Sinopse: O documentário “Prazer em Conhecer” lança um olhar para a sexualidade LGBT contemporânea. Através de registros íntimos e observacionais, o filme se despe de qualquer julgamento moral para mergulhar no cotidiano dos usuários de novos medicamentos “PrEP / PEP” que são utilizados como forma de prevenção ao vírus do HIV no Brasil, trazendo à tona reflexões sobre desejo, sexo, cuidado e liberdade.
Direção: Susanna Lira
Título Original: Prazer em Conhecer (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 12min
País: Brasil
A Lira dos Novos Tempos
“Prazer em Conhecer“, (um dos) mais novo trabalho da diretora Susanna Lira, chega na Mostra Especial do 15º Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro ao final de uma dura semana para aqueles que militam ou defendem as pautas antes generalizadas como de direitos humanos – com especial observação em relação às identidades de gênero. Mais do que isso, foi um golpe contra a saúde pública a notícia de que o atraso de licitações fez com que a realização de testes de HIV e hepatite C fossem suspensos no país (saiba mais nesta notícia).
Porém, qual semana não é de dificuldades e sofrimentos no Brasil entregue a uma política de ódio e morte? Talvez por isso, realizadores consagrados e experientes como Lira se permitam avançar mais em questões mais contemporâneas. O olhar assertivo com a qual a cineasta sempre debruçou a análise de importantes figuras históricas e de forte apelo cultural já fazia com que a relação do seu cinema já fomentasse importantes debates da sociedade contemporânea. Todavia, Susanna (que também lançou a série “Por um Respiro” na plataforma Globoplay – que acompanha a atuação de equipes médicas durante a pandemia do novo coronavírus) leu que estamos diante de um tempo em que não podemos perder tempo.
Com isso, a frontalidade na abordagem de “Prazer em Conhecer” é tão dura, densa, que encontramos um leque de vivências e de desdobramentos das histórias contadas em um corte final de pouco mais de uma hora de duração. Sempre foi difícil para as pessoas LGBTQIA+ serem respeitadas – ou, até mesmo, ouvidas. Por mais que avanços nos tratamentos de portadores do vírus HIV tenham tornado a doença menos letal a curto e médio prazo, o ranço de preconceito jamais foi superado. A doação de sangue proibida, mesmo para aqueles que tenham um só parceiro, é um dos exemplos. A heteronormatividade, mesmo em bolhas desconstruídas, nunca se interessou muito em romper com essa lógica discriminatória.
Há um diálogo entre o documentário com outro, lançado em 2019, chamado “Cartas para Além dos Muros“. Nele, o diretor André Canto traça uma linha baseada na historiografia da Aids no país. As entrevistas com pacientes, ativistas e médicos naquela obra já antecipavam que a visão sobre os portadores, a despeito de todas as análises estatísticas falarem o contrário, se mantiveram em um cordão pensado como se houvesse, de fato, um “grupo de risco”. O resultado dessa política higienista traduzida de opinião gerou uma resistência que o documentário de Susanna Lira, agora, nos mostra as consequências.
Isso acontece em duas frentes. A primeira é ver que os entrevistados, como parte da comunidade LGBTQIA+, usaram a informação como arma para a prevenção. Enquanto isso, relacionamentos heterossexuais, até mesmo marcados pela casualidade, tratam o HIV como algo distante. Tanto é verdade, que mesmo para esse crítico inserido na lógica heteronormativa, “Prazer em Conhecer” tem um profundo caráter informativo – e não deveria o ser, já que a pauta identitária sempre perpassa nossas análises por aqui.
A outra frente traz os momentos mais tocantes do filme. Ela faz parte do autoquestionamento dos entrevistados que, em determinado estágio das entrevistas, começam a se perguntar até quando essa busca por “aprovação” da sociedade (ou até mesmo de parentes e, supostos, amigos) deve ser algo a ser perseguido. Isso se dá porque, por maiores que sejam os avanços tecnológicos e médicos, homens gays seguem sendo lidos como “núcleos” da doença – enquanto isso a AIDS segue sendo mais letal entre heterossexuais.
“Prazer em Conhecer” acaba sendo uma obra de muito valiosa lição: a de que a organização de uma comunidade deve ser um processo rumo à sua autodeterminação. É isso que tanto incomoda quem está no Poder: a informação que dá autonomia e que liberta. Por mais que haja, sim, um recorte de classe social bem claro na narrativa, cabe ao público, agora um pouco dono do filme de Susanna Lira, fazer ele chegar. A todos, inclusive aos que querem nos matar sob a desculpa burocrática de uma licitação, provavelmente, fraudulenta.
Veja o Trailer:
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