Pelé

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Sinopse: Documentário que retrata a vida de Pelé, da busca pela perfeição à condição de mito. Abrangendo um extraordinário período de 12 anos, a produção mostra como o único jogador a vencer três Copas do Mundo passou de astro do futebol em 1958 a herói nacional em 1970, uma época radical e turbulenta no Brasil.
Direção: Ben Nicholas e David Tryhorn
Título Original: Pelé (2021)
Gênero: Documentário | Esporte
Duração: 1h 48min
País: Reino Unido

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Pelé” deverá surpreender alguns amantes do futebol que não sabiam que a Netflix tinha planejado lançar um documentário, bastante atual, em sua plataforma. Ele, que em outubro de 2020 completou 80 anos, costuma ter controle sobre sua imagem desde que se tornou o Rei do Futebol com o precoce título mundial de 1958, aos 17. Você provavelmente conhece a história do maior atleta brasileiro de todos os tempos – e não terá nenhuma informação adicional ao término da sessão desse novo longa-metragem.

Há apenas uma nova configuração possível. Uma não, duas. A primeira é que a realização no contexto da pandemia exigiu que os cineastas britânicos Ben Nicholas e David Tryhorn usassem a cansada fórmula das entrevistas estanques dos depoentes – com a adição de imagens de arquivos que muitos conhecem há décadas. Uma configuração imposta, mas não necessariamente nova. Entretanto, as captações das falas parecem querer demarcar esse momento em que vivemos e os impactos na obra. Pelé, por exemplo, está em uma sala enorme e totalmente vazia. Zagallo em uma mesa de plástico. Todos filmados à distância, abrindo mão do zoom – quase uma analogia a um amadorismo.

A outra configuração é o que, de fato, chama a atenção no documentário: a chegada do biografado, em seu andador – e o reencontro com o time do Santos na cadeira de rodas. Sempre muito vaidoso, Pelé optou pela reclusão nos últimos anos, evitando expor sua fragilidade. Contudo, é aquele homem frágil – e mesmo assim muito lúcido – que prova mais uma vez seu magnetismo – e magnitude. Ele chora mais do que a média (sempre foi muito emocionado), parece sentir o peso da idade nas releituras de sua vida. Uma forma de expressão que nem mesmo as negociações quanto à forma de apresentação do filme com o próprio seria capaz de esconder.

Usando as Copas do Mundo como fio condutor da narrativa, “Pelé” se pretende ser um registro da carreira do jogador. Para o público brasileiro, é nítida a zona de conforto, tanto do protagonista quanto nossa. Além de sua irmã (e de algumas fotografias de família, talvez os únicos arquivos pouco conhecidos por nós), o longa-metragem reúne atletas e os jornalistas Juca Kfouri e José Trajano, que sempre equilibraram o olhar crítico sobre o homem e a reverência merecida ao personagem. Tenta-se traçar um paralelo com a história do Brasil, mas o filme se revela pouco para as pretensões do público do país. É para inglês ver, mas não no sentido de nos enganar. Apenas tem pouca profundidade para aqueles que nadam por essas águas.

Sua vida pessoal se limita à infância difícil e o trabalho com engraxate até fazer testes no Santos em 1956. Pelé é um fenômeno porque sua trajetória surge como uma bomba, sem que previamente almejasse o sucesso como jogador de futebol – um expediente comum no Brasil, que investe em meninos desde a primeira infância em escolinhas. Eram outros tempos, mas a forma moderna como o ídolo se apresentou, sua força atlética e sua técnica, fez com que o futebol evoluísse para poder alcançá-lo. O documentário é conceitual, didático, nos leva dos Anos Dourados à crise provocada que levou à Ditadura Militar. Quando o sucesso vem, os assuntos extracampo se limitam ao primeiro casamento frustrado.

Assista à final da Copa do Mundo de 1970:

Como já dito, as vozes dissonantes são aquelas que Pelé mantém sob controle. Ele defende a tese de que convivia com o governo autoritário – sendo apenas Paulo Cesar Caju a dizer que via o grande jogador como subserviente. Alegando desconhecimento política e maior preocupação com seu trabalho (e a responsabilidade de ser uma das figuras mais conhecidas do planeta), o paralelo com a vida política do país é pouco aproveitado – porque Pelé tem opinião formada. Talvez informe apenas aqueles que ignoram o Brasil – e provavelmente assistirão ao filme com o olhar revisionista dos amantes do futebol atual. Até mesmo o flagrante uso político pelo governo Médici não é exposto, apesar da potente imagem do General sanguinário erguendo a taça Jules Rimet.

Por sinal, o revisionismo aparece timidamente aqui, com o pouco esclarecimento sobre a demissão do treinador João Saldanha e a escolha de “Foi um Rio que Passou em Minha Vida” como canção que acompanhava os campeões de 1970. A linda canção de Paulinho da Viola, lançada naquele ano no segundo LP do compositor, parece ter engavetado “Pra Frente Brasil” (leia no link o artigo de três mestras e doutoras em Psicologia Social, ao invés de ouvir a música ufanista). Até poucos anos era regravada sempre que uma nova Copa se aproximava, incluindo uma versão do Jota Quest. Tofoi ao som dela um dos mais constrangedores momentos de 2020, ao ser entoada em uma entrevista da Secretária de Cultura relâmpago, a senhora Regina Duarte.

Há um momento inspirado no documentário: uma montagem que mostra gols de Pelé em oposição a pessoas sendo brutalmente abordadas por militares em protestos contra a Ditadura. Só que é difícil os feitos do atleta multi campeão não se imporem. Ou seja, há pouca conexão com sua vida pública e com a sociedade e muito do “gol que ele não fez”, da “defesa do século de Gordon Banks“, do “milésimo gol”. Por sinal, as cores que as imagens recuperadas do evento no México não inigualáveis. Nunca teremos um futebol e uma fotografia como aquela.

Há um pouco de trauma da Copa de 1950 e nada do que se sucedeu. É como se a História terminasse em “Pelé”, uma escolha que, obviamente, passou pelo crivo de sua equipe – que, não tenha dúvidas, deixou a pauta racial propositalmente de fora (à exceção de uma brincadeira do protagonista sobre sua chegada à Suécia na primeira Copa).

Enterramos aquele fantasma do maracanazo depois do 7×1. Mesmo assim, o filme se ergue como um documentário atemporal sobre o grande ídolo. Tão atemporal que Luiz Carlos Barreto e Eduardo Escorel já o fizeram em 1974, com “Isto é Pelé“. Mas, se a ficcionalidade vem vivendo de remakes, nada como contar novamente uma história – pelo menos de alguém que, dentro das quatro linhas, podemos chamar sem medo de Herói.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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