A Taça Partida

A Taça Partida Filme Crítica Poster

45ª Mostra SP LogoSinopse: Em “A Taça Partida”, Rodrigo já teve uma namorada, um filho e uma casa. Mas hoje um homem diferente tomou o seu lugar. Certo dia, ao amanhecer, ele aparece em sua antiga casa na intenção de reconquistar, no decorrer de um único dia, tudo o que perdeu. Mesmo que isso signifique machucar as pessoas que ama. A jornada de teimosia, ego e mágoa de um homem.
Direção: Esteban Cabezas
Título Original: La Taza Rota (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 13min
País: Chile

A Taça Partida Filme Crítica Imagem

Simulação Abusiva

Abrindo nossa cobertura da Competição Novos Diretores da 45ª Mostra SP, o drama chileno “A Taça Partida” nos apresenta um cineasta, Esteban Cabezas, articulando as relações de causa e consequência de uma masculinidade tóxica perpetuada através das gerações que, principalmente em território latino-americano, reproduz toda sorte de misoginia em uma escala passivo-agressiva. Uma situação levada como fato corriqueiro de extrema gravidade – sendo assim a obra do diretor formatada: pela linha da observação.

No filme, Rodrigo é um homem que retorna à casa que já “foi sua”. Vale a pena analisar todos os aspectos do longa-metragem pela ótica de propriedade. Sob a desculpa de visitar o filho, fora do dia e horário previamente combinado, ele encontra resistência de Carla. A ex-esposa nutre um relacionamento com outro rapaz e, acertadamente, não quer criar constrangimentos ou passar mensagens confusas para a criança. Porém, o protagonista vai aos poucos se colocando dentro daquela casa, reocupando um espaço que não lhe cabe, porque acredita ser dono de tudo e todos ali.

Cabezas não busca nada que complexifique as imagens criadas. Uma câmera estática, que permanece longos minutos captando o mesmo espaço daquela residência, faz um jogo de realidade. Tudo em “A Taça Partida” quer nos aproximar de um cotidiano possível, alcançável em nossas dinâmicas sociais. Enquanto homem, ele também constrói uma narrativa que fala da violência por intimidação e da abusividade masculina de forma passiva. Uma ótima forma de lidar com o poder específico de ser um realizador que possui certas linhas que não conseguiria adentrar sem que usurpasse discursos que não são seus.

Até por isso o longa-metragem acerta ao focar no ex-marido e pai que cruza limites de forma sonsa. O que o filme nos mostra também é um exercício de poder forjado pela frustração. Ensinado a ser o que quisesse ser, a não encontrar barreiras nos seus desejos, cabe a Rodrigo tomar de volta o que é seu por direito natural. Esse preenchimento de espaço, como se o destino reservasse aos homens toda a glória, transformando em inimigos quem discorda de seus planos, muitas vezes traz graves consequências.

Mesmo quem deslegitima tais debates e se depare com esse longa-metragem não poderá negar que o que move a obra é a construção e suspensão de expectativa. E sabemos bem sobre o quê: uma tragédia em vias de se concretizar. Na desconstrução da masculinidade tóxica, é possível identificar que, ao fazer um jogo para se aproximar do filho e da ex-esposa e passar uma manhã em uma casa que não é sua, o protagonista dá os primeiros passos para fazer algo bem pior. A ousadia de Rodrigo, entretanto, vem carregada de argumentos e sem que traços de violência sejam telegrafados – ele é abusivo por simular uma normalidade.

O que pesa para boa parte dos espectadores que consegue se conectar e projetar uma realidade da trama é que parecemos muito distante de uma sociedade em que situações como essa não ocorram. O pior: podemos imaginar pessoas próximas que, a partir de uma má-resolução interna de um relacionamento, tome providências parecidas com a de Rodrigo. Em “A Taça Partida“, Carla tenta responder ao cenário criado por ele com conversa e conscientização. A ideia de propriedade talvez na seja quebrada, mas ele parece ser consumido pelo entendimento de que não deveria estar ali.

Até que chegamos ao pior dos sentimentos, que encerra a sessão: será que entendeu mesmo? Catou os cacos de uma taça que, partida, deixou de existir? Ou fingiu que percebeu o erro e colocou mais combustível na própria frustração, na passivo-agressividade que nos torna violentos em um clique – como se não fosse possível romper com um processo que faz mal a todos?

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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