“A Mulher na Janela”, com Amy Adams, chegou à Netflix. Leia nossa crítica!
Sinopse: Em “A Mulher na Janela”, a Dr.ª Anna Fox é uma alcoólatra reclusa que passa os dias em seu apartamento em Nova York assistindo a filmes antigos e observando seus vizinhos. Quando a família Russell se muda para o prédio da frente, ela passa a espionar o que seria a família perfeita, até testemunhar uma cena chocante que muda sua vida.
Direção: Joe Wright
Título Original: The Woman in the Window (2021)
Gênero: Crime | Mistério | Drama
Duração: 1h 40min
País: EUA
Amy(ga), Não Tenho como te Defender
(Schievano, Lu in: A Fazenda 6)
Sem dúvida a estreia que monopolizará o público neste final de semana é “A Mulher na Janela“, suspense estrelado por Amy Adams, inúmeras vezes adiados e que chega hoje à plataforma de streaming Netflix. Parece que nada seria capaz de salvar o filme, que adapta o romance de Daniel Mallory, lançado sob o pseudônimo A.J. Finn. Problemático desde a origem, com o dono do material original inventando doenças, sotaques e títulos acadêmicos em seu nome. Mistura de mal com o atraso e pitadas de psicopatia, como diria um famoso jurista. Um autor disposto a tudo para conseguir seu espaço no mercado editorial e que foi considerado um dos grandes destaques de 2018.
Era para a transposição para os cinemas ganhar o circuito ainda em 2019. Porém, as sessões de testes, expediente comum em Hollywood, teve resultados catastróficos. Críticas do público à parte final fizeram com que a proposta de roteiro de Tracy Letts fosse abandonada, com a chegada de Tony Gilroy ao projeto. O primeiro é experiente ator e dramaturgo, mas com pouca rodagem na função – tendo como trabalho mais relevante a adaptação da própria peça no drama familiar “Álbum de Família” (2013). Já o segundo foi indicado duplamente ao Oscar em 2008, pela direção e texto de “Conduta de Risco“.
A versão final da obra era para chegar às salas de cinema há exatamente um ano. Ainda sob a responsabilidade da Fox, a conclusão da fusão com a Disney fez a clássica logomarca do estúdio virar apenas 20th Century Studio (e um dia ainda iremos no acostumar com isso). Só que o conglomerado do Mickey não quis levar o filme a lugar algum, vendendo para a Netflix os direitos de distribuição. Um dos motivos, claro, é que a recepção nos testes seguiu insatisfatória.
Não será desta vez que o fã-clube de Amy Adams aposentará o meme da ausência de um Oscar em seu currículo, brincadeira que durou duas décadas com Leonardo di Caprio. A atriz faz um bom trabalho, como sempre, mas o longa-metragem parece destinado ao fracasso. Se já não bastasse todas as questões abordadas, o produtor Scott Rudin hoje carrega diversas acusações de assédio moral, aumentando o nível de toxicidade da produção. Joe Wright, diretor que se destacou em narrativas de época, como “Orgulho e Preconceito” (2005), “Desejo e Reparação” (2007) e “Anna Karenina” (2012), aposta no uso da luz e suas percepções de acordo com o ambiente da casa e do momento do dia para desenvolver um thriller que não engrena. Como se pudesse atingir um terror que nunca é, efetviamente, alcançado. Porém, há formas de se explorar a construção do filme que tiram a sensação de fracasso total.
“A Mulher na Janela” nos apresenta Anna, uma psiquiatra que sofre de agorafobia, uma psicopatologia que torna inviável o convívio social. Em alta gravidade, ela não consegue sair de casa e passa a acompanhar a chegada de seus novos vizinhos de frente, a família Russell. O psicólogo que a acompanha a incentiva neste processo, entende que, de certa forma, se preocupar com a vida dos outros tira os pensamentos suicidas de sua cabeça. Contudo, a protagonista passa a ter uma atitude propositiva, começando a stalkear a rotina do casal Jane (Julianne Moore) e Alistair (Gary Oldman), além do filho adolescente Ethan (Fred Hechinger).
A referência clara a “Janela Indiscreta” (1954) gera uma preocupação imediata no andamento do filme. Tão referenciada na história do Cinema (D.J. Caruso exagera na homenagem em “Paranoia“, de 2007, para citar um exemplo), Joe Wright evita basear a narrativa nesta observação constante. Sendo assim, a vinculação do que há na mente de Anna com o que ela enxerga do outro lado da rua é um ponto subaproveitado. São poucos os momentos em que conseguimos mergulhar na ideia das janelas enquanto um quebra-cabeça impossível de ser concluído – já que há pontos cegos nas paredes a qual não conseguimos atravessar. Tal releitura ser abandonada afasta o risco de comparação, mas tira um potencial que a própria convenção do filme permitia.
Certo que há uma dinâmica no ritmo do longa-metragem, ele é sintético, sua trama se desenrola sem longos e ineficientes respiros. Falta, porém, a transformação das reviravoltas possíveis em grandes sequências. Quando ela acontece, no clímax da obra, a pós-produção exagera tanto na modificação das imagens, desde a cor até a velocidade, que todo o naturalismo do trabalho de Adams se esvai em uma cena que, além de artificial, possui uma execução terrível.
Fica a impressão de que estamos diante de um projeto que não previa o uso em larga escala de efeitos visuais e, ao reescrever o ato final e voltar ao set, o cineasta precisou traçar representações que não são a sua linguagem. Uma conclusão que precisa trazer uma violência mais crua que acaba sendo falsa em um nível constrangedor. Mas, até agora você deve se perguntar: o que podemos extrair de positivo do filme?
Enquanto exercício interpretativo sobre a visão de realidade da protagonista, “A Mulher na Janela” pode render alguns frutos ao espectador apaixonado pelo gênero. Sem entrar no terreno dos spoilers (temos feito muito isso por aqui), mas a chegada em cena de Alistair, depois que sua esposa Jane e o filho Ethan haviam visitado Anna, inaugura uma dúvida sobre o que está na esfera de conhecimento e do grau de consciência da personagem. Porém, essa viagem só será proveitosa para aqueles que, mentalmente, regredirem para as cenas anteriores esse questionamento.
Seria como usar a sessão do filme para uma escolha de lado, uma versão da realidade a qual você deseja embarcar. O longa-metragem fugiu tanto da comparação com Hitchcock, que encontrou próximo de seu lançamento um concorrente que traz essa mesma proposta de forma sublime. O drama “Meu Pai” (2020) usa a senilidade do protagonista vivido por Anthony Hopkins para nos instigar a duvidar de tudo e de todos, até de nos mesmos.
Pensar a vida de Anna como uma mistura de óticas, que podem conter ou não conter o real, a alucinação e o onírico faz com que imaginemos a montagem do filme com trajetórias paralelas, sem saber ao certo quantas. Aqui está o grande tropeço do resultado final. Enquanto thriller psicológico, estávamos próximos de uma obra mediana, inofensiva. Seu conclusão nos remete a uma “batalha de credibilidades” interessante, opondo a forma como as outras pessoas enxergam a personagem de Amy Adams e a de Gary Oldman.
Soma-se ainda a revelação envolvendo o passado de David (Wyatt Russell), inquilino da protagonista. Nada que envolva os homens do filme é capaz de deslegitimá-los, de diminuí-los em suas posições. A mulher, então, se torna um alvo fácil, com a sua condição psicológica como desculpa para tratá-la com a certeza de seus equívocos. Até que a origem da própria Anna ganha espaço e compreendemos que na gênese de sua doença está a fuga da realidade que agora parece tão bem executada por ela. Parar de alimentar sua fantasia tiraria por completo a chance de cura.
“A Mulher na Janela” consegue criar apenas essas marolas que não chegam sequer a tocar a areia úmida da praia. Não se permite bons caminhos porque, em algum momento, no telefone sem fio que sua produção se tornou, acharam por bem criar uma catarse fantasmagórica que deixou a impressão final de um filme B. Pelo visto Amy Adams entrou de gaiata nesse navio e agora terá que encarar, desprotegida no convés, a tempestade. Enquanto isso, os verdadeiros responsáveis pelo fracasso procuram das janelas de seus escritórios novos projetos – em que usarão a credibilidade dos astros para desancorar a próxima canoa furada.
Veja o Trailer: