Cine Ceará | Mostra Competitiva 01 de Curtas
Mortes em Vida
O extraordinário e o medo vinculam os três curtas-metragens da sessão da Mostra Competitiva 01 do 30º Cine Ceará. Histórias que se valem do insólito (tal qual a sessão 6 da Mostra Olhar do Ceará), mas com um viés que flerta de forma mais direta com o medo da morte e do que nos espera nessa sentença definitiva.
O primeiro filme é “5 Estrelas“, em que o diretor Fernando Sanches reúne duas grandes atrizes: Gilda Nomacce e Luciana Paes. Há uma proximidade da obra com “Onze Minutos“, com o qual Hilda Lopes Pontes atravessou festivais como a Mostra Tiradentes e foi objeto de um texto na Apostila de Cinema quando da cobertura do 2º FestCiMM – Festival de Cinema do Meio do Mundo. O que deveria trazer mais segurança a Katia, atriz que respira um pouco mais fundo quando descobre que o carro de aplicativo que pediu era dirigido por outra mulher, se transforma em um medo diferente daquele comum àquelas que usam o serviço.
Com uma abordagem que conversa amenidades da motorista, uma falsa intimidade vai levando o assunto para um assunto que Katia não gostaria de estar – beirando a indelicadeza. Sanches faz uma narrativa que nos mantém imersos no fato, buscando a todo instante pistas do próximo passo. Uma tática de nos deixar no campo do desconhecido, tal qual a protagonista. Lembrando as obras de Quentin Tarantino – e seu plano contra zenital em que as duas olham para a mala de um carro – é um eficiente conto que o diretor parece imaginar como uma prévia de algo maior.
Esperamos que o longa-metragem prometido, “As Sete Pecadoras”, tenha o mesmo destino dos famosos trailers de “Grindhouse” (2017) e cheguem em breve ao nosso encontro.
Já em “A Nave de Mané Socó“, descrito pelo próprio diretor Severino Dadá como uma mistura de ficção científica com fuleragem, o medo do desconhecido é tratado com mais irreverência. Uma revisitação de gênero com a adição de elementos regionalistas – que ao mesmo se atualiza com os temores da sociedade atual.
Essa construção do cineasta, então, nos traz uma narrativa clássica de possível chegada de seres de outros planetas, enquanto o sertão (não somente o pernambucano, Estado da produção) não deixa de perder toda a sua simbologia à luz dos acontecimentos. De Padre Cícero à carne de sol, passando pelo carcará, uma proposta a quem chegar naquele território – podendo ser de outra galáxia: há uma identidade cultural formada ali.
Ele se atualiza porque também brinca com esse ganho de força de teorias conspiratórias, que – de fato – transformam qualquer assunto no Brasil atual em algo próximo de uma fuleragem. Como é comum àqueles que não se conformam com a destruição desse patrimônio e dessa identidade do nosso povo, a busca por se conectar com o extraordinário, com o novo que poderá nos resgatar, nada mais é do que o sonho da chegada daquele meteoro.
“A Nave de Mane Socó” ainda cria em envolvimento e tem uma representação final, a partir de sua saturação de cores, que apresenta a ideia da floresta como salvadora. Ainda usa a metáfora do bebê, quase como se o clássico de Kubrick se encontrasse com o pauta ecológica – terminando como um xote distópico em uma das viagens mais intrigantes deste Cine Ceará.
Encerrando a sessão da Mostra Competitiva 01, “Parabéns a Você” une a pessoalidade da realizadora Andreia Kaláboa com as lembranças de nossos medos infantis. Ela, que quando menina vivia em uma comunidade rural de ucranianos no Paraná, usa essa estética de referência para contar a história de Yiúlia, uma menina introspectiva que não lida bem com a chegada da morte no ambiente o qual está inserido.
As possibilidades de diálogo com os gêneros de terror e horror estão postas no cenário. A casa de madeira, as tradições regionalistas de uma comunidade de imigrantes, tudo ali permite essa construção com eficiência. De forma acertada, a cineasta usa apenas um elemento – partindo da cor roxa – para criar uma trama que nos pega de forma contundente. Todavia, não é exagero imaginar que a diretora, revisitando os elementos que marcaram sua infância, encontre material para ampliar essa abordagem.
Com uma narrativa que se espalha, se desdobra e pulveriza as representações, “Parabéns a Você” atinge seu momento mais agudo no choque da cena final – tal qual uma grande história que trata do medo.
Ficha Técnica da Mostra Competitiva 01:
5 Estrelas (Fernando Sanches, 15′ – São Paulo, 2020)
Sinopse: Katia Fontinelle (Gilda Nomacce) é uma talentosa atriz de teatro que pede um Uber para ir a uma festa no interior, em um sábado à noite. Para sua surpresa, a motorista é uma mulher (Luciana Paes). A viagem segue tranquila até que coisas estranhas começam a acontecer, e o que era pra ser uma viagem tranquila se transforma em uma noite de terror.
A Nave de Mané Socó (Severino Dadá, 18′ – Pernambuco, 2019)
Sinopse: Ameaça vinda do espaço aterroriza uma pequena e pacata cidade do sertão pernambucano. Em tom sensacionalista, a rádio local narra as misteriosas abduções do planeta vermelho.
Parabéns a Você (Andeia Kaláboa, 19′ – Paraná, 2019)
Sinopse: Yiúlia precisa encarar o medo da morte, que na sua cabeça veste roxo e luta para alcançar o seu objetivo, que é ganhar sua primeira festa de aniversário.
Assista ao debate sobre os filmes:
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