Sinopse: Wandile se sente alienada, o que a faz se juntar a um grande protesto estudantil. Os estudantes exigem a descolonização da universidade, e não demora para as manifestações evoluírem para um movimento nacional pela educação gratuita e pelo fim de todas as formas de repressão restantes da herança do apartheid. De repente, eles se veem alvo de ataques por parte da direção da instituição, da polícia e do exército, ao mesmo tempo em que conflitos internos ameaçam separar o movimento. Em “A Arte de Derrubar”, o início do movimento “fallista” na África do Sul é contado pelos próprios ativistas.
Direção: Aslaug Aarsæther e Gunnbjörg Gunnarsdóttir
Título Original: The Art of Fallism (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 14min
País: Noruega | África do Sul
…E Como Permanecer de Pé
“A Arte de Derrubar” documentário dirigido pelas norueguesas Gunnbjörg Gunnarsdóttir e Aslaug Aarsæther e parte da seção Perspectiva Internacional da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mostra um pouco do que foi o movimento “fallist” iniciado em março de 2015 na África do Sul. Partindo inicialmente da Cidade do Cabo o movimento organizado por estudantes da UCT (University of Cape Town) tomou conta do país e se desdobrou em diversas iniciativas.
Tendo sua primeira vertente nomeada como #rhodesmustfall, o movimento ganhou força com a reivindicação de estudantes negros pela retirada da estátua de Cecil Rhodes, inglês colonizador que foi Primeiro Ministro na cidade no século XIX e teve sua estátua erguida em um dos principais prédios da Universidade na década de 1930. Já na década de 1950 surgiram os primeiros movimentos que pediam sua retirada, mas somente em 2015, o desejo é concretizado.
Ao utilizar a arte como linha de costura narrativa, “A Arte de Derrubar” consegue traçar um bom panorama do que foi o movimento e de como se estruturam as redes de arte contemporânea ativista na cidade. O documentário inicia com fala de Sthembie Msezare, renomada artista local que tem a oportunidade de expor no, então, recém renomeado Memorial Sarah Bartmaan – espaço localizado dentro da UCT. Ao trazer Msezare e outros corpos que são lidos como fora do padrão quando pensamos o ainda restrito e segregador mundo artístico, as diretoras evidenciam como as narrativas dos corpos negros são múltiplas.
Logo em sua abertura podemos ver artistas trans, periféricos, ativistas e inúmeros estudantes que fizeram parte do movimento “fallist” de alguma forma. Assim, percebemos que os desdobramentos decorridos do primeiro levante foram importantes para uma compreensão mais alargada das possibilidades de luta estudantil que naquele espaço poderiam insurgir.
Sabendo das muitas desigualdades que guarda a Cidade do Cabo, que à primeira vista pode parecer tão bela quanto o Rio de Janeiro, esperei que esse fosse um dos temas abordados no documentário. Cape Town é, de fato, encantadora, porém mostra, como nosso Rio, uma separação extrema entre a Long Street – com seus bares requintados e museus cheios de arte – e a cidade que se revela ao redor. Choque que é reforçado pela experiência de se compreender Johanesburgo. Os levantes acontecem em um momento no qual outras diversas manifestações ocorriam no globo e a internet é apontada como uma facilitadora.
Muito já se falou sobre esse momento de demandas que levou uma série de jovens às ruas e, embora soubesse por alto das manifestações na África do Sul, devo admitir que adentrar por suas entranhas me fez ficar com vontade de pesquisar mais sobre o assunto. O anúncio da diversidade me deixou intrigada, já que – como pontuado pelos próprios ativistas – esse é um país tão machista quanto o Brasil. Alguns, inclusive, assumem a dificuldade de entender os desdobramentos que surgiram a partir de estudantes gays e trans que faziam parte do movimento inicial. Mesmo realizando um segundo levante mais potente que o primeiro com o #feesmustfall (taxas devem cair), as diferenças eram evidentes.
A ideia da interseccionalidade (e da interseccionalidade possível naquele momento) é explorada por “A Arte de Derrubar” nos fazendo refletir sobre nossos próprios limites e preconceitos. Essa é uma pauta importante para quem se diz preocupadx com a igualdade, não é? Outra que chega também recentemente aos corpos negros cansados de lutar é a do autocuidado. Ainda que sintam por não poderem dar conta de continuar com o movimento, os entrevistados mostram como pode ser cansativo precisar de autodefinir e de autoafirmar por tempo indeterminado. Uma luta desse porte somada à luta individual e cotidiana que enfrentamos o tempo todo é desgastante. E, tudo bem.
Afinal, nós precisamos refletir sobre nosso legado, sobre o que deixaremos de mudanças efetivas e propostas para a geração futura, mas precisamos permanecer vivos e saudáveis. Essa, infelizmente, ainda é a maior luta a ser enfrentada pela grande maioria da população negra lá e aqui.
Clique aqui e veja os textos produzidos na cobertura da Mostra SP.