Sinopse: Ambientado em um único lugar, “Aqui” acompanha diversas famílias ao longo de gerações, todas conectadas por este espaço que um dia chamaram de lar. Estrelado por Tom Hanks e Robin Wright, é uma emocionante jornada de amor, perdas, risos e memórias, que nos transporta desde o passado mais distante até um futuro próximo. Uma viagem pela linha do tempo da humanidade, contada de forma emocionante e surpreendente, onde tudo acontece em um único lugar: Aqui.
Direção: Robert Zemeckis
Título Original: Here (2024)
Gênero: Drama
Duração: 1h 44min
País: EUA
Tic-Tac Digital
Chegando aos cinemas brasileiros no próximo dia 16 de janeiro, “Aqui” é mais uma produção dirigida por Robert Zemeckis na qual a tecnologia encontra a emoção. Adaptando a graphic novel de Richard McGuire lançada em 2014 (publicada em formato de tiras nos anos 1980), é um filme-mosaico moderno enquanto forma e alinhado com o que há de mais clássico no conteúdo. Para aqueles que acreditam que a história envolvendo Richard (Tom Hanks) e Margaret (Robin Wright) é a única a ganhar destaque, a surpresa da sessão ficará por conta da quantidade de narrativas que se conectam a partir de uma casa. Ou melhor, do local onde se localiza a sala principal desta casa.
O longa-metragem atravessa os tempos, não apenas se limitando à época em que a construção do século XIX está de pé. Zemeckis faz um prólogo curioso, misturando um pouco do arco introdutório de “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968) com sua obra de maior sucesso, “Forrest Gump – O Contador de Histórias” (1994), pelo qual venceu o Oscar de filme e direção – reeditando aqui não apenas o casal de atores mencionados, mas também roteirista, diretor de fotografia, compositor de trilha sonora e figurinista, o que o torna uma produção-irmã trinta anos depois. Em cima daquele terreno, faz sua primeira brincadeira fantasiosa ao voltar ao tempo dos dinossauros e do asteroide que os destruiu, além da era glacial. Os povos originários também serão mencionados, até aquele espaço ser ocupado pelo colonizador inglês.
Criando seu ecossistema, “Aqui” passa a ditar suas regras. O realizador, então, faz uma proposta diferente ao espectador-médio: a oportunidade de assistir a um filme com apenas um plano, sem qualquer movimento de câmera. O que é lugar-comum para o cinema experimental ganha aura de vanguardismo no circuito comercial. Os truques de edição se dão pela sobreposição de cenas (lembrando a estética da graphic novel), com uma transição que nos desloca através do tempo. Sem qualquer linearidade, Zemeckis nos coloca naquela sala no tempo da Independência do Estado Unidos (antes da construção da casa), passando por todo o século XX e chegando ao período pandêmico.
Com isso, o mosaico do longa-metragem atravessa o tempo sem alterar um centímetro de seu espaço. Desta forma, a obra permite a discussão acerca dos legados de cada geração e dá um toque de ancestralidade, temático em voga nos últimos anos no audiovisual. Dentro das limitações impostas pela produção industrial de Hollywood, podemos dizer que Zemeckis é um dos mais criativos realizadores. Fez isso desde os efeitos visuais dos anos 1980 com “De Volta para o Futuro” (1985) e “Uma Cilada para Roger Rabbit” (1988) até chegar à onda da captura de performance com “Expresso Polar” (2004) e “A Lenda de Beowulf” (2007), passando pelo já citado “Forrest Gump”. Consegue aliar os efeitos visuais e o sentimentalismo com a fuga pelo óbvio, mesmo que o público se veja por vezes diante de certa artificialidade. Em “Aqui” ele cria um quadro animado, uma espécie de slide na qual testamos os filtros das “épocas” – e isso funciona muito bem.
Isso torna toda a experiência da sessão mais divertida do que estamos acostumados nos últimos tempos. A aplicação da tecnologia para rejuvenescer o elenco não rouba seu protagonismo porque o excelente trabalho de direção de arte nos leva a uma mise-en-scène com um leque de referências de objetos e figurinos. Parece que estamos em diversos tabuleiros de Lince, nos quais devemos não apenas apontar coisas, mas também nos aproximar do tempo exato na qual aquela cena acontece. Destaco a velocidade com a qual as transformações de uma sala passaram nas últimas décadas, exigindo e pressionando todos nós a viver em constante mudança. Aliás, o desejo de mudança é a mola propulsora para quase todos os personagens e fator de conflito entre Richard e Margaret.
No mais, “Aqui” fala de História também de forma tabelar e interessante. Uma tendência da “safra de 2024” da temporada de premiações, já que o foco da obra são as relações familiares. Há uma sequência em que uma geração encena o ocorrido no período da Independência naquela mesma cidade, logo após assistirmos à encenação real. Um momento que abre discussão sobre como nunca há uma mera repetição de um fato histórico e sim uma reencenação daquilo que, através das leituras posteriores, entendeu-se que deveria permanecer.
Nada disso tornaria o filme tão marcante se o diretor não convertesse as representações em emoção. E isso é algo que não podemos negar enquanto característica do cinema de Zemeckis. Podemos citar com exemplos desde as pequenas referências cotidianas como o programa de exercícios aeróbicos de Jane Fonda nos anos 1980 e apresentação dos Beatles no Ed Sullivan Show nos anos 1960 (e que remete ao longa-metragem de estreia do realizador, a ótima comédia “Febre de Juventude”, de 1978) até a demonstração de lutas femininas pela ocupação do mercado de trabalho e o sufrágio. Entre o leque de pequenos dramas familiares e a performance tecnológica, sorrisos tirados pela forma como as relações humanas criam humor involuntário.
Por fim, na única quebra de expectativa pelo olhar da linguagem básica do Cinema, “Aqui” perto do fim vai alterando seu enquadramento e possui a única mudança de plano, a partir de um suave movimento de câmera. É quando, por conta do histórico que a obra cria, Zemeckis, McGuire e, principalmente, Robin Wright, a obra consegue nos fazer chorar e mostrar que o imediatismo e os algoritmos podem até se alinhar, mas jamais substituir o que há de humano na Arte.
Veja o trailer: