Laços

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Sinopse: Veneza 2020. Em “Laços”, a invasão do apartamento de um casal desperta lembranças do turbulento casamento, marcado por um período de infidelidade e abandono. Já adultos, seus filhos vivem as consequências dessa estranha fase. Baseado no livro de Domenico Starnone.
Direção: Daniele Luchetti
Título Original: Lacci (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 40min
País: Itália | França

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Desenlaces e Descontroles

Chegando ao circuito digital brasileiro esta semana, o italiano “Laços” é a versão escrita e dirigida de Daniele Luchetti para o livro de Domenico Starnone. Exibido no Festival de Veneza de 2020, o mais recente trabalho do veterano cineasta (postulante à Palma de Ouro em Cannes em 1991 por “O Senhor Ministro” e 2010 por “Nossa Vida“) é um drama, carregado de crueza, de romance polido. Mostra os impactos causados pelos traumas de um amor frustrado – e a insistência em mantê-lo.

São duas linhas temporais, a primeira delas ocupando quase toda a projeção. No início dos anos 1980, Aldo (Luigi Lo Cascio) e Vanda (Alba Rohrwacher) estão em um casamento em crise. Pais de Sandro (Joshua Francesco Louis Cerciello e Giovannino Esposito) e Anna (Giulia De Luca e Sveva Esposito), ela se mostra irritadiça com a falta de atenção do homem. Ele, em um dos momentos de nervosismo da esposa, admite que possui um caso extraconjugal. Sendo assim, decide sair da casa da família em Nápoles e se estabelecer com a amante Lidia (Linda Caridi) em definitivo na cidade de Roma, onde trabalha de locutor na tradicional rádio Rai.

Starnone, na transposição de Luchetti, caracteriza seus personagens a partir de suas falhas. Vanda tem dificuldades em aceitar o término, acredita que a vida conjugal é o caminho mais saudável para a criação dos filhos e parece não superar o que restou de sua paixão. Enquanto que Aldo toma deçisões baseadas em uma personalidade que mistura covardia, introspecção e fuga de “problemas”, sejam eles quais são. A narrativa se perfaz em uma sequência de acontecimentos típicos de relacionamentos desta natureza. O pai vai alienando seus cuidados com os filhos, enquanto a mãe opta por uma separação em litígio como forma de alerta para aquela situação. Até que a montagem de “Laços“, realizada pelo diretor ao lado de Aël Dallier Vega (que também editou “Atlantique” em 2019) insere uma segunda história que se enlaça com a primeira.

Nela, Aldo (Silvio Orlando) e Vanda (Laura Morante) são um casal de senhores na Veneza contemporânea, que aparentam não ter superado a falta de confiança gerada por uma crise décadas atrás. Sandro (Adriano Giannini) e Anna (Giovanna Mezzogiorno) terão um papel importante, em uma conclusão surpreendente para aqueles que se acostumaram com a trajetória crua do drama familiar. Desenvolvendo bem a relação de consequências imprevisíveis para causas remotas, o filme encontra esse novo poder, ultrapassando os sempre bem-vindos questionamentos que seu gênero propõe.

A direção de Luchetti é feita quase sempre com um câmera na mão, enquadramentos fechados em closes que priorizam as expressões demarcadas de seus personagens – e um senso de urgência na imagem ligeiramente fora do padrão. Um tremido incômodo de quem testemunha cenas constrangedoras de um amor autoflagelante, que se esvaiu a despeito da insistência de seus agentes. Um estranhamento diferente de outra boa produção italiana de 2020, “Fábulas Ruins“. Aldo e Vanda parecem conscientes de que não deveriam recriar certos vínculos. Na relação entre pai e filhos, há dúvidas se esses laços foram devidamente formamos com a força necessária. Mesmo assim, a presença (ausente) ainda é capaz de tornar a figura paterna um referencial – e o ato final, que traz o Sandro adulta, dá pistas do homem que ele se tornou. Uma solução interessante para uma história que bebe da fonte de um lugar-comum apenas para provar seu ponto.

Na verdade, questões familiares, quase sempre, surgem e se desenvolvem dentro do próprio núcleo. A ideia de que certas atitudes viram vagas lembranças com o tempo acabam tornando algumas consequências avassaladoras quando se manifestam. Um lapso de Aldo ao contar uma história ou uma surpresa inesperada na volta para casa apenas escancaram a falsa normalidade com a qual os personagens do longa-metragem conviveram por décadas. Tudo porque “deixar ir” é uma expressão difícil de ser compreendida quando ela leva, também, boa parte de nossa esperança.

Porém, o retorno sem confiança, torna certos relacionamentos um simulacro, com laços muito mais frágeis. Eles se romperão a qualquer momento, de forma abrupta, carregando o peso de uma vida, que acabaremos chamando de mentira.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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