Sinopse: “Aranha” tem início na década de 1970, quando Inés, Justo e Gerardo pertenciam a um violento grupo nacionalista que pretendia derrubar o governo de Salvador Allende. Em meio ao fervor desse conflito, eles se envolvem em um apaixonado triângulo amoroso e cometem um crime político que os separa para sempre. Quarenta anos depois, Gerardo surge inspirado não apenas pela vingança, mas também pela obsessão de reviver a causa nacionalista. Quando ele é preso por assassinato e a polícia descobre um arsenal em sua casa, o caso inevitavelmente passa a envolver seus antigos aliados. Mas Inés, hoje uma influente empresária, fará de tudo para impedir que Gerardo revele o passado dela e de Justo, seu marido.
Direção: Andrés Wood
Título Original: Araña (2019)
Gênero: Thriller | Drama
Duração: 1h 45min
País: Chile | Argentina | Brasil
Entre Teias
O Chile continua a comemorar a desvinculação com a período ditatorial de Augusto Pinochet que se deu domingo, dia 25 de outubro de 2020, com expressiva votação popular. Esse período durou de 1973 até 1990 com o golpe do, então, general-chefe chileno no presidente socialista Salvador Allende. Apesar da ditadura chilena ter terminado em 1990, a Constituição imposta por Pinochet permanecia a mesma, por isso a comemoração tão intensa e compartilhada entre os demais países da América Latina nos últimos dias.
Essa é a realidade que Andrés Wood explora em “Aranha“. O início do governo de Allende, até seu sugerido fim, é narrado através do olhar de três jovens integrantes do movimento ultranacionalista Pátria e Liberdade. O filme, assistido na programação da seção Perspectiva Internacional da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, deve ganhar logo os grandes circuitos do Brasil – e acho interessante trazer um pouco do contexto político/social para o debate, já que esse parece ser também um interesse particular de seu diretor. Wood já o havia explorado em “Machuca” (2004), de forma inteiramente diferente, mas tratando do grande conflito entre esquerda e direita – que hoje se reatualiza.
Ao retomar a vida das personagens nos dias atuais, provocada por um temido reencontro, o cineasta nos oferece um thriller político bem construído e que nos prende, apesar de não utilizar grandes reviravoltas ou mistérios. Há, no entanto, a angústia que paira no ar. Aquilo que faz com que os olhos de Inês (Mercedes Morán) e Justo (Felipe Armas) permaneçam abertos durante as noites posteriores ao aparecimento de Gerardo (Marcelo Alonso). Após conhecer o outsider durante sessão de fotos no ano de 1971, o casal o integra ao mundo de ostentação e reuniões políticas do Pátria e Liberdade (além das violentas escapadas noturnas que, inicialmente, incluem espancamentos e linchamentos). Formado por integrantes jovens de dois mundos opostos – o da riqueza e o do descolamento identitário, como trecho do próprio filme esclarece – trata-se de um movimento que efetivamente existiu.
Ao partir de um fato real para construir sua narrativa ficcional, “Aranha” mostra não somente o conflito geracional e econômico (ora entre o filho e o casal conservador, ora entre a população chilena de maneira mais estendida), mas também as maneiras que são encontradas para contornar ou remodelar os erros não tão (nem um pouco…) inocentes do passado. Inês e Gerardo não nos encantam tanto quanto personagens como o próprio Machuca ou Alexander Kerner (o ator Daniel Brühl em “Adeus Lênin“, de 2003). Porém, trazem, ao menos, o gosto que as melhores narrativas políticas trazem. O filme, então, não decepciona. Embora sinta falta de um maior envolvimento com as personagens, que poderia ser gerado por um relato mais completo sobre suas escolhas e caminhadas, não sei quais sequências e cenas poderiam ser retiradas para essa construção fosse elaborada.
Em suas quase exatas uma hora e meia, “Aranha” caminha bem e poderia se tornar redundante, caso fosse alongado. As patas esquerdas e direitas da aranha nos agarram, mas quase nos deixam escapar. Talvez, seja essa a sensação que ele queira deixar. Mas, tenho dado um crédito enorme para construções e projetos que tratam de temas complexos e importantes sem caírem no pedantismo, provocando a vontade de pensar sobre e ou discutir determinado assunto. Se há alguma saída para a realidade vivida tanto no período ditatorial sul-americano quanto agora, acho que ela só pode ser tecida por aí.
Veja o Trailer:
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