“Aloners”, lançamento exclusivo da MUBI, tem crítica publicada.
Sinopse: Em “Aloners”, Jina, que trabalha no centro de atendimento telefônico de uma empresa de cartão de crédito, evita relacionamentos íntimos, escolhendo viver e trabalhar sozinha. Quando seu vizinho irritante é encontrado morto, os relacionamentos que Jina decidiu ignorar no passado começam de repente a incomodá-la.
Direção: Hong Seong-eun
Título Original: 혼자 사는 사람들 | Honja Saneun Saramdeul (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 31min
País: Coréia do Sul
De Tela em Tela
Cama, geladeira, micro-ondas, televisão. Em apartamentos cada vez menores, pelos quais pagamos fortunas de aluguel nos grandes centros urbanos, vivemos em confinamento. Essa sensação é mitigada pelos excessivos impulsos que as telas das nossas smartvs e nossos smartphones provocam. “Aloners” é a prova de que ir contra essa forma de vida beira o impossível para grande parte de nós. O longa-metragem de estreia da roteirista e diretora Hong Seong-eun chegou ontem ao “parque” exibidor brasileiro com exclusividade pela MUBI, a ótima plataforma de streaming que você pode acessar nas mesmas telas que pautam a existência de Jina (Gong Seung-Yeon), a protagonista da história.
A jovem trabalha no atendimento ao consumidor de uma administradora de cartão de crédito. No celular, quando o pai liga o nome que aparece na tela é “mãe”, recém-falecida. Não apenas ele continuou usando aparelho e linha da esposa, como precisa lidar com a desconfiança da filha. O histórico de traição e abandono do lar aumentou o constrangimento quando Jina ficou sabendo que todos os bens da mulher foi para ele – nada para a filha. Observando à distância, a partir de uma câmera discreta instalada na estante da sala, ela acompanha o luto do pai.
Morando em um prédio recheado de pequenos apartamentos, a personagem que comanda a narrativa de “Aloners” é mais uma daquelas de um cinema contemporâneo de divagação. Transporta insatisfação, ausência de perspectiva e indiferença do boa parte da classe trabalhadora da sociedade atual. Superando a ideia de Sociedade do Cansaço, a imagem que temos de Jina é de uma resiliência irritante. Ela consegue se transportar para longe da realidade no caminho da casa para o trabalho. Para isso, basta apenas um fone de ouvido acoplado em seu aparelho de telefone.
Nunca sabemos qual conteúdo chega à ela por aquele ecrã, à exceção dos momentos em que ela bisbilhota o pai. Ou, talvez, ela passe todas aquelas horas em trânsito fazendo apenas isso. Seung-Yeon cria uma Jina capaz de nos convencer de que, mais do que não ver muito sentido em nossa existência, ela não se importa com isso. É provável que estejamos caminhando a passos largos para uma pandemia de misantropia. Agora não criticamos mais a superficialidade das relações e sim a inexistência do desejo de criar vínculos.
Seu trabalho não é nada desafiador. Com metas de ligações a serem atendidas e tempo de contato, o natural seria que ela se desapegasse do próprio ofício. Porém, há uma motivação por trás da luta diária por sobrevivência através do emprego. Isso poruqe não temos ao nosso lado a concorrência entre humanos e sim uma guerra contra a inteligência artificial, na vã tentativa de adiar a certa substituição das pessoas pelas máquinas. Quando uma nova colega de empresa se propõe a humanizar o atendimento de um homem que insiste que a data de expedição de seu cartão de crédito será um problema quando ele viajar em sua máquina do tempo para a Coréia do Sul de 2002, Jina olha para esta atitude como quem vê alguém que será preso em flagrante por uma conduta hedionda.
Por sinal, esse elemento da viagem no tempo conecta o espectador brasileiro um pouco mais com “Aloners”. É curioso perceber que a sociedade daquele país convive, em alguma medida, com uma depressão pós-Copa do Mundo, um evento de trinta dias que nos faz acreditar que é possível viver em festa, celebrando a união dos povos e que o futuro nos trará bons frutos com os proveitos econômicos. Também fomos enganados por aqui em 2014.
Jina não quer saber de qualquer nuance na prestação de seu serviço. Ela apenas quer colocar os fones de ouvido e tirar até que sua comida congelada fique pronta no micro-ondas para ela trocar o smatphone pela TV da quitinete. Ela deixará para buscar perspectiva (sabe-se lá do que) no que (ainda) chamamos de férias. Na sua casa, a notícia assustadora de que foi incapaz de perceber por dias a morte de um vizinho, parece abalá-la menos do que o encontro (ou reencontro) com o novo morador.
Seu pai é o contraponto de um choque geracional em curso. Acostumado com a socialização, ele carrega consigo planos para quando o respeitoso período de luto se encerrar. Fugindo da subjetividade do julgamento sobre sua pessoa, fica nítido seu receio em gerar desconforto na filha. Por isso inventa supostas crises de saúde que o levam para um hospital, enquanto fala com Jina da sala de sua casa. Para ele, não é possível existir laços unidos à distância. Não compreende como a jovem quer abdicar de qualquer convívio, talvez porque a toxicidade dos contatos humanos do emprego dela não sejam mensuráveis para ele. Ele quer atenção e, como consequência, interpreta mal o que vê como frieza da moça.
“Aloners” é uma estreia excepcional de uma realizadora que coloca as atuais dores do mundo no papel e na tela. Pelo mesmo dispositivo que vemos a existência de Jina se dilacerar, fruímos de uma obra que se alia à forma unipessoal de distribuição audiovisual que, por tabela, critica. Não há qualquer problema nisso. Aliás, que bom seria que o tempo dedicado a este consumo fosse direcionado para criações como esta. Por fim, é possível que o texto seja quase tão divagante quando as sensações do filme. É possível, inclusive, que a causa seja a inviabilidade de focar no que importa, algo que a mistura de pressão externa com a nossa ansiedade de cada dia nos traz.
Veja o Trailer: