Cine Ceará | Mostra Competitiva 05 de Curtas
Os Quadrados de uma Sociedade
Encerrando a maratona de quinze curtas-metragens nacionais do 30º Cine Ceará, a sessão Mostra Competitiva 05 é plural não apenas no arco geracional, mas também no recorte de classe social. Há quem reduza uma das produções a uma obra “tipicamente burguesa” e outra como “forte teor representativo”. Mas, assisti-las em perspectivas nos permite criar diálogos e comungar saberes.
“Nós“, de Hugo Moura e Ricardo Burgos parece primo de “45 Dias Sem Você“, longa-metragem de estreia de Rafael Gomes. A diferença é que aqui há uma ampliação, tal qual uma lupa, para um momento em que dois amigos – envolvidos em um ambiente – se permitem coloria sua relação.
Há uma estética parecida com a de “Passou“, assistido esse ano no Festival Ecrã – apesar de ser menos poético e inspirado do que a interessante construção de Felipe André Silva, baseada no livro “Glória”, de Victor Heringer. Aqui há uma inspiração em “Coulda”, segundo dos três atos da obra “Shoulda / Coulda / Woulda: A Story”, de Daniel Blanda (sem tradução para o português).
Uma forma de tratar do fim das amarras rotulantes dos relacionamentos antigos. A fluidez que joga pelo ralo a pureza de leituras, ampliando as possibilidades para uma geração mais bem resolvida – mesmo que diante de um recorte de classe forte.
Seguindo um caminho diferente, “O Barco e o Rio“, multipremiado curta-metragem no 48º Festival de Gramado, usa as diferentes percepções sobre a sociedade de duas irmãs. Uma obra de conflitos, como bem falamos ao analisar pela primeira vez o filme de Bernardo Ale Abinader (e você lê a parte reservada a ele em nossa crítica sobre todos os curtas de Gramado clicando neste link).
A revisitação deixa ainda mais forte essa sensação de antagonismo acidental daquelas duas mulheres. Se a situação-limite de “Nós” nos levava a um encontro de amor, aqui a crise gera muito mais reflexão – e não há espaço para finais felizes. Muito mais realista ao fazer um outro recorte de classe, acaba sendo um ótimo contraponto à outra obra – sendo a prova de que não há arte que mereça ser desabonada pela sua origem ou por onde se ambienta. A ocupação de espaço de narrativas contra hegemônicas não deve ser argumento para pulverizar parcela da sociedade que tem os seus motes – mesmo que elas se tornem ferramentas para destruir os próprios discursos.
Por fim, o último curta-metragem da Mostra Competitiva 05 e derradeira obra entre as mais de cinquenta que assistimos na última semana na programação do Cine Ceará, é “Vista para Dias Nublados“, de Ana Luísa Moura. Aqui, um singelo conto sobre um casal de idosos que passa os dias observando uma jovem na janela do prédio em frente.
Uma narrativa urbana, em que projetamos a vida do outro, passamos a interagir forçosamente com estranhos. Uma situação que revela mais nossa carência enquanto humanos, presos em amarras da sociedade e confinados em espaços cada vez menores. Há muito não se entende mais tramas como esta pelo viés da observação do agente passivo da cena. Há muito mais sendo dito sobre os protagonistas, que se mostram vítimas desta mudança de rumo do mundo, que nos afastou e plastificou as relações humanas.
A cineasta evita o fantasioso e até mesmo a idealização. A ressignificação que ela prega na sinopse também é do relacionamento daquele casal – mais do que a suposta rotina da vizinha. Com tanto material audiovisual que nos passou pelas vistas nos últimos dias, que revelaram uma América Latina, um Brasil e um Ceará que – cada vez mais – tenta se entender mas parece gerar em si mais dúvidas – “Vista para Dias Nublados” é a reflexão final que precisávamos para essa jornada.
Ficha Técnica da Mostra Competitiva 05:
Nós (Hugo Moura e Ricardo Burgos, 2019 – Rio de Janeiro, 9′)
Sinopse: Ela acaba de se divorciar e viaja pra se recuperar junto ao seu velho amigo de infância. Ele, que namora com Vinícius, se vê apaixonado por ela e quando uma música que significou muito pra eles na infância começa a tocar as coisas saem do controle.
O Barco e o Rio (Bernardo Ale Abinader, 2020 – Amazonas, 17′)
Sinopse: Vera é uma mulher religiosa que cuida de uma embarcação no porto de Manaus. Ela precisa lidar com a irmã Josi, com quem diverge em relação a como lidar com o barco e sobre como viver a vida.
Vista para Dias Nublados (Ana Luísa Moura, 2019 – Rio Grande do Sul, 11′)
Sinopse: Manuela e Bento são um casal de artistas aposentados que vivem a maior parte de seus dias observando Lúcia, sua vizinha de janela. Até que um dia, Lúcia deixa de abrir a varanda de seu apartamento e Manuela precisa ressignificar o que vê.
Assista ao debate sobre os filmes:
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