As Gêmeas Silenciosas

As Gêmeas Silenciosas (The Silent Twins, 2022) - Crítica do Filme - Pôster

Sinopse: Em “As Gêmeas Silenciosas”, June e Jennifer são gêmeas da única família negra de uma pequena cidade do País de Gales. Após uma onda de vandalismo, são condenadas a um notório hospital psiquiátrico, onde enfrentam a decisão de se separarem para sobreviver ou morrerem juntas.
Direção: Agnieszka Smoczynska
Título Original: The Silent Twins (2022)
Gênero: Drama | Biografia
Duração: 1h 53min
País: Polônia | Reino Unido | EUA

As Gêmeas Silenciosas (The Silent Twins, 2022) - Crítica do Filme - Imagem

Pacto Irreal

É possível que alguns fãs de filmes de terror escolham “As Gêmeas Silenciosas” pelas imagens sombrias escolhidas pelo pôster e divulgação na plataforma do Telecine dentro da GloboPlay, na qual o longa-metragem debutou nesse mês de janeiro. A sinopse pouco elucidativa também contribui – além do caso real que volta e meia vira pauta em canais curiosos no YouTube. Todavia, o que se encontra na adaptação da história real das gêmeas Gibbons, roteirizada por Andrea Seigel (a partir do livro de Marjorie Wallace) e dirigida pela talentosa polonesa Agnieszka Smoczynska, é um drama que mescla a já citada expectativa sombria com momentos performáticos a partir da viagem pelos pensamentos das protagonistas.

O  filme conta a história de irmãs gêmeas que adotam desde crianças um comportamento bem incomum: se comunicam somente entre elas, negando qualquer interação social através das palavras (mesmo com os pais em sua própria casa). Um misto de brincadeira e revolta infantil que terá graves consequências quando, na adolescência e início da fase adulta, elas se negam a descumprir o pacto.

As Gêmeas Silenciosas” dá conta de mostrar as mentes criativas de June e Jennifer Gibbons ao mesmo tempo em que nos coloca na realidade de suas vidas. A apresentação dos créditos dá ao espectador a experiência negada a boa parte das outras personagens: as vozes das meninas nos apresenta o elenco, em uma animação stop motion. As histórias criadas pelas gêmeas no seu quarto também são representadas de forma lúdica por essas animações e o pano de fundo delas explora os traumas que vão sendo criados na cabeça das crianças.

Um exemplo é a primeira dessas narrativas, na qual elas simulam um programa de rádio em que noticiam a história de dois papagaios como uma metáfora que conecta a separação com a destruição. As irmãs parecem construir um pacto de silêncio, mantendo a comunicabilidade plena somente entre elas como forma de não se separarem. No jantar em família que se sucede, é possível notar que a irmã mais velha e os pais se dividem entre a naturalização e o incômodo com este comportamento. Já na escola, fortes cenas de bullying adicionam uma motivação à conexão inquebrável das gêmeas.

A cinebiografia nos levará por caminhos de poucas tramas paralelas, já que todas as personagens que orbitam June (Letitia Wright) e Jennifer (Tamara Lawrance) se apresentam como ferramentas de busca pela origem e solução do caso. Seus pais são imigrantes de Barbados no Reino Unido e parecem incapazes de apontar o histórico que levou à tão radical atitude das filhas. Enviadas a uma escola “especial”, o professor Thomas (Michael Smiley) parece o mais compreensível de tal condição, acreditando que deve dar o tempo necessário às meninas.

Porém, ambientado na década de 1970, a sociedade parece pouco preocupada com a saúde mental das garotas. Sendo assim, elas serão levadas por um caminho mais próximo da “cura” do que do “entendimento”. A partir de crimes de menores consequências, são condenadas de forma perpétua a morarem em uma instituição que as manterá sob controle através de tratamentos invasivos e pouco eficientes, tal qual acontecia à época.

Tanto a direção de Smoczynska quanto a montagem de Agnieszka Glinska (de outros trabalhos de destaque nos últimos anos, como “Lamb” de 2021 e “EO” de 2022) transitam muito bem entre a solidez sombria e a fantasia lúdica da imaginação das garotas que começam a transformar as histórias criadas em seu quarto em livros e roteiros. A direção vai tornando tudo cada vez mais lúgubre de um lado e cada vez mais musical do outro. June e Jennifer idealizam e romantizam experiências, já que a ausência de sociabilidade nunca quebrará suas expectativas (como acontece com todos nós).

Desta forma, o filme vai variando entre o drama soturno e a aventura performática, até que a realidade delas se pareça com um transe bem menos fantástico do que a imaginação das mesmas supunha. No terço final, desenvolve-se uma relação opressora de Jennifer para June (nesse ponto já estabelecida como uma escritora), como se a mesma tivesse perdido o momento em que a brincadeira de criança se transformou em uma psicopatia da irmã e seja um pouco mais vítima do que a outra.

Talvez um dos pontos enfraquecidos em “As Gêmeas Silenciosas” seja o pouco uso da figura da jornalista Marjorie (Jodhi May), autora do livro adaptado aqui. Por mais que sua chegada seja parte de um clichê dessas narrativas (o agente externo que reportará o fato estranho, tal qual advogados, delegados), o seu olhar e forma de interação soam como fundamentais na conclusão da história real, porém acelerada demais na transposição para a obra audiovisual, dentro da lógica de uma obra que não pretende somente mostrar recortes rápidos de uma biografia.

Contando com o nome conhecido de Letitia Wright como líder de elenco e uma das produtoras da obra, sempre há o risco da forma como a cineasta observa com a câmera suas personagens se transforme em alvo de crítica. Não me parece aqui que a polonesa siga o caminho do estereótipo de corpos negros, o que a gestão participativa de uma produção que fez parte da escolha da atriz londrina de ascendência guianense sem dúvida auxiliou. Há um processo de identificação natural da jovem celebridade com a família que sai de Barbados e se estabelece no Reino Unido. O bom trabalho fez com que o longa-metragem debutasse na mostra “Um Certo Olhar” do Festival de Cannes de 2022.

Dito isto, a construção de clima e a própria cosmologia de uma trama bipartida realizada por Agnieszka Smoczynska em “As Gêmeas Silenciosas” é admirável e acredito que a quebra de expectativa daqueles fãs de terror do início do texto passe longe da decepção ao final da sessão.

Veja o trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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