Armugan

Armugan Filme Crítica Poster

45ª Mostra SP LogoSinopse: Em um vale isolado nos Pirineus Aragoneses, a lenda de Armugan faz parte do imaginário local. Ela conta que Armugan se dedica a uma profissão terrível e misteriosa que ninguém se atreve a nomear. Dizem ainda que Armugan se move pelos vales agarrado ao corpo de Anchel, seu fiel servo, e, juntos, compartilham o segredo de um trabalho tão antigo quanto a vida, tão terrível quanto a própria morte.
Direção: Jo Sol
Título Original: Armugan (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 30min
País: Espanha

Armugan Filme Crítica Imagem

Entre a Tristeza e a Paz

Quando pensamos em obras audiovisuais que usam o virtuosismo estético de forma vazia e assim o colocamos enquanto aspecto, é comum que alguém refute pedindo exemplos em que esse expediente é utilizado de forma, digamos, positiva. Por isso, “Armugan” é um nome que merece ficar gravado na memória. O longa-metragem espanhol, dirigido por Jo Sol e exibido na mostra Perspectiva Internacional da 45ª Mostra SP não deverá ser tão assistido quanto “O Farol” (2019) ou “Roma” (2018), por exemplo. Porém, para quem terá a sorte de vê-lo nos próximos dias, sua história ficará marcada pelo equilíbrio em não deixar suas lindas formas se perderem em relação às representações.

O filme traz o protagonista ao lado de Anchel. De acordo com a lenda, Armugan seria o oposto de uma doula – ou, melhor dizendo, “a última doula da vida”. Alguém que aparece para tornar a sua morte um processo menos doloroso para todos. A própria existência dele (ou exercício de existência) já é o suficiente para isso. Afinal, a vida enquanto nosso bem mais precioso torna a irrecorrível sentença de sua finitude algo muito difícil para alguns. Em sua propriedade no alto dos Pirineus Aragoneses, a dupla possui um rebanho de ovelhas e uma rotina simples de esperar o próximo chamado. No tempo livre, aquele pequeno homem, que não consegue se deslocar sem a ajuda do amigo, cultiva vida. Brotos promissores os quais ele dá especial atenção.

A grande característica do personagem, que impulsiona a narrativa de “Armugan” é a de que, na essência, ele não escolhe seu trabalho – é escolhido. E aqui o espectador se encontra livre para suprir a lacuna de acordo com sua fé (ou ausência dela). Uma bonita metáfora que cria situações na qual é inútil (e até um pouco errado) apelar para a morte, na figura de seu representante. Por sinal, a própria ideia de que Armugan traz consigo o fim (e não o início de um novo processo) também se destaca em uma trama simples, que explora ao máximo as poucas situações nas quais o público é colocado. Boa parte delas são reflexos ou projeções dessas características que vinculamos ao fato de alguém que se vai: a tristeza quando a partida é precoce, violenta, dolorida ou de uma pessoa cheia de planos; e a paz de consolar a nós mesmos ao conectar a morte ao descanso, geralmente em face do sofrimento em vida.

Talvez aqui resida uma grande diferença para uma doula. Por mais que ele permita e desenvolva ambientações, o último sopro de existência nesse plano (ao contrário do primeiro) dá início ao sofrimento de quem ama aquele que se foi. Porém, não é porque há casos em que já existe essa dor que o rompimento do fluxo natural dessa existência precisa acontecer. Um exemplo é a mãe que assiste ao seu filho definhando em uma cama de hospital, tão jovem e sem esperanças de uma vida longa. Aliás, nunca chegamos, enquanto sociedade, perto de debater a ética do infanticídio que outras espécies de animais praticam e nunca foi totalmente compreendida pela Biologia.

Uma explicação é que a Humanidade tem por hábito lutar pela própria sobrevivência – sem que isso evite que cometamos grandes barbaridades contra a vida de outros, claro. Todavia, é um fardo muito grande ter nas suas mãos a morte de alguém que ama. Nessa ficcionalidade proposta por Jo Sol, em que um Armugan poderia materializar o que uma mãe acreditar ser o melhor para o filho, a segunda metade do filme se formata de forma mais tradicional. Talvez Anchel, enquanto aprendiz, não carregue consigo os mesmo princípios éticos de cumprir suas funções apenas na hora certa.

Ao final de “Armugan” o espectador leva para casa o seu próprio dilema – e que deveria se estender para sua rotina. Afinal, a lição é bem vinda: vida e morte são realidades opostas ou coexistentes? Sim, parecido com a construção de pensamento que vincula a lenda a uma doula. Partindo da história desse ser que põe termo ao que chamamos de vida – sem transparecer de que cultiva apenas a morte, somos convidados a compreender e desmistificar nossa própria existência – para além de um simples exercício estético de uma obra que, também, nos arrebata por esse ponto.

Veja o Trailer:

Clique aqui e acesse a página oficial da 45ª Mostra SP.

Clique aqui e acesse os textos da nossa cobertura.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *