Sinopse: Em “Armadilha”, um pai e sua filha adolescente assistem a um badalado show de música pop, quando percebem que estão no epicentro de um evento sombrio e sinistro.
Direção: M. Night Shyamalan
Título Original: Trap (2024)
Gênero: Suspense | Mistério | Thriller | Policial | Crime
Duração: 1h 45min
País: EUA | Canadá
Quem Show do Shy é Esse?
Depois de passar há três meses nos cinemas brasileiros, “Armadilha” chega ao catálogo da Max para a alegria dos fãs do produtor, diretor e roteirista indiano radicado nos Estados Unidos, M. Night Shyamalan. É sempre sugerido ler sobre as obras do realizador após assisti-las, já que o desconhecimento de boa parte da trama é fundamental. Basta ver que o longa-metragem foi vendido como a história de um pai, Cooper (Josh Hartnett) e sua filha adolescente, Riley (Ariel Donoghue) que “se veem” no meio de um “evento sinistro”, quando – com pouco tempo de tela – já sabemos que é muito mais do que esse simples plot que a divulgação nos propõe.
Sempre que um novo lançamento escrito e dirigido por Shyamalan chega aos cinemas, é inevitável tratar das opiniões extremas acerca do trabalho do cineasta. Há quem o adjetive como subestimado (o que, convenhamos, perdeu um pouco o sentido nos últimos anos, já que ele voltou a ser prioridade no acordo de distribuição que possui junto a Warner). Por outro lado, alguns o apontam como alguém perdido entre ser um “roteirista ruim”, o que se sobrepõe ao “diretor virtuoso”. O certo é que a marca de “novo Hitchcock” que o acompanhava na mídia de seus longas-metragens no início dos anos 2000 desde a dupla indicação ao Oscar pela direção e roteiro de “O Sexto Sentido” (1999), sempre contaminou essas leituras.
Talvez “Armadilha” seja um dos mais hitckcokianos filmes de Shyamalan, por algumas ferramentas que o saudoso “mestre do suspense” utilizava com maestria. O uso do espaço fechado de um concerto de música, a ópera contemporânea para um mundo espetacular, acelerado e populoso, é um deles. A história nos coloca em uma sequência de problemas e soluções que se valerão daquele espaço para operar. O realizador já declarou que se inspirou de certa forma na Operação Flagship, que ocorreu em Washington em dezembro de 1985.
Saem os binóculos do público dos grandes teatros dos séculos passados e entra a imagem vista de forma limitada pela tela dos celulares. O protagonista Cooper, no momento em que a apresentação de Lady Raven (Saleka Shyamalan) tem início, prende sua atenção a essa forma de consumo agora consolidada na sociedade. Estamos diante de milhares de pessoas, em um estado de confinamento e tensões, mas nada parece ser absorvido por uma plateia que escolhe abdicar da grandiosidade de um evento com um palco gigante para, sob a desculpa de eternizar a experiência, ver tudo aquilo na pequena tela que chama de sua.
Já Lady Raven, a estrela do espetáculo, é apresentada com os elementos típicos dos astros pop dos últimos anos, sendo Taylor Swift a referência mais flagrante. Com um discurso que mistura auto aceitação e crescimento pessoal, sob o manto de acolhimento a todos os presentes, é uma figura moldada para a idolatria dos adolescentes. Os dramas dos jovens sempre existiram e hoje parecem potencializados pela fluidez da comunicação. Até por isso, Cooper conseguirá convencer o representante da produção (o cameo da vez do “aparecido” Shy) a levar sua filha a ter um encontro com a cantora favorita da última temporada, apostando nos benefícios que a própria artista terá ao receber uma fã que superou uma (falsa) doença.
Shyamalan brinca com os dramas adolescentes e coloca um mistério insolucionável ao seu público. O espectador fica curioso para saber o motivo da relação conturbada entre Riley e a colega de escola agora afastada, a qual também está no show. Pode ser algo muito grave, mas – conhecendo os mais novos – pode ser algo que beira a futilidade. O longa-metragem prenderia nossa atenção se ficasse todo o tempo de projeção nos limites do concerto. Porém, o realizador usa de outra forma hitchcockiana de agir, a partir da quebra de expectativa.
Assim como, no mais clássico dos exemplos, em “Psicose” (1960) a morte de Marion Crane (Janet Leigh) assusta a plateia no meio da obra, aqui a confirmação de que Cooper é o Açougueiro procurado pelas autoridades dá início a uma nova fase da narrativa. Há quem opere na dúvida pela maneira como o protagonista se infiltra nos bastidores – e aqui o diretor está particularmente inspirado, se valendo de planos zenitais, enquadramentos frontais e foco em objetos que nos mantém sempre em alerta enquanto não cumprem sua função. A partir disso, Cooper se assume como um serial killer que precisará, de fato, escapar da teia de armadilhas criada pelas autoridades.
Não julgue “Armadilha” pela inocência de algumas soluções ou até pela ausência de lógica em atitudes e decisões tomadas por suas personagens. Lady Raven, por exemplo, me soa como uma figura satirizada por Shyamalan. Para aqueles que acreditam que o discurso messiânico e toxicamente positivo dos artistas pop é genuíno, talvez o heroísmo daquela mulher seja bem encaixado. Já para os céticos, é um elemento ainda mais divertido de toda aquela trama. Aliás, é curioso que o concerto seja parte da apresentação das músicas da filha do diretor, Salenka Shyamalan, que desenvolveu toda a trilha sonora como parte das cenas em que as músicas seriam executadas. Uma forma de se promover também enquanto cantora pop. Nas notas de produção, também se destaca a forma como o diretor liderou os figurantes, dando poucas informações sobre a narrativa e pedindo apenas que decorassem as músicas e “curtissem o show”, fazendo com que seja mais real a imersão deles nas cenas, interagindo de forma natural com o elenco.
Há, ainda, um outro diálogo com as narrativas e códigos de Hitchcock que soam quase como uma homenagem do cineasta. A forma como o trauma provocado pela relação com a mãe de Cooper aparece é quase tão atravessado e pouco desenvolvido que se torna mais um ponto cego ao espectador. Assim como fez com “Corpo Fechado” (2000), que depois se tornou uma trilogia capaz de se debruçar sobre outros aspectos dos protagonistas, o assassino Cooper também soa como uma personagem muito promissora e um dos motivos é esse passado pouco explorado.
Resta saber se os detratores aguentariam uma nova incursão ao Shyamalanverso a partir de “Armadilha”. Os adoradores já sabemos que farão fila na porta do cinema – e qualquer coisa diferente disso seria o grande plot twist da carreira do indiano.
Veja o trailer: