Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela

Crítica Documentário Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela GloboPlay Pôster

Sinopse: Do sucesso mundial à queda cruel. Pessoas próximas a Britney Spears e advogados avaliam sua carreira, enquanto ela batalha com o pai no tribunal sobre quem deve controlar sua vida.
Direção: Samantha Stark
Título Original: Framing Britney Spears (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 14min
País: EUA

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Distúrbio de Personalidade (Do Filme)

Chegando rapidamente na GloboPlay, após atrair imediato interesse quando de seu lançamento nos Estados Unidos há algumas semanas, o documentário “Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela” parece não se entender enquanto produto. A diretora Samantha Stark traz uma proposta, que parece se alterar no meio do caminho – e acaba sendo aquilo que tanto critica.

Entendendo que está diante de uma obra que se pretende a ultrapassar a barreira geracional, o filme começa nos contextualizando a cantora pop. Estourando no final da década de 1990, Britney ocupou um espaço que foi amplamente dominado por homens, apesar de ser um fenômeno cultural resgatado por uma banda de mulheres. Com o sucesso das Spice Girls, que durou apenas um disco e meio pelos conflitos entre elas e os empresários, a indústria fonográfica norte-americana se protegeu de uma nova “invasão britânica” socando boys bands por todos os lados na programação da MTV, nossa companheira em quase todas as horas do dia.

Liderando a fila, Backstreet Boys e ‘N Sync, comandada por Justin Timberlake, ex-colega de Britney (e de Christina Aguilera, nunca mencionada no documentário) da época do Clube do Mickey. Spears, então, surge no cenário com a velha junção de inocência e sensualidade, uma forma de negócio dentro da música que reproduz até hoje o machismo sob a desculpa de libertação. Apesar de que as dinâmicas atuais, com cantoras como Ariana Grande, parecem ser diferentes. Mas, falemos disso mais para frente.

“Framing Britney Spears”, então, apresenta a quem não conhece a trajetória da grande artista da virada do milênio. Parecia coerente, já que o prólogo do longa-metragem, feito pensado para os ganchos televisivos, demonstrava focar nos motivos pelos quais a cantora, há mais de uma década, não ter o controle sobre sua vida pessoal e profissional e suas finanças. Abdicando de falar da mãe de Lynne Spears (que surge como companheira e incentivadora da carreira, mas que passou a década seguinte lançando livros no estilo “mãe de diva”), o filme nos mostra Jamie Spears como pai ausente, fracassado em tudo o que tentou e ganancioso. Via a filha como uma espécie de investimento, típico de quem aposta em carreiras de sucesso rápido e muito retorno em dinheiro ainda jovem para os filhos.

Porém, dois elementos começam a chamar atenção na obra, de forma tão avassaladora, que a faz se transformar naquilo que ela não desejava. Ao narrar o que seria o auge do sucesso de Britney, Samantha revela a crise iniciada pela perseguição de paparazzis, coincidindo com a primeira gravidez da cantora. Inicia tratando da maneira crua como esse sufocamento da vida dos famosos se deu, em um período de mercado editorial aquecido e início da era da internet, que começava a ampliar a globalização tanto da música quanto das notícias. Mesmo com o acidente fatal de Lady Di em 1997, essa tática não arrefeceu – e, pior, se ampliou. Spears, então, foi uma das grandes vítimas ao lado de Amy Winehouse, que se transformou em produto de entretenimento pelos próprios “fãs” em suas apresentações enquanto lutava contra o vídeo em álcool e drogas ilícitas. Enquanto isso, Justin Timberlake, que tratou o término de seu relacionamento da forma mais tóxica possível, se transformou em exemplo de astro de sucesso.

Ocorre que, ao trazer para a pauta esse fator, o documentário se transforma parte dele. Com o passar do tempo, o que seria uma produção com a marca do jornal The New York Times (parte de uma série com, pelo menos, mais nove histórias a serem contadas) parece mais as reportagens sensacionalistas do canal E! (que chegou ao Brasil pela TV a cabo justamente nessa época) ou ao TMZ, que exportava para o mundo as fotografias mais humilhantes da artista. Até a montagem se aproxima, assim como a linguagem: usa um mistério (o que aconteceu no processo de tutela de Britney?), nos fala do passado glorioso, aborda superficialmente uma questão importante (no caso o machismo e o fetichismo que o reflete, responsável tanto pelo sucesso quanto pela manutenção da interdição) e vira uma exploração de imagens.

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O outro elemento que chama a atenção em “Framing Britney Spears” é a ausência da carreira de Britney, reforçando o objetivo de se valer do mesmo sensacionalismo de tabloide que a levou até aqui. É como se depois dos vinte milhões de cópias de “Oops!… I Did It Again“, ela estivesse há vinte anos em um limbo, estancado por uma turnê de sucesso em Las Vegas. A música de Britney Spears parece, ao contrário do ser humano, à prova de julgamentos. Ela seguiu em uma trajetória bem-sucedida, principalmente para os padrões de quem não consegue um mínimo de liberdade. Pelo contrário, o filme quer sugar todas as formas possíveis de humilhação – uma tática pensada para sua parte final.

Isso porque, nos últimos minutos, o documentário retoma seu ar de reportagem e nos fornece, finalmente, informações sobre o processo e a situação atual da cantora. Na mais interessante delas, descobrimos que estamos diante de uma interdição prévia, em que um laudo nunca mostrado impossibilitou Britney de escolher seu próprio advogado, nunca sendo defendida por alguém de confiança. Desde 2020 a questão ganha força, com o crescimento do movimento #FreeBritney e a impressão é que a obra de Stark, a partir do roteiro de Liz Day, quis marcar uma posição, quis fazer um filme antes que outros fizessem. O resultado beira a reprodução desumanizada, questionada por aqueles que seguiram acompanhando a diva, principalmente nos mistérios de suas postagens no Instagram.

Nesse ponto retomamos aquela dúvida sobre a condução das carreiras atuais. A exploração de imagens por paparazzis se tornou parte da História a partir do domínio das redes sociais, principalmente as criadas, compradas ou destruídas por Mark Zuckenberg. Talvez um dos poucos fatores positivos foi essa apropriação do próprio discurso, essa aceitação das celebridades de virar a fonte da própria vida, comandando o quanto de si será explorado. Fato que também gera consequências negativas, claro. Pouco tratado no documentário, apesar de ser possível fazer tal relação.

Enquanto público-alvo da cantora no seu período de maior sucesso, a falta de consciência da idade não me permite saber o quanto fomos ferramentas da indústria, que usava a música pop e a linguagem dos videoclipes para satisfazer um desejo provocado pela sociedade misógina. Afastado dessa realidade, não saberia dizer se, por trás de atualizações de discursos, essa estética lascívia permanece – mesmo que parte das celebridades não se deem conta disso. Ao amar Britney, muitos consolidaram uma visão objetificante e seguem reproduzindo machismo até hoje. Hoje sua voz se limita à sua música e, quem sabe, um dia a verdade de Spears chegará à superfície. “Framing Britney Spears” está longe de promover essa verdade, apenas usa, mais uma vez, aquela menina de Kentwood como um produto, um objeto de desejo para entreter aqueles que gozam do fracasso.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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