A Voz Suprema do Blues

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A Voz Suprema do Blues estreia na Netflix. Leia a crítica e veja um programa especial sobre.

Assista à estreia de “Folha de Rosto”, episódio especial sobre A Voz Suprema do Blues:

Ouça a versão em podcast de Folha de Rosto #001: A Voz Suprema do Blues:


Leia a Crítica:

Sinopse: Na Chicago de 1927, o clima fica tenso quando a pioneira Mãe do Blues se reúne com uma banda em um estúdio de gravação.
Direção: George C. Wolfe
Tíitulo Original: Ma Rainey’s Black Bottom (2020)
Gênero: Drama Musical
Duração: 1h 34min
País: EUA

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Os Brancos Não Entendem o Blues

Nascido no Sul dos Estados Unidos no final do século XIX, o blues e as plantações de algodão têm suas origens intimamente ligadas. Nas vozes dos escravizados que se concentravam, especificamente no sul dos Estados Unidos, que os cânticos de louvor africanos ganharam uma nova roupagem. Rapidamente, esse novo som começou a circular por entre casas alternativas de música que eram como um refúgio para a população negra escravizada. Em tempos de segregação, eram esses os espaços de convívio social onde se podia dançar, cantar, flertar e se sentir livre, ao menos por algumas horas.

O poder do blues rompeu barreiras e Ma’ Raney pode ser considerada uma das percursoras. Em um primeiro momento, foi Ma, dentre outros, que apresentou o blues ao norte dos Estados Unidos. É importante lembrar que aqui estamos falando de dois fortes enfrentamentos territoriais e culturais. O primeiro entre o Norte e o Sul estadunidenses que culminou na Guerra Civil Americana (1861 a 1865) e o segundo entre brancos e negros do Sul. Raney desponta, então, como cantora capaz de mobilizar multidões menos de um século após o término da guerra e com uma tensão racial ainda muito latente no país – que eclodiria na formação da Ku Klux Klan e posteriormente nos movimentos pelos direitos civis ocorrido principalmente entre 1950 e 1970.

No entanto, “A voz suprema do Blues” ocorre em um momento anterior. Começamos o filme na Geórgia de 1927 em um show lotado de fãs de Ma’ Raney. Entre negros e com uma estrutura improvisada, o ritmo marca suas origens. Em uma irreconhecível Viola Davis, Mae Raney encontra o corpo perfeito de uma atriz disposta a viver suas nuances e alterações de humor sem parecer caricata. Ao sair da Geórgia em direção a Chicago, que em meados de 1927 já era considera uma grande cidade estadunidense, Raney encontra o racismo.

E, vai de encontro a ele. Pouco sei particularmente sobre a vida da artista, mas o pouco que li sobre os grandes nomes do blues em seu início, a postura da cantora me parece factível. Em uma recusa ao posicionamento de inferioridade que o tempo todo a tentam imputar, a cantora assume o controle da situação, pois sabe que sua voz era a moeda de troca.

O filme foi baseado em peça de August Wilson, também responsável pela premiada “Um Limite Entre Nós” (Fences) (1987), que depois seria adaptada e protagonizada por Denzel Washington (que também o dirigiu), sendo responsável pelo Oscar de melhor atriz coadjuvante à própria Viola em 2017. Agora como produtor, Washington parece obstinado a remexer em feridas segregacionistas. E, vem conseguindo fazer com bastante competência.

Além das ótimas atuações, com destaque para Davis, “A Voz Suprema do Blues” traz uma atmosfera de teatro que talvez advenha de sua fotografia. No entanto, essa temperatura (para remeter ao calor sentido, inclusive, pelo espectador) combina adequadamente com a obra. Passada quase inteiramente dentro de um estúdio fechado e apertado, vemos as agonias dos corpos negros ainda tentando adequar suas vidas após o fim da escravidão. Em cada história narrada pelos integrantes da banda de Ma’, a microestrutura revela o macro, aquilo que se passava por todo país. Ainda sem ter passado pelo – também sempre presente – fantasma da crise de 1929, os Estados Unidos viam algo morrer. Não somente os corpos dos negros queimados e enforcados, mas o próprio sistema que fazia essa roda girar.

Curioso que, em um momento no qual se procurava algo para que “as pessoas ficassem alegres”, foi justamente pelas mãos dos netos dos que plantaram algodão que a música chorosa se transformou em festa. Não para eles, obviamente, mas para os brancos que a saquearam e transformaram em mais limpa, palatável e vendável para os ouvidos de uma classe média que crescia e queria diversão segura. Sem negros por perto.

Quase unanimidade como ator, Washington – em parceria com a direção de George C. Wolfe – tem se mostrado um bom condensador de aflições. Consegue dizer aquilo que já sabemos, mas, ao invés de nos cansar, gera expectativa em pequenos ciclos fechados. Não há felicidade, os problemas são os mesmos, porém, os sintomas são diversos. Há uma proposta de união que, talvez, naquele momento não fosse possível porque ainda havia muito sangue espalhado.

Uma Ma’ Raney cansada é apenas a ponta do iceberg. Seu corpo esconde muito mais. Na cena final, o filme encontra seu ápice, não como resumo, mas como decantação. Como se tivéssemos percorridos todas as histórias para chegar ali e entender que mesmo que fossem consumidos por ouvidos brancos, ainda faltaria um tanto para que os negros conseguissem protagonismo. O mais triste é que sabiam disso. E, para onde direcionar a raiva e a frustração?

Por fim, em sua última atuação, Chadwick Boseman faz em “A Voz Suprema do Blues” o oposto da personagem que o deu prêmios e reconhecimentos. Até onde essa raiva contida pode chegar?

Veja o Trailer:

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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