Sinopse: Em “A Nova Era do Petróleo”, jornalistas investigativos, cientistas e cidadãos registram as consequências de um novo boom norte-americano de combustíveis fósseis. Dos campos de petróleo do oeste do Texas ao tráfego de navios-tanque que rebentam o Canal do Panamá, passando por uma revolução energética na Ásia, o filme mergulha nos impactos globais da energia norte-americana nos lucros, na saúde pública e nas mudanças climáticas.
Direção: Zach Toombs
Título Original: Blowout: Inside America’s Energy Gamble (2018)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 19min
País: EUA
Desejos sem Reparação
“A Nova Era do Petróleo“, assistido ao longo da 9ª Mostra Ecofalante de Cinema, começa com uma abordagem que dura trinta segundos. Ali, o diretor Zach Toombs justifica o título original do filme (blowout, que é a explosão de petróleo ou gás que vem do solo quando uma perfuração é bem sucedida). Além disso, nos faz lembrar como algumas grandes narrativas do Cinema vinculam essa imagem a uma redenção. De cabeça, é possível lembrar a de Jett Rink, personagem de James Dean em “Assim Caminha a Humanidade” (1956). Cansado de ser humilhado pelo patrão Bick (Rock Hudson), ele pega o quinhão de terra que lhe é reservado no Texas e vê o destino lhe aprontar uma virada, uma das muitas extraordinárias dos clássicos da Era de Ouro de Hollywood, em obra que valeu uma indicação póstuma a Dean.
Mais de quarenta anos depois, Paul Thomas Anderson faria o mesmo no prólogo impressionante de “Sangue Negro” (2007). Em quinze minutos, sem diálogos, ele mostra como Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) construiu seu império na Califórnia do início do século XX – para usar seus delírios de grandeza e mostrar as consequências disso, nas duas horas que lhe seguem. É no Estado de “Assim Caminha a Humanidade” que a nova era do petróleo, o título em português, acontece. Descobertas e implicações tecnológicas que garantiram a auto suficiência dos Estados Unidos em petróleo e gás e revogou lei que proibia a exportação de material bruto pelas empresas do país (que vigorou de 1975, pois criada com a primeira crise da OPEP em 1973, até meados da década de 2010, ao custo de um poderoso lobby durante o governo de Barack Obama).
Não é a toa que a base das grandes economias é o petróleo. Um material que garante o controle dos Estados Unidos, mesmo que alguns inimigos e guerras surjam no caminho. Conhecido mundialmente como terra das oportunidades, no documentário de Toombs somos apresentados a um dos pólos de ofertas de sucesso: a cidade de Midland. Ali, um consórcio de jornalistas tenta entender o fenômeno, o poderio e os desdobramentos dessa exploração desenfreada de fontes não-renováveis de energia. Sem ter certeza do impacto na saúde de quem trabalha ou mora ali perto, pesquisadores começam a classificar essas áreas de risco como “zonas de sacrifício”. Em resumo: os Estados Unidos está disposto a socializar o caos ambiental e sua contribuição será deixar uma parte da sua população sem saúde.
“A Nova Onda do Petróleo” usa cerca de dois terços de seu tempo para falar da política interna do país onde foi produzido. Neste quesito, talvez o que mais desperte curiosidade é esse ideal de parte de algumas pessoas inflamadas, que adoram dicotomizar Obama como o bom e Donald Trump como o mal. Pois uma das bases da eficiência do governo republicano na criação de empregos foi mera ampliação da política econômica (chamada pelo agente laranja de “revolução energética”) iniciada com essa flexibilização legislativa patrocinada pelo democrata. O republicano apenas surfou na onda, que o reelegeria facilmente nos próximos meses se não fosse a trágica maneira de lidar com a pandemia de covid-19. Já a população se vê a voltas com alguns referendos nas últimas eleições. O filme mostra o Estado de Colorado discutiu se aceitava uma lei que ampliava para 750m² a distância entre as zonas de extração de petróleo e gás e regiões chamadas vulneráveis (residências, hospitais e escolas). A campanha milionária dos barões do petróleo garantiu a derrota da lei preocupada com o bem-estar dos cidadãos.
Não há mais como negar que os gases metano e benzeno aumentam as probabilidades de incidência de câncer, leucemia e até aceleração de parto. O que restou a quem quer enriquecer a qualquer custo é ser simpático às causas e ao movimento anticiência. Nada é por acaso na roda viva da sociedade e “A Nova Era do Petróleo” consegue dar ferramentas para essa compreensão. A maneira como o longa-metragem se internacionaliza também é bem interessante. Fala de sustentabilidade e medidas tomadas por alguns países, porém fugindo dos centros europeu e asiáticos – sem envolver Japão ou China, por exemplo. E mostra novamente como as decisões tomadas pelos governos dos Estados Unidos levam a implicações imediatas e potencialmente danosas.
Na Índia, o documentarista traz um pouco da faceta “lobo em pele de cordeiro” do Tio Sam. Aumentando cada vez mais os negócios para exportar gás natural para o segundo país mais populoso do mundo, é a prova de como a economia encontra seus atalhos para seguir a tendência exploratória. Para cumprir as metas do Acordo do Paris, uma nação que sempre baseou sua produção de energia no carvão (uma das mais poluentes), caiu no canto da sereia norte-americana e, portanto, pegou o caminho mais rápido de importar uma energia limpa ao invés de investir em alguma fonte renovável (como a solar ou a eólica). Claro que a saída de Trump do mesmo Acordo deixou a Índia #xatiada, mas nada que comprometa os negócios bilionários que justifiquem os investimentos no setor.
Já em Bangladesh vamos por outro caminho, um que merece uma obra própria – esperamos que esteja nos planos do cineasta. Fala de um dos assuntos que ocupará o centro dos debates em poucos anos, com os chamados “refugiados do clima”. No país já são quase quatro milhões de pessoas que se mudaram por conta da inviabilidade de sobrevivência no território anteriormente habitado. A consequência é a quadruplicação da favelização na nação asiática. Após a inserção didática das consequências do aquecimento global, a parte final do longa-metragem acaba trazendo um pouco da antes impensada distopia da migração forçada pelo clima. Estima-se que até o meio do século XXI serão 150 milhões de refugiados desta natureza, treze milhões só nos Estados Unidos.
Por fim, “A Nova Onda do Petróleo” torna inquestionável a incapacidade do planeta de amortizar essa nova corrida exploratória liderada pelo país mais rico do mundo. Para usar uma expressão tipicamente norte-americana, “be careful what you wish for” (cuidado com o que você deseja), tanto apostaram que a não-renovação do petróleo não seria problema, que seguem encontrando novas fontes desta energia. Isso garante a continuidade das políticas que dão de ombros para as preocupações com o meio ambiente. E, mesmo assim, até diante de algumas das piores tempestades da história do país, os políticos e os lobbystas passam por cima de uma rotina de escombros e diariamente colocam a Terra na rota da destruição.