Sinopse: “Branco no Branco” se passa no prelúdio do século XX, Pedro chega à Terra do Fogo, um território hostil e violento, para fotografar o casamento do poderoso fazendeiro Mr. Porter. A futura esposa, apenas uma garota, vira sua obsessão. Tratando de capturar sua beleza, trai o poder que domina o território. Descoberto e castigado, Pedro não consegue escapar e acaba sendo partícipe e cúmplice da sociedade que convive com o genocídio dos nativos Selk’nam.
Direção: Théo Court
Título Original: Blanco en Blanco (2019)
Gênero: Faroeste
Duração: 1h 40min
País: Chile | Espanha | França | Alemanha
A Impertinência da Imagem
Por aqui, sempre gostamos de falar como admiramos obra que compõem (ou se desapegam) narrativas a partir da “permanência da imagem”. Um exemplo bem sucedido de 2020 foi “A Febre“, dirigido por Maya Da-Rin. Pois em “Branco no Branco“, penúltimo competidor da mostra ibero-americana de longas do 30º Cine Ceará, o diretor Théo Court parece inaugurar a “impertinência da imagem”. Com alguns lampejos de criacionismo, uma falsa ideia de metaforização, o filme fracassa em qualquer vínculo territorial, ancestral ou até mesmo de ocupação de um gênero tão revisitado no audiovisual do Ocidente.
Aliás, menciono o Criacionismo não pelo viés religioso. Pela base etimológica, poderia ser algo próximo de uma tentativa do cineasta de desenvolvimento. Porém, há um flerte aqui com a concepção literária do termo, nascida no Chile, por Vicente Huidobro, país dos pais de Court e no qual ele se radicou desde jovem. Lançada a pouco mais de cem anos (mais ou menos o período em que se passa a trama), era um desmembramento latino-americano do vanguardismo europeu. Um raro caso de exportação do Terceiro para o Primeiro mundo, com o entendimento de que os signos linguísticos refletirão um sentimento estético e não uma vinculação simbólica clássica. Visão que foi influência nos escritos do espanhol Federico Garcia Lorca, por exemplo.
O diretor de “Branco no Branco” também traz consigo o intercâmbio Espanha-Chile. Também parece regurgitar um fazer europeu, uma adaptação a linguagem. Se vale de um circuito de produção bem requisitado em festivais cheios de pompa, que entram em cada sessão com o sonho de ver o renascimento do Cinema. Poderia entregar um trabalho tão vistoso e referencial quanto a tabela entre Bélgica e Estados Unidos de “Victoria” (2020), assistido durante o 9º Olhar de Cinema. Ou tivesse focado na aliterações de imagens e na hipnótica missão de longevidade que Paula Gaitán entregou em “Luz nos Trópicos“, do mesmo festival – ambos oriundos da Berlinale.
Entretanto, nada aqui se consolida. Aliás, suas premiações no Festival de Veneza (melhor diretor da mostra Orizzoni e da associação internacional de críticos) nos faz questionar o que pode ter servido de cortina de fumaça para esse encantamento. Ou, o que seria grave, a qualidade da seleção do lendário tapete vermelho italiano não ter sido, em 2020, o suficiente para lustrar os sapatos dos recortes mais alternativos da mostra alemã.
O longa-metragem tem uma longa sequência ritualística em que o protagonista, Pedro, fotografa a menina que se casará com Sr. Porter, que nunca se revela a ele. Um jogo de luzes e de intenções que parece uma paródia perto do magnetismo de um dos grandes atos do cinema nos últimos anos, na cena da pintura do “Retrato de uma Jovem em Chamas” (2019). Court quer, a partir daquele ponto, fazer um exercício de construção de imagens, usando as releituras das obras de faroeste, sem que haja nada no recheio. O uso da estética da fotografia antiga e a transformação do personagem em um ser errante em nada inovam – e também não nos prende.
Havia a esperança de que o filme nos instigasse como o inesquecível “Ninguém Escreve ao Coronel”, publicado no início da década de 1960 por Gabriel García Marquez. Um homem preso a um compromisso: o recebimento do dinheiro de seu trabalho (no caso de Pedro) e da aposentadoria (do coronel daquele que o escritor colombiano dizia ser seu melhor livro). Aliás, ele chegou a dizer que fez “Cem Anos de Solidão” para que o público pudesse ler este – e, graças a uma professora na escola do final do meu ensino fundamental – fiz o caminho inverso à lógica de Marquez.
Soa como heresia usar um paradigma de originalidade e criacionismo (na etimologia não literária) de Gabriel. Théo é tão incipiente ao revelar intenções, que corre o risco de gerar dúvidas acerca das suas. No paralelo de abordagens das duas personagens femininas, a marca da sociedade machista, que as vê como objetos de prazer. Mais um dos caminhos mal percorridos por uma obra que insiste que a imutabilidade geraria deslumbre, caso a imagem fosse bonita. Sua experiência foi uma das mais cansativas do ano, a ponto de nos obrigar a ser mais valorativos do que o costume.
Espremer signos de “Branco no Branco” é um exercício que beira o impossível. Talvez a única produção que foge de uma regularidade curatorial do Cine Ceará – ironicamente, advinda do festival mais famoso entre os selecionados. Uma obra que não justifica seus intentos, a ponto de não ser exagero apontá-la como fetichista – em mais de uma seara, inclusive a pior delas. Faz uma conclusão que tenta brincar com o falseamento da imagem, com a ficcionalidade da vida – como se a todo o instante seu protagonista estivesse preparando um cenário – o que tornaria nossa jornada ainda mais inconveniente, neste clássico da Impertinência da Imagem.
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