Álbum em Família

Álbum em Família Filme Crítica Pôster

49º Festival de Gramado | ApostilaSinopse: “Grupo de atores e atrizes ensaia peça virtualmente e busca soluções para contornar o fato de que não podem se encontrar. Confinados em casa, usam os próprios familiares em cena. A peça escolhida é “Álbum de Família”, de Nelson Rodrigues, tentativa de debater a ideia de família tradicional brasileira.”
Direção: Daniel Belmonte
Título Original: Álbum em Família (2021)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 12min
País: Brasil

Álbum em Família Filme Crítica Imagem

Assuma seu B.O.

Quem, nos últimos dois anos pelo formato online e televisivo, se assustou com certas produções selecionadas para a mostra competitiva nacional do Festival de Gramado não acompanha tanto as listas dos anos anteriores. Dentre as características do evento, obras que constroem uma mediação junto a um público que lhe dá maior projeção e alcance no médio prazo. Dentre elas, documentários sobre figuras populares, narrativas tradicionais que usam questões contemporâneas de forma acessória e comédias como “Álbum em Família“.

Aliás, a relação de parte do espectador que acompanha o diretor Daniel Belmonte dependerá de sua percepção sobre o longa-metragem anterior de sua carreira, “B.O.” (2019). Há quem ache uma sátira metalinguística curiosa, usando o baixo orçamento como desculpa e há quem veja como uma simples bobagem. Por sinal, se o seu objetivo é se divertir – e se ele te diverte – as qualificações ao final pouco importam, de verdade. Aqui o cineasta repete o expediente, no contexto da atual pandemia de covid-19.

Absorvendo um período em que a classe artística pena para conseguir exercer suas atividades, o mote de “Álbum em Família” é contas a história da preparação de uma montagem virtual da peça “Álbum de Família” de Nelson Rodrigues. Em videoconferências, cada um na sua casa, os atores ensaiam e debatem os anacronismos e soluções de produção possíveis para que atingir o sucesso. Intercalado na montagem, falas do dramaturgo em uma franca entrevista no ano de 1978. A primeira fala de Nelson já é problemática: “sou quem o povo escuta e quem o povo lê“.

Essa certeza de sua imortalidade foi superada durante esses quarenta anos. Hoje se aplica um olhar crítico ao que a opinião pública entendia como genial, de um jornalista que se consolidou do cronismo esportivo às adaptações de alguns dos grandes sucessos do Cinema Nacional. Com boa parte das vozes silenciadas na sociedade naquela época, o time de Rodrigues entrava em campo com larga vantagem. Hoje, assim como nas releituras de Monteiro Lobato, observa-se o quão ofensivas suas palavras e representações podem ser.

É com base neste debate recorrente que o filme coloca Otávio Müller como uma mistura de indeciso com advogado do diabo. Ele ainda ama os textos rodriguianos e assim como Cris Larin acha que incendiar um clássico na fogueira pode ser um desserviço. Durante os ensaios ele perceberá o que as novas gerações querem dizer quando fazem suas análises sem o peso do saudosismo sobre a produção intelectual do escritor. Essa interação entre as gerações é o que há de mais interessante na obra. Conta com o timing de humor não apenas de Otávio, mas de George Sauma, um talento nato.

Daniel Belmonte conduz bem as ações enquanto ponto focal desses encontros, que ainda possui participações especiais de Tonico Pereira, Lázaro Ramos e Renata Sorrah. A mesma lógica do perrengue, do audiovisual de guerrilha com uma conotação mais debochada de “B.O.” funciona mais uma vez aqui. Muito se fala sobre a construção episódica, dando ao filme um caráter de união de esquetes. Falamos disso em nosso texto de “Como Hackear Seu Chefe” (2020), de proposta parecida, apesar de traçar uma unidade na narrativa que se torna possível porque extrapola o ambiente das telas. Diferente de “Missão Cupido” (2021), de equipe de produção parecida, com resultado final oposto.

Quem define “Álbum em Família”. como uma tragédia, sem dúvida, não assistiu “Me Sinto Bem Com Você” (2021). Aqui não há busca por equilíbrio porque há uma clara proposta desde o início. Concordo que pode se tornar cansativo devido à sua extensão e porque a execução das cenas da peça aparecem no terço final como um novo elemento onde a comédia não flui tão bem – com uso de bonecos, truques de montagens e experimentações.

Contudo, tem personalidade e uma conclusão que exercita a ideia da gênese de uma “família tradicional brasileira” que afeta um espectador que talvez não tenha tanta conexão com nossa produção nacional por puro preconceito. Além disso, pessoalmente me senti tocado pelo epílogo sentimental da produção.  Assim como Daniel, também me debrucei na produtividade da escrita para encarar esse ano e meio de confinamento, que parecem décadas para aqueles que seguem respeitando. E também não consegui desvincular a ideia de que o mundo segue se transformando de forma muito intensa enquanto escrevo – e opto por um texto que reflita o hoje, baseando análises fílmicas na régua da atualidade.

É verdade que poderia ser uma proposta serial como “5x Comédia” (2021) ou um desenvolvimento em pílulas como o Porta dos Fundos. Mas, aparando algumas arestas encontradas em “Álbum em Família” conclui-se que ele é um filme digno de presença em Gramado, capaz de encontrar uma plateia popular para além de sua exibição no festival.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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