Os Segredos de Madame Claude

Os Segredos de Madame Claude Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Na Paris dos anos 60, a influência e os segredos de Madame Claude vão além do mundo da prostituição — até que a chegada de uma jovem rica ameaça mudar tudo.
Direção: Sylvie Verheyde
Título Original: Madame Claude (2021)
Gênero: Drama Biográfico | Crime
Duração: 1h 52min
País: França

Os Segredos de Madame Claude Crítica Filme Netflix Imagem

Prazer em Alta

A estreia europeia da Netflix esta semana é o francês “Os Segredos de Madame Claude“, dirigido por Sylvie Verheyde. A diretora flerta com uma biografia estilizada de uma personagem importante da rede de influência da alta sociedade do país no final da década de 1960. Porém, antes de encontrar um ritmo que faça a história fluir no terço final, explora elementos de linguagem que o aproximam de um público que busca uma narrativa bem mais genérica do que as possibilidades do filme.

Falecida em 2015, Fernande Grudet (interpretada por Karole Rocher) foi uma famosa cafetina na efervescente Europa da época. Na lista de clientes (a qual chamava carinhosa e estrategicamente de amigos) estavam chefes de Estado e celebridades de todo o mundo. Sua casa suspeita começa a cair quando Sidonie (Garance Marillier) faz as vezes de Bela da Tarde e, mesmo oriunda das altas classes, concorre a um emprego na rede de contatos de Madame Claude. Aqui no Brasil tivemos um caso parecido há alguns anos, envolvendo Jeany Mary Corner, mencionada pela primeira vez na CPI dos Correios em 2005.

O longa-metragem também possui roteiro de Verheyde, de poucos trabalhos no currículo. O anterior, “Sex Doll” (2016), também nos ambientava em uma trama de exploração do corpo feminino, em uma história sobre tráfico de mulheres. Quem espera uma abordagem mais humanizada poderá se decepcionar com “Os Segredos de Madame Claude“. O passado de Grudet, que relatava ter feito parte da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial e outros traumas que fizeram sua carcaça endurecer e ser uma bem sucedida empresária, são deixados os de lado. O público é colocado diretamente no olho do furacão, no auge de seu sucesso. A cineasta faz isso com o mesmo olhar exploratório e predatório de produções de outros tempos. Isso ofusca um pouco a qualidade das interpretações de Rocher e Marillier, o design de produção e a trilha sonora que nos transporta para a contracultura de 1968, marco inicial do filme.

Não há certeza se o terço final do filme, que abdica dessa objetificação do corpo, é o caminho o qual a diretora gostaria de chegar. Todavia, até atingir esse ponto, há representações incômodas. Reiteração da grande característica da protagonista, que é a de se preocupar com o atendimento dado aos seus amigos. Isso faz com que Fernande veja aquelas mulheres como uma mistura entre produtos e filhas, comum nesse tipo de relação. Porém, quase como se quisesse agradar um paladar adolescente, a todo tempo somos confrontados a uma nova cena de sexo, improdutivas para o andamento da história, com as mais diversas personagens. Verheyde não somente estiliza as sequências, ela escancara que deseja expor novos corpos a todo momento.

Com isso, o drama e a trama política ficam cada vez mais à margem. Quando alguma informação nova surge, parece inserida estrategicamente como bônus. Uma delas é aquela que chama a atenção por serem os primeiros segundos do trailer, usando Marlon Brando como um amigo real de Madame Claude. Há também menções a Charles de Gaulle e a relação com a máfia italiana. Um artifício para mostrar o peso de sua influência que captamos logo no início do filme. Ao reproduzir uma leitura carregada de misoginia, o espectador fica apenas aguardando. A obra recicla questões há muito trabalhadas nessas relações. Mulheres trabalham com medo, algumas são agredidas e outras se sentem recompensadas pelo retorno financeiro maior em comparação com outros ofícios. Nada disso é sobre Madame Claude – e nem as inúmeras abordagens que, para mostrar que o cliente quis amarrar com uma corda a moça, entrega dezenas de closes nos seios da atriz, por exemplo.

Sem contar a narração, uma ferramenta narrativa que segue ampliando seus tentáculos de uma forma que deixou de ser um artifício e passou a ser a única maneira da história avançar. Principalmente em produções para o streaming, que parece se conformar com o olhar de desatenção de uma parcela de seus consumidores. Toda a sensação de perigo e toda as formas de proteção (tanto de seus negócios quanto de suas funcionárias) se perdem naquela voz off que, a cada dois minutos, explica seus passos como se estivéssemos assistindo a um longo vídeo-ensaio. “Os Segredos de Madame Claude” parece não se dar conta de que, no meio dessa luta entre uma representação que faz do corpo uma imagem constantemente explorada e uma biografia sobre uma mulher que estava sempre próxima do poder e foi vítima de um esquema desbaratado para lhe prejudicar, há uma obra que nunca engrena.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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