Artigo | African Women in the Time of Covid-19

Artigo | African Women in the Time of Covid-19 Poster

Artigo | African Women in the Time of Covid-19

Como Enfrentar a COVID-19 Sendo uma Mulher Africana?

A Mostra de Cinemas Africanos com curadoria de Ana Camila Esteves (Brasil) e Beatriz Leal Riesco (Espanha/ Estados Unidos) é um evento itinerante que se propõe a dialogar com a produção contemporânea do continente Africano. Na African Women in the time of Covid-19, parceria com o Africa in Motion Film Festival, foram exibidos 10 curtas sobre o impacto na vida das africanas.

Com curadoria da Ladima Foundation e da DW Akademies, a African Women in the time of Covid-19 contou no Brasil com o apoio e a divulgação da Mostra de Cinemas Africanos. Dessa forma, podemos encontrar uma versão com legenda em português tanto nos dez curtas-metragens, quanto no texto curatorial da Mostra.

Exibido na página do Africa in Motion Film Festival, o festival conta com obras de pequena duração, visto que a proposta é que as realizadoras dessem contas das dificuldades enfrentadas durante o período de confinamento. Contando com documentários e ficções, os filmes revelam a fragilidade das africanas tanto em relação ao abuso físico, quanto a uma vulnerabilidade financeira.

Como se trata sempre da realidade das mulheres e suas percepções e vivências nesse período da Quarentena, um dos assuntos que mais aparece, junto ao da violência do parceiro, é a educação dos filhos nesse momento tão particular.

Logo na abertura, como “Máscara Facial“, Neha Manoj Sha nos revela uma sensação que já ocorre durante o período de criação dos filhos, mas que se intensifica com a convivência direta e contínua. “Será que sou uma boa mãe?“, se pergunta a diretora. Essa é uma pergunta que tenho escutado com frequência das amigas que já possuem filhos e que precisam lidar com os afazeres da casa, o trabalho – que continua normalmente, apesar do confinamento – e fazem também papel de educadoras no sentido estrito da palavra. Precisam também dar conta dos trabalhos escolares e atividades educacionais de seus filhos que, anteriormente, passariam um período na escola. A responsabilidade, como era de se esperar, recai sob a mulher. A mãe. Algum tempo sobra para suas subjetividades? Quanto à figura do pai, essa também aparece nas narrativas das africanas, mas sempre como abusador.

Os números são de provocar náuseas. Contudo, os curtas me fizeram lembrar da ficção “Joy” (2018), recentemente analisada na Apostila de Cinema, bem como nas alternativas de fuga das mulheres africanas.


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O segundo filme, “Com amor, Zawadide Wambui Gathee, revela uma mulher que vive sofrendo abusos constantes do marido que, como estão 24 horas por dia em casa, se tornaram mais frequentes. Ao fazer uma analogia aos monstros enfrentados e ao medo de reação, a ficção poderia acabar de uma maneira trágica, porém não incomum. Muitas mulheres, principalmente as que vivem sem suporte da família, acabam por optar por soluções drásticas por não enxergarem outra saída.

O medo é definidor de todas as narrativas apresentadas. Porém, é impossível se preparar para os dados que são apresentados por “Moyo“, filme de Hellen Samina Ochieng. Ainda que saibamos que durante a Quarentena, a violência sexual, física e verbal aumentou absurdamente, ela nos apresenta números alarmantes. Nesse período 45% das mulheres entre 15 e 49 anos sofreram violência física. Em seu país, Quênia, a cada trinta minutos uma garota é violentada.

Com esses números em mente, conhecemos a situação de uma profissional de saúde que precisa continuar a trabalhar e deixa a filha na casa do pai. Como tantas trabalhadoras que não possuem essa opção, essa se encontra em um dilema, porém não pode deixar de receber o salário, já que é a única a cuidar da menina. Bom, o resultado também vem em forma de agressões físicas ao corpo tão jovem.

Assim, podemos fazer uma ponte com o próximo filme, “Ciclo: Todo fim tem um começo”, de Faith Ilevbare. Nele, é um menino que flagra a agressão do pai. Assim, mais um dado nada animador é posto em jogo. Quatro a cada cinco famílias que possuem uma relação de abuso durante a infância do filho, veem essa estrutura ser modelada em novas famílias. Ou seja, o abuso se repete a partir de um menino que entende que a masculinidade passa pela agressão aos filhos e esposa. E, Ilevbare, tem razão, é preciso romper esse ciclo, mas, para que isso ocorra, há necessidade de denúncias e diálogos com essas criança para que elas entendam que a violência não é parte de um relacionamento saudável. Que essa agressão não deveria fazer parte de seus cotidianos, nem dos de suas mães.

Em “Te ligo mais tarde“, de Aurelie Stratton, observamos um diálogo no qual o abuso é intuído pela mulher do outro lado da linha, mas nos é revelada aos poucos. Ainda que a personagem procure fazer de tudo para não iniciar a briga, outra agressão se repete. Ela mente quanto perguntada, mas sabemos que o medo e a vergonha imobilizam muitas mulheres. Assim, algumas continuam a viver o relacionamento abusivo por muitos anos.

Tanto em “Amor da Minha Vida“, de Chioma Divine Favour Mathias, quanto em “Mundos opostos“, de Yehoda Hammond, a questão social é o centro do debate. Enquanto no primeiro curta-metragem observamos a mãe de uma menina com deficiência visual sofrer por não poder mais pagar os tratamentos para filha e pouco ter para comer, o segundo explora a possibilidade da educação remota. Esse é um problema que também estamos discutindo no Brasil por entendermos que nem todos possuem a possibilidade de assistir e absorver conteúdo a partir da internet. Às vezes, o que falta é a conexão, em outras o próprio equipamento. Assim, vemos meninas com realidades bem diferentes enfrentarem o segundo ano do ensino fundamental de maneira que, certamente, afetará seu aprendizado presente e futuro. As estruturas estão todas organizadas para que esses mundos continuem bem distantes um do outro.

Seguindo com “Mancada“, de Fezeka Tholakele, que opta por trazer o problema financeiro de maneira mais leve ao criar uma ficção na qual uma mulher, devedora de homens tradicionais, pede ajuda a seu marido virtualmente. Porém, a confusão faz com que a relação entre formalidade e informalidade causem um certo desconforto.

Finalmente, as duas obras finais destoam um pouco do restante da produção, mas nem por isso são menos importantes. “Existir“, de Malak El Araby e “A tempestade“, de Skinnor Davillah Agello trazem leituras de mulheres que possuem uma situação financeira mais estável. Dessa forma, seus conflitos partem de uma análise introspectiva sobre as possibilidades antes e após o confinamento. Ambas narradoras apresentam espaços, sentimentos e sensações que foram perdidas durante o confinamento, mas enxergam nesse choque uma capacidade de dar valor aos pequenos prazeres.

Contando com narrativas rápidas, porém diversas em linguagem e forma, além de trazer alguns países do continente como representantes, a African Women in time of Covid-19 surge como uma boa maneira de entender os problemas estruturais de África e como chance de acompanhar as narrativas de realizadoras que dificilmente chegariam ao Brasil em outra ocasião.

Assim, tanto a iniciativa da Africa in Motion Film Festival na produção da Mostra, quanto a da Mostra de Cinemas Africanos de traduzi-la e divulgá-la são importantes para que tenhamos cada vez mais acesso ao conteúdo visual produzido por africanas, mas também para trazer à tona debates tão importantes quanto os iniciados em poucos minutos.

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Lista de Obras do African Women in the Time of Covid-19

Máscara Facial à Venda, de Neha Manoj Sha (Quênia)
Com amor, Zawadi, de Wambui Gathee (Quênia)
Moyo, deHellen Samina Ochieng (Quênia)
Ciclo: Todo fim tem um começo, de Faith Ilevbare (Nigéria)
Te ligo mais tarde, de Aurelie Stratton (África do Sul)
Amor da Minha Vida, de Chioma Divine Favour Mathias (Nigéria)
Mundos opostos, de Yehoda Hammond (Gana)
Mancada, de Fezeka Tholakele (África do Sul)
Existir, de  Malak El Araby (Egito)
A tempestade, de Skinnor Davillah Agello (Quênia)

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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