Artigo | Sentimentos Híbridos

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A manhã do último sábado, fosse no velho normal, traria um dilema para boa parte da comunidade cinéfila paulistana. De um lado, o início de um feriado de quatro dias (e, para aqueles que apenas estudam, uma semana inteira pelo dia em homenagem aos professores). Do outro, um dos eventos mais aguardados do ano: a coletiva de imprensa que dá início aos trabalhos da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Um ano e sete meses após o início do isolamento social pela pandemia de covid-19, muita coisa mudou. Uma parte considerável das pessoas, mesmo com as duas doses da vacina, não se sente segura para viajar. A inflação em perigosa alta no país torna mais difícil qualquer retomada, até para aqueles que ensaiam sua volta às salas de cinema ou começa a reencontrar os amigos em encontros privados ou nas calçadas dos bares. Já a 45ª Mostra SP se tornou, em parte, do Brasil. Manteve a ala virtual do festival e se apresentou como híbrida.

Mesmo quem estava na praia pode acompanhar a entrevista. Ou melhor, a reunião entre organização em patrocinadores em chamada de vídeo transmitida no YouTube, lugar que parece que não conseguimos mais sair. No pico de acessos, mais de quatrocentas pessoas estavam presentes. Mas, sabendo da volatilidade desse tipo de transmissão, podemos dizer que eram algumas centenas mais. Algo impossível de se imaginar presencial – e para além dos protocolos de segurança. Por algo em torno de noventa minutos dividimos a expectativa de ouvir algumas novidades da Mostra, que teve ali sua pedra inaugural e seguiu com a exibição para a imprensa de “Má Sorte no Amor ou Pornô Acidental“, vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim.

E com isso começou a cobertura da Apostila de Cinema, até o final dessa semana dividindo as atenções com o 10º Olhar de Cinema e na segunda quinzena com a 3ª Mostra Cinemas do Brasil. Depois, 100% na Mostra SP> Todos os dias, novas críticas entrarão no ar, com as cabines virtuais promovidas pela incansável e paciente equipe do festival. Nas falas dos presentes na coletiva, fica a impressão de que o hibridismo dificilmente será abandonado. Afinal, se todos os eventos voltassem a ser presencial, onde estaríamos? Em Curitiba, em São Paulo ou no Recôncavo Baiano? Talvez em nenhum dos três, seguiríamos lamentando nos nossos sofás cariocas o conteúdo genérico que prioriza os streamings, torcendo para a crise nos permitisse o deslocamento em outra oportunidade.

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Híbrido também parece ser o sentimento de Renata de Almeida, diretora da 45ª Mostra SP. A atual conjuntura de ataque à cultura e desmonte de qualquer ferramenta que dê perspectiva ao setor parece cansar até as mais bravas e bravos. Ao mesmo tempo, a repercussão e a expectativa criada em torno do evento renova as esperanças. Ela abre a coletiva apresentando a vinheta oficial, que dá vida aos traços de Ziraldo, presente no festival com dois filmes sobre sua vida e carreira. Renata diz que o artista foi unanimidade entre aqueles com poder de decisão sobre a identidade visual do evento, em um cartaz que ataca direto o terraplanismo negacionista e nos permite sonhar com as estrelas.

O ano de 2021 foi difícil para todos e não seria diferente para a Mostra. Na indecisão sobre o melhor formato e com receio das exclusividades de sessões presenciais, Almeida se surpreendeu com a receptividade e até com a preferência de alguns realizadores, produtores e distribuidores pelo virtual. No dia seguinte ela falaria de forma exclusiva com a Apostila de Cinema (em entrevista que você assiste ao final deste artigo ou clicando aqui) e revelou que, em 2020, essa questão foi bem mais problemática. Talvez seja resultado da segurança da plataforma Mostra Play, que usa a segurança do mesmo sistema de exibição de outros grandes festivais do mundo.

Renata entende que o público-alvo não voltou às salas por não se sentir seguro. Talvez as primeiras movimentações presenciais sejam a causa da preocupação de uma produção que precisou se dividir em duas, com equipes e gastos tanto de um festival espalhado pela cidade quanto virtual. Dali em diante ela passou a palavra para os patrocinadores do evento.

Assista à vinheta oficial da 45ª Mostra SP:


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A necessidade de se manter protegido e seguro, em defesa da vacinação e dos protocolos foi a tônica das falas. Claudia Pedrozo, da Secretaria Executiva da Cultura e Economia Criativa, lembrou da importância do audiovisual para a saúde mental no período pandêmico. Em nome do Estado, registrou que o programa Cultura em Casa gerou 400 mil horas de produção, consumidas em sete milhões de acessos de mais de 150 países, sendo 2,5 milhões de usuários únicos. Para alguns, a democratização é “desculpa” para se economizar verba, mas a adesão de pessoas e o fluxo de informações sobre os eventos online são latentes.

Luiz Toledo, Diretor de Investimento e Parcerias da SPCine, trouxe aquele que deve ser o grande momento presencial da 45ª Mostra SP: a sessão de “Summer of Soul” no Vale do Anhangabaú. Faz um registro importante sobre o parque exibidor nichado da cidade. Desde 2016 com um circuito de vinte salas, as dez primeiras sob administração da SPCine possui taxa de ocupação maior do que as 10 primeiras do circuito comercial. Até o momento 1,7 milhão de ingressos foram vendidos.

Mario Mazzili do Instituto CPFL lembrou da iniciativa do Café Filosófico, que migrou para o streaming desde o fechamento das salas em março de 2020. Com o Brazucah eles pretendem levar o cinema ao ar livre a cidades sem aparelhos culturais, algo que também ficou paralisado pelo contexto. Por fim, anuncia outra mostra online, de curtas, que será lançada esse mês em dois recortes: animação e panorama brasileiro e será hospedada no Itaú Cultural.

Era a deixa para a fala de Claudinei Ferreira, Gerente do Núcleo Audiovisual e de Literatura do Itaú Cultural. Para ele, realizar a 45ª Mostra SP é, por força das circunstâncias, um ato político. A patrocinador também promoverá “Da Palavra a Imagem”, um pitching audiovisual, além do tradicional fórum. A plataforma Itaú Cultural Play repete as exibições gratuitas de algumas obras – com limite de visualizações. E vale repetir seu registro: para os admiradores de Ziraldo, as duas versões cinematográficos de “Menino Maluquinho” também estão por lá.

Todavia, Claudinei levantou uma questão importante e que trouxemos de volta na entrevista com Renata: a falta de renovação de patrocinadores na área da cultura. Com um governo federal que deseja zerar qualquer apoio, se colocando como inimigo dessa indústria, nomes como Petrobrás, Correios e Caixa Econômica foram sumindo dos letreiros, sem que substitutos da iniciativa privada aparecessem. Sinal de que estamos longe de chegar no limite dessa crise. Como bem lembrou a diretora da Mostra, o festival é de um período anterior às leis de incentivo, mas hoje o público é muito mais exigente do que as aventuras do final dos anos 1970 e do entendimento de que era possível fazer muito pouco em períodos como a Era Collor.

Danilo Santos de Miranda, Diretor Regional do Sesc-SP, seria o último a falar, em vídeo gravado. Sua frase final foi uma das mais marcantes do encontro: “não somos competidores, somos parceiros“. O Brasil permanece com uma indústria audiovisual forte enquanto lutarem por eventos como a Mostra SP e da plataforma Sesc em Casa também receberá filmes da Mostra a serem assistidos gratuitamente.


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Visivelmente emocionada com os registros de ataques à cultura, ciência, imprensa e – sobretudo – a verdade, Renata de Almeida encerrou lembrando que as dificuldades se acentuam desde 2018. Até por isso, o júri será composto, mais uma vez, por três brasileiros: Beatriz Seigner, Carla Caffé e Joel Zito Araújo. Menciona outra parceria forte que não pode estar presente, o Projeto Paradiso; a mostra retrospectiva em homenagem póstuma ao cineasta português Paulo Rocha e o prêmio Leon Cakoff para Helena Ignez, que dispensa apresentações.

Cita o filme do Wes Anderson em homenagem à imprensa, “Crônica Francesa“, como um dos que merece ser visto à luz da nossa realidade. Lembra que o Nobel da Paz foi concedido em memória ao jornalismo (inclusive um dos filmes do É Tudo Verdade desse ano, “Mil Cortes“, teve como protagonista uma das ganhadoras. Citou outros destaques da lista completa, que já surgia em nossas caixas de e-mail no mesmo instante (e você acompanha em nossa apostila especial clicando aqui).

Lembrou que a 45ª Mostra SP, com todos os benefícios do virtual, tem um compromisso com a cidade de São Paulo. Há que se retomar a ocupação dos espaços públicos em algum momento. Afinal juntos somos mais fortes. Um festival de cinema não é apenas um compilado de filmes. São encontros, afetos, aquele ingresso que esgotou e você terminou a noite conhecendo um restaurante novo ou aquela amizade de fila que se tornou parceria pelo resto da vida.

Sem Apostila de Cinema presencialmente esse ano, mas já sonhado – junto com os traços de Ziraldo – com o dia em que estaremos juntos novamente.

Assista à nossa entrevista com Renata de Almeida, diretora da 45ª Mostra SP:

Clique aqui e acesse a página oficial da 45ª Mostra SP.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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