A Densa Nuve, o Seio

A Densa Nuve, o Seio

Sinopse: Em uma nuvem tempestuosa dos 100 cantos, da madeira sombria ao motor de todas as estrelas.
Direção: Vinicius Romero
Título Original: A Densa Nuve, o Seio (2020)
Gênero: Experimental
Duração: 54min
País: Brasil

A Densa Nuve, o Seio

Chegando Perto Só Pra Ver

A Densa Nuve, o Seio” é uma completa e complexa receita visual de Vinicius Romero. Em seus pouco mais de cinquenta minutos, o filme consegue trazer elementos que dialogam com outras estéticas apresentadas no Festival Ecrã ao mesmo tempo em que mostra como o determinismo da imagem pode ser amarra que, uma vez desfeita, leva o espectador a caminhos impensáveis.

Não há como guardar relações e conexões de ordem pessoal no experimentalismo criado pela obra. Contudo, as escolhas de montagem e possíveis ligações diretas pode ser um bom exercício, mesmo que o risco de falhar miseravelmente seja alto. A primeira ferramenta, que chama a atenção por ser validada por outras produções da mesma mostra, é a pixelagem. Uma maneira de absorção da imagem comum ao consumidor de audiovisual, sempre sujeito às intempéries de conexões de internet ou drivers de vídeo do player preferido.

O interessante é que a relação com essa forma de expressão ganha uma conotação ampla a partir do momento em que o festival, por força da pandemia de coronavírus, teve que ser reorganizado para ocorrer virtualmente. Neste caso, a pixelagem ganha uma conexão ainda mais pessoal e um duplo estranhamento. Não fosse o servidor e a hospedagem de qualidade, que manteve o Ecrã de pé durante todo o período, era capaz de assistirmos pixelagem onde não existia. Uma vivência muito diferente da exibição no carpete histórico da Cinemateca do MAM, que todos nós esperamos retornar em 2021.

Romero se vale quase todo o tempo do barulho do vento. Nomeia sua obra utilizando a densa nuvem como objeto. As primeiras composições, que ocupam por volta de um terço do filme, entrega uma coerência por vezes indistinguível de formas tacanhas e muitas composições visuais relacionadas ao fogo. Aos poucos, o cineasta vai inserindo imagens de projeções ainda subjetivas, mas um pouco mais definíveis. Isso inclui no fio de narrativa que podemos vislumbrar algo como imagens de satélites ou até mesmo a possibilidade de um evento pós nuclear. Despreocupado em determinar espaço-tempo em “A Densa Nuve, o Seio“, há algo mais do que a simples nuvem de destruição que parece nos ambientar desde cedo. Vinicius ultrapassa essa primeira fase nos provendo imagens identificáveis. Um rio e a água corrente. Ao contrário das permissões sonoras que acompanhavam a obra até aqui, as representações silenciam o som e nos permitem alguns segundos de paz absoluta – e de vida, em movimento.

Logo em seguida o cinza toma conta da peça identificável e a nuvem, os sons de vento e a escuridão reocuparem o espaço. É o recomeço do caos. A partir deste ponto, a montagem começa a escalonar seu abstratismo e nos permitir formas um pouco mais concretas. É quando se inicia um diálogo com a cidade, parecendo que deixaremos para trás uma aura de primitivismo – como alguns gostam de demarcar. Mais adiante, o cineasta nos leva ao espaço – momento em que algumas visualidades passam a se relacionar com a geologia próxima da superfície lunar. Mesmo sem grandes alterações nos aditivos sonoros, é interessante observar como há uma ampliação de possibilidades, se pensarmos nessa ótica extraterrena. Isso porque na falta de atmosfera, o vento é substituído pelo vazio. Um grande vazio que a vastidão do universo provoca.

Essa erosão indistinta começa a me deixar perdido enquanto espectador neste ponto de “A Densa Nuve, o Seio”. Mas é um abalroamento meu com a obra que diz mais sobre mim e sobre como a imprevisibilidade sobre o que viveremos mais a frente perdeu a alma romântica e se tornou apenas em mera ferramenta de medo. Isso leva a uma projeção sobre o que esperamos nas novas imagens que Vinicius Romero tem a nos apresentar e agradecemos quando nossa psique consegue formar conceitos. É quando algumas dubiedades da imagem tornam o exercício mais intrigante e divertido. Podemos estar diante de fogos de artifício e logo depois de imagens de manifestações de vida em microscópio. Como se agradecesse ou libertasse seu público, o filme se encerra com um contato direto com a terra, uma caminhada curta, permeada por esses fogos e essa vida microscópica.

E é com a música Cavalgada que “A Densa Nuve, o Seio” se encerra, uma aventura de percepções do espírito, representações de potencialidades da terra e do instinto animal, além do primitivismo. É comum o cansaço extremo ao chegar ao fim de sua sessão, sinal que nossos sentidos foram exageradamente explorados.

Clique aqui e confira nossa cobertura completa do Festival Ecrã.

Clique aqui e saiba como apoiar o Festival Ecrã.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *