Arremessando Alto

Arremessando Alto 2022 Filme Netflix Crítica Apostila de Cinema Poster

Sinopse: Em “Arremessando Alto”, um olheiro de basquete azarado encontra um jogador com potencial de sucesso e se esforça para provar que ambos merecem chegar à NBA.
Direção: Jeremiah Zagar
Título Original: Hustle (2022)
Gênero: Esportes | Drama
Duração: 1h 57min
País: EUA

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Apostas Improváveis

Chegando ao catálogo da Netflix cercado de expectativas, “Arremessando Alto” consegue o que para alguns ainda parece impensável, em outra boa performance como ator de dramático de Adam Sandler. Com produção dele e de um dos maiores astros de basquete de todos os tempos, LeBron James, o filme narra o encontro de um olheiro do Philadelphia 76ers, tradicional franquia da NBA (e terra de Rocky Balboa, como, obviamente, seria lembrado em algum instante), e um jogador amador espanhol em sua busca por uma espaço na maior liga do esporte em todo o mundo.

Primeiro vale registrar uma das grande decisões de King James aqui: não trazer para si a responsabilidade de atuar. Com nomes históricos e grandes astros contemporâneos no elenco, o multi MVP e atual líder dos Los Angeles Lakers deve ter percebido após seu trabalho em “Space Jam: Um Novo Legado” (2021) que é melhor dar espaço para outros nomes. Por sinal, Kenny Smith, no papel de Leon, agente e ex-companheiro de time do protagonista, é uma ótima surpresa. O nova iorquino, bicampeão da NBA com os Houston Rockets, tem grande tempo de tela e dá conta do recado.

A trajetória mais interessante de acompanhar em “Arremessando Alto“, a despeito da também boa atuação de Juancho Hernangomez (atual pivô do Utah Jazz) é a de Stanley Sugerman, personagem de Sandler – que, apesar dos elogios, ainda está bem melhor em “Joias Brutas” (2020), uma das produções mais injustiçadas da história da Netflix. Ele é responsável por monitorar futuros talentos ao redor do mundo. Não analisa apenas a qualidade técnica e a força física, mas ingredientes fundamentais na receita do sucesso em um ambiente milionário e de alta pressão. A disciplina, pontualidade e o espírito de equipe são alguns deles.

O grande embate de Stanley é com Vince Merrick (Ben Foster) filho privilegiado do dono do 76ers, Rex (em participação especial de Robert Duvall). Para quem não tem contato com os esportes norte-americanos, as franquias das grandes ligas (como NBA, NFL e MLB) são, em sua maioria, propriedades de pessoas físicas, que não sabem onde guardar mais dinheiro. Algumas submetidas a grupos de acionistas, mas, em boa parte, são reflexos dos anseios de seus donos – tal qual o SBT de Silvio Santos. Assim como Abravanel, é natural que eles criem cargos para atrair os parentes mais próximos, que nem sempre tem a preparação ideal para exercer tais funções.

O sonho de Stanley é se tornar técnico e ser olheiro é apenas o início deste organograma. Rex Merrick finalmente lhe oferece um cargo de assistente técnico, no qual deixará de passar meses viajando e comendo todo o tipo de fast food norte-americano (para alegria da esposa Teresa, Queen Latifah, e da filha, Alex, Jordan Hull). Só que o ricaço morre pouco tempo depois e Vince, que já possui uma rixa pessoal, o rebaixa novamente. Assim como o protagonista de “Jerry e Marge Tiram a Sorte Grande” (2022) – filme do Paramount+ assistido no mesmo dia de “Arremessando Alto”, estamos diante de homens no fim do ciclo da meia idade, quase chegando à velhice.

Na cabeça deles ressoa a ideia de que não viveram de uma maneira que valesse à pena, não atingiram seus objetivos. Se sentem limitados pela idade, passando a interpretar a bem-sucedida estabilidade da sua família em um arrependimento pela acomodação. Esse tipo de protagonismo, aqui no roteiro de Taylor Materne e Will Fetters (indicado ao Oscar pela adaptação de “Nasce uma Estrela” de 2018), é parte de um processo natural da sociedade.

A qualidade de vida de quem passa dos cinquenta anos melhorou, mas continuamos tendo nossos gatilhos de frustração. Stanley chega a dizer para a esposa que “caras de 50 anos não têm sonhos”, mas se contradiz no momento em que Leon o convida a se tornar agente de jogadores e deixar para trás a ideia de ser técnico. O que dói mais no protagonista de “Arremessando Alto” é não receber crédito e confiança pelos trinta anos de serviço prestado aos 76ers – assim como Jake e a linha de produção de flocos de milho. Em outro momento do longa-metragem Stanley diz que, passado tanto tempo, “é como se ele fosse um nada”.

A direção de Jeremiah Zagar joga bem com as imagens dos corpos da dupla de protagonistas, transformando as tatuagens do jogador e a história por trás do machucado nas mãos do olheiro como partes importantes da narrativa, sem precisar exagerar na verbalização de seus traumas. Em contraponto a Sandler, temos o jovem Bo Cruz, que desde adolescência deixou de jogar basquete para trabalhar na construção civil. Pai solo, conta com a ajuda da mãe para trazer uma estabilidade para a filha com dificuldade que os Sugerman não imaginam passar. O norte-americano bancará sua ida à Philadelphia para tentar ser draftado no limite de idade pelo 76ers, mesmo que isso custe seu emprego.

Aos poucos a velha tática de desenvolver uma relação fraternal vai funcionando em “Arremessando Alto”, com Stanley projetando o filho atleta e Bo o pai incentivador que nunca tiveram. As engrenagens são pouco inovadoras, mas estamos diante bom filme de esportes. Conta com todo o apoio da NBA e participações incríveis, sem que isso se torna um fan service. Enquanto Trae Young aparece auxiliando uma das peneiras do draft, Julius Erving tem papel importante como astro que volta ao noticiário após ter um vídeo viralizado. Já Allen Iverson e Luka Doncic emprestam suas imagens simulando pequenas postagens em redes sociais.

Desta forma, a obra atravessa gerações de grandes basquetebolistas e trata do caminho para o sucesso e das etapas que compõem a chegada de um jovem à NBA sem virar refém desse leque de referências. Hernangomez possui não apenas boa química com Sandler, mas incorpora o carisma de um atleta da NBA. É convincente ao explorar o seu ofício, mas também como ator. Não podemos esquecer de mencionar que “Arremessando Alto” chega em momento estratégico no circuito, nas semanas das finais da NBA (que consolidaram a dinastia do Golden State Warrios com seu quarto título em oitos anos, após combeack inesquecível do time dos Splash Brothers)

Já a montagem de transição da história, que geralmente acontece no meio do filme, ocorre em duas partes – conectadas pela grande mudança no comportamento de Bo Cruz. Para além da velha narrativa de superação de desafios, pela mentoria de alguém mais experiente (o que enche as cenas de diálogo com mensagens motivacionais), o que se destaca na trajetória do jovem é parte importante do que se observa nas personalidades vinculadas ao esporte nos últimos anos. Em tempos em que a exposição é cada vez maior para além do espaço de jogo, adicionando ainda mais pressão em atividades de alta performance, a capacidade de concentração e resiliência se tornou fundamental para os grandes êxitos.

Antes as narrativas dos grandes gênios se pautavam pela humanização do atleta. Nas horas vagas ou até mesmo em situações-limite, era comum que eles perdessem o foco. Porém, o preparo psicológico, a mente fechada para os problemas de fora – e de dentro do esporte – se tornaram um aspecto relevante. No tênis, por exemplo, o discurso de Rafael Nadal, maior vencedor de grands slams, fala em tratar cada ponto de forma isolada, Uma leitura de jogo motivada por uma doença degenerativa que o obriga a jogar anestesiado e que a brasileira Bia Haddad Maia já disse que passou a aplicar – e hoje ela se tornou a jogadora do país mais bem ranqueada da história. Já no basquete, ambiente do longa-metragem, a ideia do trash talk, a provocação dentro de quadra.

Em “Arremessando Alto“, Bo precisa naturalizar essa forma de tirar a sua concentração e ir além dela. Fechar a mente o mais rápido possível, antes que qualquer rompante de raiva ou até mesmo erros de execução interrompam sua caminhada ao estrelato. Pode parecer algo simples para os mais velhos, mas se imaginar na casa dos vinte anos com essa postura torna tudo mais difícil. Quando o processo de humanização se tornou produção de conteúdo em redes sociais e passou a se esperar apenas a perfeição durante o jogo, nos distanciamentos mais dos valores do esporte. Abrimos passagem para a chegada de gênios e seus recordes que parecem insuperáveis, mas perdemos componentes que vão além de uma disputa.

Inclusive, a transmissão de um jogo de peneira do draft da NBA para todo o mundo, por exemplo, mostra como todos os passos dos novos astros são registrados. Quando o próprio LeBron James despontou no high school, os vídeos de seus feitos eram coisa rara. Hoje, tanto nos EUA quanto no Brasil, é comum que aspirantes de seis, sete anos de idade tenham seus perfis no Instagram administrado pelos pais com discursos prontos para cada vitória e derrota de suas equipes. É uma nova forma de entender o esporte – e também uma nova forma de usá-lo como perspectiva de sucesso. Aliás, falamos um pouco dessas diferenças geracionais nos textos duplos sobre a franquia Space Jam (o já citado em “Space Jam: O Jogo do Século“, de 1996, estrelado por Michael Jordan).

Uma história como a de Bo, de alguém que rompeu com o caminho natural de testes e peneiras infinitas até a profissionalização, são cada vez mais raras. No futebol, a chegada de Junior Messias ao time do Milan em 2021 foi uma delas. Ele, que aos vinte anos foi tentar a vida na Itália trabalhando como entregador de eletrodomésticos, foi campeão italiano aos 31 em uma equipe em reconstrução quando já devia ter perdido as esperanças de enriquecer pela bola, atuando em ligas amadoras.

Arremessando Alto” pode se transformar em uma forma da Academia fazer jus aos bons trabalhos de Adam Sandler. Querendo ou não, ele já foi uma grande alavanca de bilheteria em Hollywood, além de parte importante no processo de migração de produções ao assinar contrato extenso com a Netflix. Sempre que saiu da zona de conforto das comédias foi muito bem. Algo parecido com o que levou Sandra Bullock a levar sua estatueta por “Um Sonho Possível” (2010), que tinha o futebol americano como pano de fundo. Com clichês bem articulados e servindo de forma distintas para os fãs da NBA e aqueles que gostam apenas de uma boa história, o único obstáculo será a permanência da obra na memória do grande público pelos próximos meses.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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