan, mas pesquisei aqui e é muito parecido com ele sim – sem dúvida foi inspirado nele, assim como fizeram o detetive igual o Ace Ventura. Então fui olhar nos créditos e é ele mesmo que dubla! O personagem está até creditado como Cesar Millan mesmo rs

      Acaba que as referências meio óbvias ajudam a gente a se divertir, ajuda os adultos a se divertirem, sem comprometer a experiência das crianças. Agradeço seu comentário!

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