Rua do Medo: 1666 – Parte 3, encerrando a trilogia, chegou à Netflix. Leia a crítica!
Sinopse: Uma cidade colonial é assolada por uma histérica caça às bruxas que traz consequências mortais durante séculos. Em 1994, cabe a um grupo de adolescentes dar um fim na maldição.
Direção: Leigh Janiak
Título Original: Fear Street: 1666 (2021)
Gênero: Horror | Mistério
Duração: 1h 52min
País: EUA
A Maldição da Verdade
E a Netflix conseguiu. A adaptação da série de livros de terror de R.L. Stine virou uma boa trilogia nas mãos da diretora Leigh Janiak. Com “Rua do Medo: 1666 – Parte 3” as pontas se unem em um longa-metragem mais cadenciado e estiloso em seus dois primeiros atos, que envolvem a origem da lenda da bruxa Sarah Frier no cabalístico ano do século XVII.
A princípio, mesmo com as atenções divididas com o retorno de novos filmes da Marvel a partir de “Viúva Negra” – abrindo a distribuição híbrida da concorrente Disney no premier access do Disney+ – e a retomada de atividades presenciais no hemisfério norte, a plataforma de streaming mais popular do mundo conseguiu encontrar um bom produto de “verão”, que se manteve nas rodas de conversa (das bolhas das redes sociais) por mais do que a madrugada de seu sábado de estreia.
Por mais que a tentação de dissecar spoilers aconteça, basta analisar de forma panorâmica o produto pop que a empresa passa a ter nas mãos. O que podemos dizer é que a passagem da atriz Kiana Madeira como bruxa é mais curta do que a sugestão do título pode propor. O que fica como marca da produção é seu ato final, uma rinha de demônios em uma épica batalha campal em neon, no templo do consumismo que começava a se estabelecer nos anos 1990 – onde nossa história começou – e o artigo que deixamos de leitura foi escrito.
Após o ataque possessivo de “Rua do Medo: 1994 – Parte 1” e as informações obtidas no testemunho de Ziggy (Gillian Jacobs) em “Rua do Medo: 1978 – Parte 2“, o encontro da mão perdida da bruxa com seu corpo nos transporta para a origem da lenda, na ancestralidade do que viria a ser Sunnydale e Shadowside. Então, somos transportado para o território com o emblemático nome de Union, com seu próprio Salomão. A família Goode surge estabelecida como figura de autoridade para além da segunda metade do século XX, na pessoa de Solomon (Ashley Zukerman) – e Frier está prometida em casamento a ele.
Sem desenvolver tanto esse arco que usa a localidade como personagem, o texto de Janiak (ao lado de Phil Graziadei e Kate Trefry) consegue trazer as questões que, no encerramento de nossa primeira crítica, mencionamos ser um grande agente provocador. A ideia de hierarquização e de distanciamento entre povos, muitas vezes baseadas em ideais disseminadas por falsas histórias. No pensamento ocidental, a vinculação à bruxaria (e, nas últimas décadas, ao comunismo) quase sempre foram as desculpas da deslegitimação.
Nesse contexto, “Rua da Morte: 1666 – Parte 3” repetirá, em mais uma leitura referencial (agora fugindo dos slashers setentistas e noventistas, mas se reencontrando no saudosismo que vai de The Offspring a Pixies), a forma como a sociedade realizou seus apagamentos. Sarah ousou fugir do padrão heteronormativo com séculos de antecedência, replicando sua paixão por Olivia Scott Welch, desta vez no papel de Hannah Miller. Em uma trama que cria paralelismos no elenco, como o faz em criações que nos transportam no tempo, mas desta vez de forma bem menos forçada do que costumamos assistir, ela foi novamente a escolhida para ser o alvo da ira dos homens.
Em uma construção cênica mais simples do que outro longa-metragem que a Netflix lançou em 2021 com mote parecido, o espanhol “Silenciadas“, Janiak consegue aplicar bem a linguagem de um filme para adolescentes por cima de uma representação que se atualiza porque não superamos as práticas de apagamento. Rompendo com a ideia de maldade absoluta, ou se permitindo fustigar as idealizações acerca do tema, temos em Sarah uma protagonista que possui mais medo da sociedade do que do diabo. Pré-julgada, ela aceita o trágico destino de ser a bruxa que eles querem encontrar para simbolizar as crueldades que eles perpetuam – para se perpetuarem.
Não se prendendo a grandes sequências de horror, mantendo a cadência já mencionada, a cineasta faz o registro das velhas âncoras narrativas de sempre. A exploração animal e o terror extraído dos instintos desconhecidos a partir de uma leitoa que come seus filhotes, por exemplo. Ou a sempre provocante metáfora bíblica em um pastor possuído, além da árvore genealógica do Salomão daquela comunidade – o que garante argumento para que tenhamos tantas criações audiovisuais da franquia Rua do Medo quanto livros.
O espectador deverá terminar sua jornada por essa trilogia se perguntando até quando as relações de poder falsamente criadas nas construções sociais de Sunnydale sobre Shadowside se manterão quando Deena e Josh (Benjamin Flores Jr.) entram na escola para mais um dia de aula. Em uma lição direta sobre o cuidado que devemos ter com as figuras que não são assustadoras, pois são elas que se estabeleceram e ditam os rumos da sociedade, o duplo protagonismo na figura da atriz Kiana Madeira encontra uma rara coragem de expurgar o verdadeiro mal, mesmo que a ideia de crueldade acabe se reproduzindo.
“Rua do Medo: 1666 – Parte 3” consegue concluir um divertido ciclo em engrenagens que giraram de forma eficiente ao longo de três filmes – e ainda assim trazer a melhor maldição que podemos ter e que nunca deixará de existir: a da verdade, que veio antes de Sarah Frier, mas tem nela um verdadeiro símbolo.
Veja o Trailer: