Sinopse: Martha é uma jovem estudante universitária que mora no Porto do Capim, comunidade situada no Varadouro, ao pé do Rio Sanhauá, no centro de João Pessoa – onde a cidade nasceu. Cuida da casa e da associação das mulheres. Casada com Tiago, ex-pescador e, agora, trabalhador da construção civil no bairro do Altiplano e que sonha em ter uma vida melhor. Pais da pequena Ester, a vida do casal toma novos rumos diante do impasse entre os moradores do Porto do Capim e a prefeitura da cidade, que busca retirar a comunidade daquele local. Guardando um segredo que o corrói e os angustiam, o casal vai aos poucos se afastando, embora exista amor e afeto entre os dois.
Direção: Kalyne Almeida
Título Original: Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 11min
País: Brasil
Seguir Remando (e Cantando)
“Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida“, apresentado na mostra competitiva de longas-metragens Sob o Céu Nordestino do 15º Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, é uma obra que contrasta desejo e luta – uma questão importante para compreender não apenas o comportamento, mas também as escolhas de parte da nossa sociedade.
O filme de Kalyne Almeida tem um bonito prólogo vinculado à religiosidade, dando início a uma compilação de linhas canções, daquelas que grudam em nossos ouvidos. Elas serão usadas outas vezes como ferramenta narrativa eficiente, tornando ainda mais agradável e impactante os outros expedientes dos quais a cineasta se vale. A comunidade de Porto do Capim, na Paraíba é apresentada por essa conexão. Em pouco tempo, seremos levado a outra questão, envolvendo a ameaça da remoção das famílias, quando adentramos um ponto de cultura comunitário onde alguns debates ocorrem.
O que chama mais a atenção no filme é como sua abordagem e suas representações não se valem tanto da verbalização como ferramenta. Uma forma de narrativa que ganha cada vez mais força, que parte da permanência da imagem para nos permitir aprofundar a relação com a obra a partir do próprio olhar. “Aponta para Fé” é daqueles filmes que têm uma situação posta e a esmiúça com poucas sequências, transitando pouco – porém, com contundência. A perspectiva feminina do olhar, a maneira como Tiago é transitório e Martha é absoluta na narrativa, é fundamental para que dar o peso certo da interação daquelas pessoas com seu território. Isso escancara como é fácil lidar com crises sendo homem, com a sociedade defendendo seu direito de ter o mundo nas mãos. Se nem sempre Tiago surge como antagonista, Martha é, de fato, uma heroína do silêncio.
Em poucas palavras ficamos sabendo que a avó da família está doente e encontra dificuldades em obter tratamento. Sabemos que os representantes de Porto do Capim tentam unir forças para trocar a “remoção” pela “requalificação”. São expressões e dizeres que ocorrem de forma privada, na íntima relação familiar ou como tentativa de mudança. Kalyne une sua formação na área de comunicação com sua experiência na fotografia. Sabe aplicar as ideias de meio e mensagem partindo da construção imagética. Com isso, os segredos trabalhados pela protagonista do filme acabam tornando o espectador cúmplice pelo silêncio. O próprio silêncio como mote, por sinal, ganha diversas formas de leitura.
Essa maneira do longa-metragem ser trabalhado vai de encontro a um fato inquestionável da sociedade brasileira: o processo (nem tão lento) de destruição de conquistas obtidas pela classe trabalhadora e em relação ao respeito aos direitos fundamentais. Quando parecia que a materialização de preceitos constitucionais e as políticas públicas encontrariam a população, que cada vez mais teria resguardado acesso à moradia, saúde e educação, a casta opressora que esmigalha os sonhos da nação retomou as rédeas. Aquela que Lula reduziu ao termo “as elites” e que comeu muito brioche no Palácio do Planalto mesmo quando ele estava no poder.
Não que houvesse outra forma de chegar onde um governo minimamente progressista chegou a não ser negociando – e cedendo. Ainda é emocionante ver o ex-Presidente discursar, mas o arrependimento que ele gosta de propagar de que deveria ter feito mais pelo povo e não ser tão republicano e moderado é besteira. Além dele saber que isso não deixaria um partido popular por treze anos no poder, essa permanência foi o que permitiu alguns avanços.
Então, fica dito o que o filme mostra. Porque, depois de jornadas de 2013, golpe antidemocrático, flexibilização das leis trabalhistas, teto de gastos e escalada de mitos, o que há para ser dito? Aos poucos some fé idealizada no prólogo deste longa-metragem, que consegue ser tão assertivo sem que a palavra seja protagonista. O grande tiro de misericórdia, entretanto, está na outra ponta da produção: o epílogo. É quando imagens reais sobre o processo de remoção das famílias de Porto do Capim mostram que esse esmagamento não começou de agora: ele tem mais de duas décadas, inclusive todo o período de governo progressista.
“Aponta Para Fé” chega em um momento da ampliação da lógica opressora, de novos silenciamentos. Um povo que tem a luta de colocar comida na mesa lhe sufocando e que não merece ter a fama de passivo. O povo brasileiro é forte, é sábio – mas precisa alimentar sonhos de pessoas que lhe conduzirão ao paraíso. Por vezes algum Messias, outras vezes apenas um Silva. E com isso, as escolhas do povo parecem não fazer sentido, quando na verdade são o puro reflexo da luta entre amargura e conformismo daqueles que nunca se sentiram representados.
Veja o Trailer:
Clique aqui e acesse a página oficial do FestAruanda.
Clique aqui e acesse todas as críticas de filmes do FestAruanda.