CineOP | Mostra Histórica | Sessão Ocupação no Latifúndio Televisual

CineOP Histórica

CineOP | Mostra Histórica | Sessão Ocupação no Latifúndio Televisual

15ª edição da CineOP nos propõe, dentro da Mostra Histórica, alguns recortes. Dois deles, produzidos em 1978, receberam o nome de Ocupação no Latifúndio Televisual. Documentários televisivos dirigidos por dois célebres cineastas brasileiros, que mostram que o audiovisual é uma teia totalmente interligada e que linguagens e plataformas podem (e devem) sempre dialogar entre si. Segue o texto curatorial geral e pequenas análises da Apostila de Cinema sobre os filmes:

A televisão completa 70 anos de transmissão no Brasil, e a CineOP vai refletir de que maneira um veículo de comunicação de massa efêmero e dispersivo teve, ao longo do período, momentos de invenção e ousadia que permanecem referenciais no audiovisual. O recorte feito pelo curador Francis Vogner dos Reis atravessa os últimos 40 anos com objetivo de pensar parte da intrincada trama que nos trouxe até este momento político, social e midiático em que estamos.

Assim, o destaque é de programas e iniciativas que quebraram a linguagem mais convencional trabalhada pela TV nesses anos todos. Produções feitas para consumo doméstico que, de tão singulares, hoje soam como criações modernas e de vanguarda.


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Theodorico, O Imperador do Sertão
(Eduardo Coutinho, 1978)

Sessão Ocupação no Latifúndio Televisual Theodorico

O incômodo de Eduardo Coutinho na produção de “Theodorico, o Imperador do Sertão” é aquele causado quando o Brasil das grandes cidades se vê diante do Brasil real, aquele que retira a riqueza da terra. Uma nação fatiada em um processo de coronelismo que remonta às capitanias hereditárias. O território nacional tem poucos donos. Theodorico Bezerra era um deles. Dono da fazenda Irapuru, no Rio Grande do Norte, ele sai da vida política disposto a brincar de senhor do engenho aos 75 anos de idade. Quando Coutinho o visita, encontra um ambiente em que o homem do campo se enche de orgulho de pessoas como Theodorico.

Mas quem diz isso, é o próprio. Vai além, organiza paradas em sua propriedade em que os vaqueiros e suas famílias são convidadas pelo chefe e dono de suas terras a celebrar ele mesmo. O Globo Repórter envia o documentarista para traçar a biografia de um grande brasileiro, daqueles que movimenta nossa economia. Mas, chegando lá, encontra o típico representante da elite. Se valendo da distância da grande cidade mais próxima, Natal, Thedorico quer manter um controle absoluto sobre seus funcionários, inclusive sobre seus comportamentos. Com isso, cria anexos de seus comandos como empregador na forma de regras limitantes, opressoras e mesquinhas. É obrigatório ser feliz nas terras de Theodorico – mas do jeito dele.

Eduardo Coutinho monta o programa, de pouco menos de cinquenta minutos, de forma curiosa. Deixa o protagonista se auto celebrar nas duas pontas do filme – e dá voz aos brasileiros que dependem dele no recheio. Separa as falas mais esdrúxulas do biografado para esses momentos. No início ele conta com alegria sobre sua trajetória e no final encerra mostrando seus antepassados em fotografias e sua atual família. No meio, a materialização do coronelismo.

Theodorico chega a dizer que sua fazenda é quase uma república socialista, subvertendo a política de emprego análoga a escravidão em que troca insumos básicos de sobrevivência por trabalho. Faz um discurso meritocrático para depois dizer que não providenciava mais formação escolar às crianças, filhos dos empregados, porque “eles estudavam e quando cresciam iam embora”. Theodorico é a prova de que mexer com os grandes proprietários de terra nunca será tarefa fácil no Brasil. E, além disso, resgata o fenômeno do coronelismo que, na escalada de retrocessos, segue mais forte do que nunca.


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Wilsinho Galiléia
(João Batista de Andrade, 1978)

Sessão Ocupação no Latifúndio Televisual Wilisinho Galiléia

Em 1978, o cineasta João Batista de Andrade lançou “Doramundo” (roteiro iniciado por Vladimir Herzog, assassinado três anos antes) e com ele venceu o Festival de Gramado. O Globo Repórter – assim como fez com Eduardo Coutinho – encomendou um programa que tratasse da morte de “Wilsinho Galiléia” pela Polícia Militar aos dezoito anos de idade. O fato também ocorreu em 1978 e possibilitou que o cineasta tivesse acesso às informações e colhe-se seus depoimentos no curso das investigações.

A ditadura militar não gostou da obra, que andou escondida pelos arquivos da TV Globo até ser relançada no festival É Tudo Verdade de 2002. “Wilsinho Galiliéia” sintetiza a celebrada interseção entre ficção e documentário, explorando o que há de melhor nas possibilidades. Ousado para um produto televisivo, até mais do que o episódio de Theodorico, Andrade é certeiro na abordagem sobre a violência da carente região onde o jovem cresceu e começou a praticar, desde cedo, seus delitos. É quase como se seguisse o mote padronizado na tentativa de formatar a “gênese de um criminoso”, mas com um cuidado na abordagem tão nítido que o filme não precisa se valer de contextualizações ou verbalizações para deixar claro seu objetivo.

Também em 2002, José Padilha e Felipe Lacerda levariam o documentário “Ônibus 174” por caminhos parecidos. Uma obra que suscitou reações da ala reacionária da sociedade, que via na humanização de Sandro Barbosa do Nascimento um salvo-conduto prévio para pessoas que tomam atitudes extremas e definidas como crime. Em “Wilsinho Galiléia”, feito quase 25 anos antes, o velho debate sobre motivações e premeditações já estavam postos. Faz isso trazendo as questões da infância, como a perda do pai quando era muito novo, as companhias de colegas que já praticavam pequenos delitos e a forma desumanizadora com a qual a Febem costumava tratar seus internos (gerando diversas fugas dos centros de detenção).

Tudo isso com uma dupla abordagem, de entrevistas reais com reconstituições usando atores. Em uma montagem que une atos de violência e da vida cotidiana, traz um protagonista que o autoritarismo e o punitivismo do governo ditador da época não queriam que, de fato, conhecêssemos. Um produto audiovisual com a força de questionar as atitudes estatais, ainda mais em seu poder de polícia, apresentado como programa televisivo, é um marco no processo da reabertura política brasileira.


Ficha Técnica da Sessão Ocupação no Latifúndio Televisual

Theodorico, o imperador do sertão (Eduardo Coutinho, 49min – 1978)
Sinopse: Em 22 de agosto de 1978, foi ao ar Theodorico, o Imperador do Sertão, dirigido por Eduardo Coutinho. Exibido como um Globo Repórter Documento, o programa era centrado no personagem que dá título ao documentário, o “major” Theodorico Bezerra, ex-deputado federal e vice-governador, além de presidente do Partido Social Democrático (PSD) do Rio Grande do Norte, e que, aos 75 anos, ainda exercia um total domínio sobre suas terras e as pessoas que o cercavam. O cineasta viajou para a fazenda de Irapuru, a 100 quilômetros de Natal, para traçar o perfil de Theodorico. O filme tinha muitos planos longos e a narração era do próprio Theodorico falando diretamente para a câmera e comandando as entrevistas. Eduardo Coutinho havia ficado incomodado com as intervenções do patrão durante os primeiros depoimentos dos empregados e decidiu dar a ele o posto de entrevistador, um recurso que serviu para expor as relações de poder e explicitar o autoritarismo. O resultado é um retrato bastante vívido do coronelismo.
Wilsinho Galileia (João Batista de Andrade, 66min – 1978)
Sinopse: Reconstrução da vida trágica de Wilsinho, transformado em bandido perigoso desde os 14 anos, várias vezes preso e finalmente fuzilado pela polícia na casa de sua namorada Geni.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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