Sinopse: “Bagdá Vive em Mim” traz as histórias de vida de Taufiq, um escritor fracassado, de Amal, uma arquiteta se escondendo do marido, e do jovem Muhannad, gay, especialista em tecnologia, se cruzam no Abu Nawas, um café aconchegante e ponto de encontro popular para exilados iraquianos em Londres. Nasseer, sobrinho de Taufiq, instigado pelo pregador de uma mesquita islâmica radical, ataca seu tio, que desaprova o conservadorismo, e transforma a vida de todos os frequentadores do Abu Nawas.
Direção: Samir
Título Original: Baghdad in My Shadow (2019)
Gênero: Drama
Duração: 1h 45min
País: Suíça | Alemanha | Reino Unido
Ali Babados
Até que ponto carregamos conosco nossas origens territoriais – e tudo que está a ela conectado? O longa-metragem “Bagdá Vive em Mim“, que chegou esta semana nos cinemas brasileiros, está ali na nossa categoria de cinema europeu. Porém, o cineasta Samir quer sair dessa amarra espacial como conceito. Constrói pelas modernas ficções de leituras documentais um pedaço do Iraque no meio de Londres. Faz com todas as implicações que as dinâmicas sociais permitem, ainda mais em um povo abalado por inúmeros conflitos nas últimas décadas.
Uma realidade que gerou um fluxo de exilados considerável, hoje perto de cinco milhões de pessoas. Sob essa dupla possibilidade de leitura (o esmagamento cultural dominante no novo espaço e a revisão dos próprios conceitos de onde viemos), o diretor nos leva nas entranhas de uma comunidade muçulmana no meio da capital cosmopolita da Inglaterra. Um povo cujos hábitos são alvo de preconceitos, seja pelos adeptos de religiões hegemônicas em oposição ao islamismo, seja pela associação aos regimes de exceção e ao terrorismo, seja pela maneira como observa as vestes das mulheres muçulmanas. Nas notas de produção, Samir chama o núcleo dos acontecimentos do longa-metragem de “sociedade paralela” – com suas contradições internas.
A trilha sonora com toque de cinema noir que predominam nas primeiras sequências (e é resgatada na parte final), pode parecer deslocada no meio daquelas histórias. O roteiro de do cineasta ao lado de Furat al Jamil começa nos apresentando um senhor, Taufiq (Haitham Abdel-Razzaq), que trabalha como segurança à noite. Nas memórias, o histórico de tortura sofrido em seu país de origem. A polícia o levará para a delegacia, pois investiga o sumiço do seu conterrâneo, Ahmed Kamal (Ali Daim Mailiki). Um esquema good cop, bad cop que não funciona para quem já experimentou todo tipo de ataque à sua integridade física.
Depois deste prólogo, que se encontrará de forma surpreendente na conclusão de “Bagdá Vive em Mim“, o espectador acompanhará as ações a partir do café Abu Nawas. O estabelecimento leva o nome de um poeta iraniano que morreu na capital iraquiana no início do século IX. Sua penetração na cultura persa o tornou personagem contumaz de “As Mil e uma Noites” algumas décadas depois, mas o que marcou seus escritos foi levar a pederastia como temática e se tornar um dos primeiros autores homossexuais do mundo islâmico.
Porém, no café que leva seu nome em pleno século XXI, a homofobia ainda parece naturalizada. É refletida no tratamento dispensado a Muhannad (Waseem Abbas). Os homens heterossexuais ainda ocupam qualquer posição de poder, por mínima que seja. Já Amal (Zahraa Ghandour) uma jovem contratada para auxiliar na cozinha, questiona o quanto da comemorada “libertação” daqueles imigrantes em solo britânico é limitada apenas a eles. Enquanto mulher, ela não percebe tanta diferença assim. É quando Ahmed entra em cena. Além de marido de Amal, ele é o novo adido cultural do Iraque, representando o que chama de novo regime.
O longa-metragem usa o elemento Cultura com muita força. Dos preceitos religiosos que alguns personagens carregam, aos aspectos sociais e posições políticas que parecem independer da transferência de território. Talvez o drama cadenciado e o suspense atravessado sobre aquilo mostrado como cerne da obra – o sumiço de uma daquelas pessoas – prejudique a experiência para quem prioriza o dinamismo.
Trazendo questões de gênero e sexualidade, sem esquecer a politização das atitudes de seus protagonistas, “Bagdá Vive em Mim” prima pela abordagem reflexiva, ao querer nos apresentar como o fragmento de uma sociedade pode se deslocar para outra. Uma forma de equilíbrio de representações que pode tornar seu ritmo menos atraente. Claro que o que aparece na janela terá sua carga de influência, mas aqueles agentes levam com ele seus traumas – e uma das consequências acaba sendo desenvolver outros.
Veja o Trailer: