Programa Cinemas do Interior

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Programa Cinemas do Interior

Mostra Cinemas do Brasil 2020

O Antigo Moderno

A Grande Sala (Cine Rolândia) Carol Gorla Curta Imagem
A Grande Sala (Cine Rolândia) (Carol Gorla, 2014)

Cinco produções e quatro das cinco regiões do Brasil contempladas. Assim o Programa Cinemas do Interior se apresenta, com um conjunto de documentários que entregam a forte relação entre o ideal de modernidade daquele que, nas décadas de 1940 e 1950 se autoproclamava o “país do futuro”. Se há dificuldades de desenvolver uma ideia sobre o peso do fim das salas de cinemas de rua, filmes como esses conseguem capturar a relevância quando de sua chegada e popularização.

O início de “A Grande Sala (Cine Rolândia)” já se contrapõe a boa parte das escolhas de montagem de outras obras assistidas na Mostra Cinemas do Brasil. Carol Gorla nos traz o interior do Paraná a partir de um infojornal antigo, em que o conceito de Sul Maravilha está bem latente. O contraponto dessa modernidade que se avizinhava em uma Era de Ouro perdida é o fato de que Rolândia, desde 1985 (lá se vão três décadas e meia), não possui uma sala de cinema de rua.

É curioso como os entrevistados fazem a relação direta entre um período de prosperidade e o hábito de assistir a um filme desta forma. Dentre os cinco curtas-metragens, talvez seja aquele que encontre um recorte mais sucinto e foca nas possibilidades de interações sociais que um espaço com mais de mil e quinhentos lugares permitia. Nos faz pensar o quanto esse polarização entre produtos de nicho e arrasa-quarteirões não nos tornou, de certa forma, pouco interessados em trocas e mais vinculados a discursos.

Do Gramofone à Grande Tela Carlos César - Cesinha Curta Programa Cinemas do Interior
Do Gramofone à Grande Tela (Carlos César – Cesinha, 2018)

Em “Do Gramofone à Grande Tela“, o diretor Carlos César retoma a ideia de vincular as salas de cinema de rua da primeira metade do século XX com o ideal de modernidade. Tratando da rede exibidora de Anápolis, no Estado de Goiás, temos uma obra de cunho documental bem forte, feito em parceria com grandes agentes de defesa do patrimônio histórico e cultural, como a Secretaria de Cultura do Estado e a rede Sesc.

Se valendo de fotografias de arquivo, percebe-se que os entrevistados acabam misturando suas referências. O saudosismo dos cinemas de rua não estão atrelados somente aos filmes assistidos, às amizades e amores que se desenvolveram daquela interação social. Assim como tratamos na crítica sobre o longa-metragem “O Cinema de Seu Duca“, há um componente mercadológico que fazia do espaço um ponto focal. O outro grande pilar dessa modernização das cidades é apresentado logo nos primeiros minutos do curta-metragem, na ferrovia histórica de Anápolis.

Ali a população se reunia quando uma locomotiva chegava, com a possibilidade da entrega de encomendas. Ali também o transporte dos rolos de filmes (ou episódios de seriados de aventura) chegavam. Era uma modernidade que ainda frustrava quando a mecânica os deixava na mão, como acontecia quando aquele capítulo do personagem favorito não chegava a tempo por algum enguiço no caminho.

Dois elementos para o desenvolvimento das cidades são identificados aqui. Um é o estabelecimento de um curso de inglês, o primeiro da localidade – mudando a forma de colonialismo cultural brasileiro, que teve com pedra fundamental o consumo do cinema estadunidense. O outro é a ideia do compartilhamento de tecnologia – o que em uma sala de cinema é algo inerente à experiência, mas que alguns lembram que ocorria nas residências que tinham rádio (e, futuramente, nas casas mais abastadas, que colocavam seus aparelhos televisores nas janelas para a comunidade assistir).

O Majestoso Cine Palace Cibele Soares e Victor Sobral Programa Cinemas do Interior
O Majestoso Cine Palace (Cibele Soares e Victor Sobral, 2017)

Essa ideia de compartilhamento nos traz o terceiro curta-metragem do Programa Cinemas do Interior, “O Majestoso Cine Palace“. Isso porque ele se inicia com uma reflexão sobre um passado onde o cinema, como arte e como atividade cultural, não existia. Em tempos cada vez mais individualistas e que o conceito de compartilhamento se limita ao virtual, não é impossível imaginar que a ausência de público nas salas não encontre origem apenas em recortes de classe social.

Iza Chain é a educadora que faz esse exercício de pensamento no filme dirigido por Cibele Soares e Victor Sobral. Talvez ela não perceba a chance do futuro repetir o passado. Localizado em Juiz de Fora, o Cine Palace também é personagem de um dos episódios da websérie sobre os cinemas de rua da cidade dirigida por Valéria Fabri (clicando aqui você lê o texto sobre essa produção, escrito por Roberta Mathias).

Aqui, entretanto, estamos diante de um clássico exemplo de final feliz, em que a reinvenção do espaço segue uma curiosa fórmula. Espaço antes populares se contrapõem às salas de shopping indo pelo caminho contrário de produções que lá aportam. Se tornando redes alternativas, atraem um público que deseja sair da zona de conforto não apenas no cinema como experiência, mas também como obra a ser consumida. E encontra guarida justamente em uma plateia muito jovem, universitários em processo inicial do desenvolvimento de uma cinefilia.

Tempo de Cinema Rafhael Barbosa Programa Cinemas do Interior
Tempo de Cinema (Rafhael Barbosa, 2014)

Antes de dominar o circuito de festivais em 2020 com o espetacular longa-metragem “Cavalo“, o cineasta Rafhael Barbosa fez, em 2014, um interessante curta-metragem sobre Penedo, no Estado de Alagoas. “Tempo de Cinema” traz as memórias do Cine São Francisco, do Cine Penedo e – principalmente – do Festival de Cinema de Penedo, que levou grandes nomes do audiovisual para aquele espaço por algumas décadas.

Aqui Barbosa é mais assertivo no que diz respeito ao sentimento. Traz depoimentos de pessoas que se conheceram e se apaixonaram nas salas e a visão do cinéfilo com suas referências enciclopédicas. Mais do que isso, levanta uma importante questão, que se opõe à ideia de que seriam as manifestações religiosas enquanto substitutas da experiência de ir ao cinema. Pelo contrário, há espaço para uma troca que demonstra que tais atividades eram complementares, dois grandes espaços de reuniões sociais.

Dentro das possibilidades de ser democrática, a sala de cinema em Penedo ganha força ao desenvolver a produção audiovisual local. Exibindo filmes em Super 8 e fomentando um festival que premiava realizadores da região, foi dali que Celso Brandão se tornaria um cineasta que faria importante registro de zonas populares e periféricas de Maceió nas décadas seguintes.

Manifestações que apenas um festival presencial permite. Chega a ser irônico que Rafhael tenha alcançado tantas pessoas ao redor do Brasil com “Cavalo”, exibido de maneira não-virtual apenas na Mostra de Tiradentes de 2020. Ele encerra “Tempo de Cinema” com imagens desoladoras de uma sala vazia, abandonada, já sem as cadeiras. Naquela época, a esperança era pela recuperação. Mês passado, boas novas chegaram: O Cine São Francisco foi reinaugurado no dia 23 de novembro – e nessa reportagem é possível observar que ele segue lindo e imponente.

Com o Passar do Tempo Curta Fabio Alba Crítica
Com o Passar do Tempo (Fabio Alba, 2020)

Encerrando o Programa Cinemas do Interior, “Com o Passar do Tempo” nos leva a São José dos Campos, em São Paulo. Dividido em três atos, usa a estrutura clássica para falar do auge, decadência e renascimento do Cine Santana. Possui um prólogo semi-ficcional em que discussões sobre a primeira experiência em uma sala de cinema e a visão tacanha de que uma obra do “circuito de arte” é chata e incapaz de entreter – seria o mesmo dizer que uma produção comercial não tivesse ao poder de fazer refletir.

É curiosa a abordagem porque já imputa ali um choque geracional dentro de uma própria geração (por mais estranha que pareça essa afirmação). O final da década de 1980 e os anos 1990 foi uma fase de transição, em que alguns adquiriram o hábito – já em grande declínio – de frequentar aqueles espaços. Para outros, isso sempre foi História. O que não se discute é que a experiência de ver um filme em comunidade, em uma tela gigante, nunca deverá ser menosprezada e deixa marcas a todos que a testemunham.

Retomando o que o curta-metragem anterior, “Tempo de Cinema”, tratava – havia no auge uma divisão de atenção com as manifestações religiosas, sobretudo a Católica. Inclusive, o Padre (que décadas atrás exercia grande poder de influência, ainda mais em pequenas e médias cidades) também avançava naquele território quando não concordava com algumas das obras ali exibidas. A participação na vida social parecia ter um viés menos anulatório do que boa parte das religiões dominantes dos dias de hoje.

É uma das produções mais duras no trato com a decadência do espaço. Aborda diretamente a degradação das áreas centrais da cidade, que tinham nas salas de cinema uma espécie de farol socioeconômico, que sofreu com o aumentos dos índices de violência e o desenvolvimento tecnológico que nos permite usar menos o território. Todavia, encerra o programa com uma ideia positiva. Para aqueles que enxergam o renascimento do cinema de rua como um final feliz, o Cine Santana é mais um que nos enche de esperança.


Ficha Técnica do Programa Cinemas do Interior

A Grande Sala (Cine Rolândia) (Carol Gorla, 14′ – Brasil, 2014)
Sinopse: Rolândia, cidade próxima a Londrina, no interior do Paraná, não tem nenhuma sala de cinema desde 1985, ano do fechamento do enorme Cine Rolândia. Moradora da cidade, a documentarista Carol Gorla foi atrás de histórias do lugar que marcou uma geração e até hoje deixa saudades nos antigos espectadores.
Do Gramofone à Grande Tela (Carlos César – Cesinha, 24′ – Brasil, 2018)
Sinopse: Do Gramofone à Grande Tela narra de forma breve sobre os funcionamentos das salas de exibição de cinema na cidade de Anápolis-GO, narra também as transformações sofridas entre a década de 1920 a 1980 bem como os seus aspectos históricos e sociais.
O Majestoso Cine Palace (Cibele Soares e Victor Sobral, 14′ – Brasil, 2017)
Sinopse: Entre histórias e lembranças o CineArte Palace é relembrado por pessoas comuns que através de relatos, contam as experiências vividas no local. O curta documental, criado como trabalho acadêmico, busca despertar no espectador suas melhores lembranças do último cinema de rua de Juiz de Fora.
Tempo de Cinema (Rafhael Barbosa, 30′ – Brasil, 2014)
Sinopse: Quatro pontos de vista para uma mesma história. O olhar nostálgico de um visitante. As memórias afetivas de um cinéfilo. O passado de glória de um cineasta veterano. A bilheteira diante dos escombros de uma época. Tempo de Cinema.
Com o Passar do Tempo (Fabio Alba, 32′ – Brasil, 2020)
Sinopse: A memória do Cine Santana, o único cinema de rua em atividade em São José dos Campos, e um dos únicos do tipo que ainda resistem no país, é resgatada a partir de depoimentos de pessoas que tiveram suas histórias marcadas pelo lugar, cujo auge ocorreu em meados do século 20. Moradores comuns, agentes culturais e nomes do cinema são protagonistas de uma narrativa que busca resgatar o espírito de uma época, apontar as mudanças ao longo do tempo e despertar a memória afetiva de quem se experimentou, viveu e se emocionou com espaço.​

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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