“Ascensão do Cisne Negro” é um dos destaques da semana na Netflix. Leia a crítica!
Sinopse: Em “Ascensão do Cisne Negro”, um pequeno exército de criminosos bem treinados sequestra o Eurostar nas profundezas do Canal da Mancha.
Direção: Magnus Martens
Título Original: SAS: Red Notice | SAS:Rise Of The Black Swan (2021)
Gênero: Ação | Thriller
Duração: 2h 4min
País: Reino Unido | Hungria | Holanda | Suíça
Supercine(ma)
Chegando de forma avassaladora e ocupando a primeira posição dentre os filmes mais assistidos do final de semana na Netflix, o longa-metragem britânico “Ascensão do Cisne Negro” tem um ritmo curioso para um filme de ação. O diretor Magnus Martens consegue fugir do formulaico e do genérico trazendo velhos elementos, estendendo outros e limando mais alguns. Assim como aconteceu com “Resgate” (2020) ano passado (recordes de exibição no primeiro final de semana) e com “Esquadrão 6” (2019), que Michael Bay levou ao serviço há dois anos, chama a atenção essa predileção por obras que pareciam vinculadas a um gênero do passado.
Isso parece se consolidar enquanto hábito de países como o Brasil. Com uma geração de cinéfilos que se formou não apenas a partir do VHS, mas com as explosivas sessões da televisão aberta na segunda, sábado e domingo à noite, somos levados por essas narrativas. Há uma zona de conforto e uma abordagem temática que se renova, à luz das dinâmicas da sociedade ocidental. Com isso, tramas que misturam terrorismo, política e exércitos de um homem só não parecem sofrer crise de identidade ou risco de extinção tão cedo – tanto no cinema dos grandes estúdios em seus lançamentos para a telona, quanto nas plataformas de streaming.
Se juntando a “Beckett” (2021), “Sem Remorso” (2021), dentre outros que – se não renovam a linguagem, a defendem com propriedade – “Ascensão do Cisne Negro” pode assustar com suas duas horas de duração. Aliás, já que mencionamos a adaptação de Tom Clancy disponível no Amazon Prime Video, aqui há também a transposição de um livro, escrito por Andy McNab – que foi soldado durante a Guerra do Golfo e chegou a ser refém das tropas iraquianas. Sua migração para as artes não se deu apenas na escrita, ele ajudou a compor a produção das cenas de ação e de luta de grandes filmes de Michael Mann, como “Miami Vice” (2006) e “Fogo Contra Fogo” (1995).
Já o roteiro de Laurence Malkin é formatado para que o arco inicial se alongue por mais tempo do que de costume. Não apenas para comportar a presença de Tom Wilkinson no papel de William Lewis, o representante de um grupo paramilitar mercenário que terá que passar o bastão para sua filha Grace (Ruby Rose). A engrenagem que chegará à revelação de ser o terrorismo uma ação coorporativa e estatal passa pela maneira como os britânicos ocupam economicamente um território que não é o seu. Martens nos leva à bonita região da Geórgia, onde está a ficcional Passagem de Gveli (a locação verdadeira é a espetacular Svaneti, na Hungria).
Ali, o meio ambiente e a vida pacata sofrem o abalo da destruição para que um imenso gasoduto que abastecerá parte da Europa passe pelas mãos da empresa Britgaz. Ou seja, aqui já podemos identificar alguns dos argumentos que levam o filme a fugir do lugar-comum. O primeiro é a contribuição de um elenco experiente e veterano. Além de Wilkinson, Andy Serkins e Tom Hooper farão parte dos atos seguintes. O segundo é que, ao se preocupar em desenvolver bem o argumento inicial, a obra não perderá tempo com gorduras desnecessárias.
Há dois dramas familiares que se cruzam: o envolvendo a família Lewis e o do casal Tom (Sam Heughan) e Sophie (Hannah John-Kamen) que conhecemos logo adiante. Esse envolvimento do espectador é o suficiente para que ele não fique carente de uma ação desenfreada e injustificável. Quando o protagonismo se concentra, por mais que não o faça por extensos diálogos, já temos a percepção da personalidade de cada um ali.
E o personagem de Tom fará as vezes de exército de um homem só quando Grace e seu grupo de cisnes sequestram um trem que passa pelo Canal da Macha. A ideia é pedir um polpudo resgate, mas a sequência de eventos faz com que autoridades policiais e imprensa comecem a questionar o que há por trás do ato. O personagem de Heughan não estará sozinho, claro, ele terá contato direto com a equipe de agentes lideradas por George Clements (Andy Serkins). Porém, sua grande motivação e o limite de suas decisões passam pela defesa e segurança da noite Sophie.
Mais uma vez, o texto provê esses fundamentos, tornando a trama política, adensada na segunda metade do longa-metragem, bem menos forçada do que o costume. Ao contrário de criações genéricas, em que ela surge atravessada, se misturando com as pretensões dos personagens sem tanto sentido.
Há outro fator que talvez agrade muito os fãs do gênero que separaram duas horas de seu final de semana para se dedicar a “Ascensão do Cisne Negro” na Netflix. Por mais que não seja tão nebulosa as criações envolvendo heroísmo e vilania, não identificamos uma necessidade de explorar a fragilidade de qualquer pessoa em cena. Por mais que a condição de vulnerável seja uma maneira válida de tornar a narrativa mais atraente, ela não é imperiosa. Aqui todo mundo é durão ou durona.
Dentro dos seus limites éticos e de razoabilidade, eles não buscam redenções e nem tampouco piedades. Sophie não é uma mocinha indefesa e também não deixa de desejar a morte daquela que lhe fez mal. Inclusive, a recomenda enquanto missão a Tom sempre que possível. Ainda há, no ato final, uma sequência espetacular que nos leva ao clímax. A cena de luta corporal que define os caminhos dos protagonistas é, sobretudo, bem construída e montada – sem o excesso de cortes que gera tensão porque nosso cérebro não consegue processar particularidades na tela.
Porém, o que chama mais a atenção é a estética, uma violência real que funciona bem com a maneira como a trama é explorada. Se a ideia de Martens e Malkin é formatar imagens em um roteiro sobre as chances reais do terror causado pelo próprio Estado em conluio com grandes empresas e sua sede por lucratividade, seria menos coerente que a ação fosse exagerada. No mais, ainda conclui na outra ponta o arco que se inicia nos dramas individuais, para grandes repercussões gerais na sociedade, até uma conclusão novamente fechada naquelas pessoas. Um tête-à-tête que encerra bem a história, por mais que não seja um filme arrebatador.
Quem gostar muito de “Ascensão do Cisne Negro” ainda poderá se empolgar com um epílogo (já misturado aos créditos). Se não bastasse a grande luta que deixa uma sensação final positiva, um ótimo argumento para a continuação se constrói no meio de uma cerimônia a uma ligação de celular. E consolida aquela certeza de uma sociedade movida pelo capital: para desbaratar qualquer esquema, é preciso seguir o dinheiro até encontrá-lo.
Veja o Trailer: