A Mulher Ilegal

A Mulher Ilegal Filme Netflix Crítica Pôster

Sinopse: Em “A Mulher Ilegal”, um advogado de imigração e uma mulher nigeriana presos em um círculo de corrupção se unem para descobrir a verdade por trás de uma morte suspeita em um centro de detenção.
Direção: Ramón Térmens
Título Original: La Dona Il·legal (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 59min
País: Espanha

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Para Além do Drama

A Mulher Ilegal“, produção espanhola que chega ao catálogo da plataforma de streaming Netflix, se propõe a tratar a questão migratória e os reflexos do aumento da xenofobia na Europa a partir do olhar de um advogado militante vivido por Daniel Faraldo. Ele é Fernando, que auxilia quem está ilegalmente no país a regularizar sua situação ou, pelo menos, obter certa dignidade e respeito no curso do processo de prisão e extradição. Ele se torna peça importante na tentativa de provar que algumas dessas pessoas são torturadas e assassinadas nos CIEs, os centros de imigração em que permanecem enquanto aguardam a conclusão de seus casos.

O próprio Faraldo escreve a obra, ao lado do diretor Ramon Térmens. Eles repetem a parceria do longa-metragem “Catalunha Acima de Tudo!“, lançado há dez anos – mostrando que o debate sobre o território que ocupam costuma ser o mote de suas produções. A forma como a história se constrói aqui é bem envolvente e o trabalho de direção do cineasta auxilia na imersão. De um lado temos a rotina do nobre ofício do protagonista e sua luta pelo respeito aos direitos humanos. Enquanto isso, sua esposa descobre o avanço de um câncer, que torna sua situação praticamente irreversível. Optando por não seguir com o tratamento invasivo e doloroso, com poucas chances de êxito, ela convence o marido a deixar descansar em um suicídio assistido.

Por outro lado, denúncias de suicídios provocados nos CIEs torna ainda mais urgente a maneira como os procedimentos de extradição se dão entre os clientes de Fernando. Uma delas, a kosovar Zita (Klaudia Dudová) se torna vítima da maneira como o Estado ignora o bem-estar dessas pessoas, desumanizando seu tratamento. Envolvido em uma cadeia de eventos que o leva à nigeriana Juliet (Yolanda Sey), ele precisa proteger a jovem, que trabalha como garota de programa em um estabelecimento frequentado pelos próprios agentes.

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O que Ramon Térmens faz em “A Mulher Ilegal” que auxilia o processo imersivo é uma montagem bem menos dinâmico que a habitual. Procura quase sempre manter uma câmera dentro da sequência e, mesmo quando traz cortes, nos mantém sob a mesma perspectiva. Opta por transitar pela cena, ao invés de explorar ações e reações nos diálogos, expediente comum em dramas desta natureza. Um ótimo exemplo é uma cena de depoimento em um tribunal. Posicionando o olhar com a testemunha em primeiro plano e o advogado ao fundo, ele mantém por mais da metade do tempo apenas esta câmera, que muda constantemente de foco, de acordo com o personagem que está falando.

Pequenas decisões que, se não influenciam tanto na estética do filme, torna mais agradável a experiência de assisti-lo. O espectador se vê convidado a dedicar total atenção à narrativa, bastante poderosa, por sinal. Com isso, refletimos sobre a forma como Fernando – enquanto defensor de direitos humanos – é visto dentro do sistema no qual opera. Já a xenofobia cada vez mais escancarada traz relações diretas com capítulos importantes da sociedade nos últimos anos. As manifestações contra imigrantes no Reino Unido desde o início do processo do Brexit, por exemplo, é uma delas. Contudo, por se passar na Espanha, vale lembrar do aumento dos casos de deportações de brasileiros, muitos com vistos e compromissos profissionais e de estudo – vários informando, em seu retorno, sobre as condições precárias dos locais de detenção e o tratamento dispensado pelos agentes.

No contexto que une crise econômica, desenvolvimento tecnológico, aumento do nacionalismo e a política sempre perigosa da lei e da ordem “acima de tudo”, o longa-metragem traz boas representações das figuras envolvidas. Os imigrantes explorados em trabalhos degradantes, a polícia implacável no “combate” ao “problema” e os defensores com um constante ar de derrota. Térmens ilustra pontos que a trama principal não consegue atingir a partir de notícias que chegam aos ouvidos dos personagens pela TV ou no rádio do carro. Traça paralelos com a tentativa de erguer um muro na fronteira com o México por Donald Trump e também sobre o aumento da pobreza no mundo, uma política de ampliação da segregação social que, infelizmente, parece cada vez mais eficiente em todos os cantos do planeta.

Por fim, uma ferramenta narrativa parece dividir longa-metragem em dois longos capítulos. Tanto na sequência inicial quanto em uma cena exatamente na metade do filme, o personagem de Faraldo recebe em seu escritório alguns imigrantes, que compartilham suas trajetórias. O único momento em que a obra se permite ser mais dinâmica na montagem. Ao final, a boa história contada ficcionalmente pelo olhar do advogado humanista Fernando ganha contornos de denúncia, registrando o importante trabalho da ONG Braços Abertos.

A Mulher Ilegal” consegue equilibrar suas tramas, não abandona a trajetória pessoal de seu protagonista e nem esquece questões que os casos de Zita e de Juliet provocações não conseguiriam atingir, apesar da relevância de individualizá-los. Entendendo seu papel social enquanto obra, pluraliza vozes e depois reúne algumas delas em um epílogo fundamental. Se já não bastasse, retorna ao ponto mais triste da história de Fernando e revela um final ainda mais forte e chocante do que imaginávamos. Agora é torcer para não passar despercebido na enxurrada de novidades que a Netflix promove toda semana.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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