Lua Vermelha

Lua Vermelha Lois Patinõ Mostra SP Filme Crítica Poster

Logo Mostra SP 2020Sinopse: O tempo parece ter parado em uma vila na costa da Galícia, na Espanha. Os habitantes  aparentam uma espécie de paralisia, mas ainda conseguimos ouvir suas vozes: eles falam sobre fantasmas, sobre monstros, sobre a lua vermelha. Três mulheres descem das montanhas e chegam ao povoado em busca de Rubio, um marinheiro que desapareceu no mar. A história desse possível resgate se mistura a figuras fantásticas.
Direção: Lois Patiño
Título Original: Lúa Vermella | Red Moon Tide (2020)
Gênero: Drama Fantástico
Duração: 1h 24min
País: Espanha

Lua Vermelha Lois Patinõ Mostra SP Filme Crítica Imagem

Ressuscita!

Usando a Galícia como cenário de suas produções, o diretor Lois Patiño participa da Competição Novos Diretores da 44ª Mostra SP com sua primeira ficção em longa-metragem, “Lua Vermelha” – após passar pelo Festival de Berlim e pelo IndieLisboa. Uma obra que se propõe a tratar de desumanização e do nosso desgarramento com os elementos da natureza, tão necessários para a nossa sobrevivência.

A história gira em torno do sumiço em uma naufrágio do marinheiro Rubio. Três bruxas, moradoras das montanhas, descem ao vilarejo para ajudar na busca ao homem. Calcado na metaforização, o texto de Patiño cria suas convenções sobre a monstruosidade. Uma pedra em formato de espectro é vista pela população como uma guardiã fantasmagórica das águas, por exemplo.

O que desperta interesse de imediato em “Lua Vermelha” é o nosso dilema justamente sobre este elemento mais vital. Rios e mares, sempre vistos como entidades – com seu ecossistema e, principalmente, mitologia própria – tornam-se cada vez mais assustadores. Há um momento do filme em que o cineasta coloca um dos personagens analisando alguns desenhos, que remetem a um traçado clássico de ilustrações dos séculos XVI e XVII. Uma época em que o conhecimento humano ainda não possibilitava um controle necessário sobre atividades como a navegação. Época em que a literatura recepcionava essa imprevisibilidade com o medo, criando as sempre presentes narrativas fantásticas em um subgênero onde a força das águas ou os monstros marinhos eram antagonistas.

O cinema sempre gostou de se valer das possibilidades narrativas e visuais desse território, adaptando alguns clássicos e criando outros com atualização da premissa. Não à toa o maior sucesso de público – aliado aos prêmios da indústria – foi a história de um naufrágio. Todavia, com os desdobramentos das diversas crises em curso, sobretudo a climática, essa ideia do medo pelos elementos da natureza foi reconfigurada. “Lua Vermelha“, então, se utiliza desse interesse do fantástico pelo desconhecido ou imprevisível. O grande dilema é que nós, com nossos ações, transformamos a natureza em um novo monstro descontrolado, que a ciência entende, mas não domina.

Talvez por isso Patiño aposte na desumanização dos personagens. Faz uma composição cênica e a escolha pela linguagem que comunga com esse entendimento. Usa por diversas vezes os planos abertos, com quase tudo o que está dentro da imagem estático. Faz deslocamentos laterais vagarosos, mecânicos – quase como se criasse pinturas modernas com efeitos panorâmicos. Até os agentes humanos da imagem não se valem de movimentos. Quando faz os planos mais fechados, sua atitude como narrador visual já não é tão engessada, mas os personagens seguem agindo mecanicamente.

Um filme brasileiro que trouxemos à Apostila essa semana, “Pajeú“, também usa elementos fantásticos para tratar da água – suja – como antagonista. Aqui, porém, além de uma estética diferente – mais experimental – estamos diante de uma narrativa de espera. Aquela comunidade lê a relação entre a lua e o movimento dos mares, sabe que a chamada lua de sangue se aproxima e faz uma construção social que atesta que aquele contato é o agente desumanizador. O corpo fica e a alma vai, para sermos providencialmente reducionistas. A humanidade está chegando ao limite da existência porque não consegue entender que nunca vai dominar algo no qual ela é dependente – e não o contrário.

Nessa tentativa de purificação através da água, “Lua Vermelha” mostra que – ao final – estamos sem saída. Interrompe a narrativa de espera, a inquietação provocada pelo insolucionável que se regurgita em novas imagens e propõe um terço final, aí sim, ficcional para além da linguagem. O cineasta aplica um filtro vermelho e troca a chave. Nos convoca a assistir a uma narrativa da sobrevivência – daquele que foi e voltou para resolver os nossos problemas. Faz isso com uma uma longa sequência, de uma pós-produção vistosa. Entende que a humanidade passa por um momento de morte em vida, mas que essa desumanidade estancará com alguma purificação que ultrapassa qualquer filtro automaticamente aplicado. Resta apenas descobrir como atingir essa ressureição.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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