Anônimo

Anônimo Nobody Filme Crítica Pôster

Sinopse: Em “Anônimo”, quando dois ladrões invadem sua casa no subúrbio uma noite, Hutch se recusa a defender a si mesmo ou a sua família, na esperança de evitar violência grave. Seu filho adolescente, Blake, está desapontado com ele e sua esposa, Becca, parece se afastar ainda mais. Em consequência, o incidente acerta a raiva latente de Hutch, desencadeando instintos adormecidos e impulsionando-o em um caminho brutal que revelará segredos obscuros e habilidades letais para salvar sua família.
Direção: Ilya Naishuller
Título Original: Nobody (2021)
Gênero: Ação | Crime | Violência
Duração: 1h 32min
País: EUA

Anônimo Nobody Filme Crítica Imagem

Chega de Bob

O pôster de “Anônimo” já revela o grande atrativo e o público-alvo da produção: Derek Kolstad, roteirista responsável pela franquia John Wick. O filme, estrelado por Bob Odenkirk, cumpre os requisitos e supre com folga as expectativas de quem deseja uma nova obra com muita ação, violência, um pouco de nonsense e sequências explosivas. A direção do russo Ilya Naishuller, em boa estreia em longas-metragens, se encaixa bem na proposta narrativa do ordinary man que se vê envolvido (ou novamente envolvido) no submundo para proteger sua família. Sintético, de ritmo regular e intenso, não há tanto o que espremer na tentativa de convencer aqueles que já admiram os responsáveis pelo longa-metragem a assisti-lo.

Talvez seja o caso de imaginar porque há décadas Hollywood nos traz novas histórias repetidas. O que costuma mudar é a intensidade na representação crua. Quanto mais espremidos em crises na sociedade americana, mais violentas e arrebatadoras são as imagens. Há também certa relação com o próprio cinema comercial do país. Estamos em um tempo de blockbusters pasteurizados, por uma empresa que engoliu seus concorrentes e tem nas mãos nove em cada dez sucessos de bilheterias. Se a Disney não quer fugir da proposta de “filmes para a família” e coloca vingadores, jedis, brinquedos falantes e cantoras teens em pé de igualdade, o público busca no entorno as opções. Basta comparar essa obra com a maneira como as crises de “Sem Remorso“, produção original do Amazon Prime Video, se impõe, por exemplo. Ou seja, os concorrentes diretos vão na onda.

Nessa carência de uma reprodução de realidade, de questões do universo adulto, as tintas (de sangue) tendem a se carregar naquelas que assumem tais premissas. “Anônimo” segue a linha de John Wick porque não deixa de atingir o consumidor-padrão, mas atrai quem anda longe das novidades por não se sentir atraído pelo paladar juvenil. Tal qual “Deadpool” (2016), que se ergueu como o ponto fora da curva, o diferencial do gênero de super-herói apenas porque transpôs um personagem minimamente subversivo – e não que a DC e a Marvel não os tenha. Em tempos pouco criativos no audiovisual norte-americano, é bem mais fácil agradar. Quem tenta se distanciar e analisar a trajetória de Hutch Mansell, o protagonista vivido pelo inesquecível Saul Goodman, não consegue compreender o porquê de tanto alvoroço.

Por sinal, a figura de Odenkirk é fundamental – e seu carisma também se consolidou a partir de um produto recebido com honra pela ousadia. “Breaking Bad“, entretanto, contribuiu bem mais para a linguagem e as plataformas nos quais foi inserido do que as histórias de Kolstad defendidas por Keanu Reeves. O plot do filme foi uma sugestão do próprio ator, que teve uma experiência de assalto em sua residência e é inegável que há grandes elementos no filme. A direção de fotografia de Pawel Pogorzelski (o mesmo de “Hereditário” e “Midsommar“, de Ari Aster) é uma delas. Apesar de se propor a ser uma narrativa frenética, agitada, a maneira como nos ambientamos, a frieza das imagens, ampliam a compreensão. Até mais do que John Wick, inclusive – bem mais texturizada e, portanto, interessante de assistir em seus momentos mais violentos.

Outro destaque é useiro e vezeiro de Hollywood: o uso de trilha sonora pop, atirando referências saudosistas, engraçadas e que dão o tom em determinadas sequências. A primeira, quando Hutch conversa com os policiais em uma delegacia (e tira um gato do seu casaco) inaugura “Anônimo” com a clássica “Don’t let me be Misunderstood” – e ainda terá outro arroz de festa, “Heartbreaker” de Pat Benatar, em seu clímax. A montagem estilosa de Evan Schiff e William Yeh também é pouca inovadora, mas magnificamente eficiente. A rotina do protagonista surge em flashes, seus dias de semana parecem todos iguais, do trabalho para casa e vice-versa. Em poucos minutos a construção do personagem está feita, já compreendemos sua frustração e seu cansaço. A facilidade de acesso a armas, comum nos Estados Unidos, está ali enquanto facilitador daquela situação.

Só que esse conformismo desanimador vira a chave para a explosão de raiva acumulada após um trauma. Ele não reage a um assalto em sua residência, que acaba levando seu filho a ser agredido. Por que há tão pouca disposição para se opor e responder ao sistema? O famoso fight back, como os norte-americanos gostam de classificar, vai tomando forma quando Hutch visita o pai, David (a sempre bem-vinda presença de Christopher Lloyd, que completa em outubro 83 anos). Ele aparece em um casa de repouso, aparentemente debilitado. O que nos faz refletir: até quando seu filho será mais uma ferramenta desse mecanismo? Desacreditado até pela própria família, Hutch decide inaugurar seu próprio ciclo de violência. Isso ao som de “I’ve Gotta Be Me”, lançado em 1967 por Steve Lawrence, também em atividade e completando em julho 85 anos. Em certo momento a letra diz: “eu quero viver, não apenas sobreviver“.

No caminho ele baterá de frente com Yulian (Aleksey Serebryakov) e o que seria um rompante vingativo se transforma em uma complexa fuga e proteção da sua família. O homem comum que passa a ser perseguido pelo chefão do crime e parece ter nascido para matar – e ser duro de morrer. Você conhece essa história e desta vez terá o carisma de Bob Odenkirk como líder de elenco, em cenas grandiosas. Enquanto contador de histórias, Derek Kolstad não se preocupa em expor motivações, destrinchar consequências. Também não quer thrillers carregados de complexidade. Portanto, não espere a montanha-russa de emoções de um “Joias Brutas” (2019), mas também não ache que encontrará um punhado de cenas de ação genéricas. “Anônimo” é bom no que se propõe, porque parece que seu público não se cansa do mesmo show.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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