Sinopse: Após 52 anos de conflitos armados, as guerrilhas das Farc, na Colômbia, estão prestes a entregar suas armas em troca de participação política e de inclusão social para os mais pobres. Com o aguardado acordo de paz, Ernesto, um dos guerrilheiros, se vê em meio ao caos em uma sociedade que tem medo do futuro e teme pela própria sobrevivência. Ernesto quer levar uma vida pacífica, sem suas armas, mas esse objetivo é dificultado por inimigos: um político de direita e um descendente de conquistadores espanhóis, que querem livrar a Colômbia dos guerrilheiros das Farc. Um retrato intimista de um país profundamente desigual, e que reflete sobre o colonialismo, o capitalismo e o que nos mantêm vivos enquanto humanidade.
Direção: Jenni Kivistö e Jussi Rastas
Título Original: Colombia In My Arms (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 31min
País: Finlândia | França | Dinamarca | Noruega
O Dilema do Capital
A América Latina sempre foi um balcão de vendas do futuro. “Colômbia Era Nossa“, documentário dirigido por Jenni Kivistö e Jussi Rastas e parte da Competição Novos Diretores da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é mais uma obra que nos prova que, por trás de quase todos os supostos avanços, transformações e revoluções (algumas com esse nome erradamente empregado) há uma parte da elite querendo manter seus privilégios. O filme poderia ser uma aplicação de olhar estrangeiro, já que curiosamente estamos falando de dois realizadores finlandeses. Porém, ambos viveram por alguns anos na região e tinham objetivos bem definidos na produção.
O resultado é um longa-metragem que, ao fazer um interessante intercâmbio, conquistou o prêmio de melhor documentário nórdico no Festival de Cinema de Göteborg, na Suécia. Aqui no continente, foi apresentado no mês passado na edição do Human Rights Filme Festival de Sucre, na Bolívia. Ao acompanhar os desdobramentos do acordo de cessar-fogo entre as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo do Presidente Juan Manuel Santos, há uma tentativa dos diretores de dividir com o público essa análise sobre os eventos ocorridos a partir de 2016.
Essa forma analítica se desenvolve na tela. Jussi Rastas tem vasta experiência como produtor de conteúdo da Cruz Vermelha e impõe um estilo humanístico na codireção. Ao mesmo tempo, a relação territorial de Jenni Kivistö, que morou na Colômbia por sete anos, salta aos olhos na valorização de imagens com grande ampliação de lente. Com isso, a montagem de “Colômbia Era Nossa” tem duas formas de expressão, que se revezam. Ao trazer os depoimentos de pessoas envolvidas na suposta pacificação, o faz com imagens fechadas, bem próximas daqueles rostos. É difícil até mesmo individualiza-las e objetos. A cena de abertura, por exemplo, mostra um jovem limpando o seu rifle, com a mesma naturalidade que o menino que apresenta suas armas no clássico documentário brasileiro “Notícias de uma Guerra Particular” (1999) de João Moreira Salles e Kátia Lund, mas sem a amplitude de campo. O dimensionamento virá de acordo com o ritmo do filme.
Aos poucos essa abordagem mais aproximada vai cedendo espaço, com o uso de planos maiores, explorando o espaço rural ou urbano onde aquele personagem está inserido. Isso acontece de forma a transformar todos os entrevistados em pequenos capítulos que se sobrepõem e acabam transmitindo a nós a sensação de que – por trás de todas aquelas opiniões pessoais – há a formação de um país, uma só Colômbia. A outra leitura aplicada na montagem é esse contato da terra. Sobre algumas falas temos imagens de cobras, formigas, plantações de coca ou o preparo das folhas. Tudo muito próximo, nos remetendo diretamente às formas do território se expressar, mesmo sem a ação humana.
Por sinal, essa ação humana é fundamental no desenvolvimento do filme. É muito emblemática a cena em que o anúncio do acordo de paz é mostrado em uma propriedade familiar vazia, onde é produzido chá de coca. Uma solidão de espaço que nos leva a pensar na obra de Gabriel García Marquez, um vencedor de prêmio Nobel colombiano muito menos polêmico do que Santos, premiado por ter costurado esse cessar-fogo mal resolvido. De uma época onde as FARC surgia como resistência na luta de classes em um Estado jamais controlado por um governo popular e tem “Cem Anos de Solidão” como leitura obrigatória.
O que gera, provavelmente, a grande descoberta dos jovens finlandeses em suas temporadas na América Latina: que a elite opressora é a mesma desde que os europeus deixaram aqui representantes colonialistas. E vai além: ouvem relatos sobre um país onde o futuro sempre é vendido como a solução, porém a urgência das necessidades básicas torna o capital o grande elemento opressor. Vivemos um dilema onde, por mais que na imaginação crie um Estado de bem-estar social, quando abrimos os olhos estamos dentro de um ônibus ou trem lotado, a caminho de mais um dia de trabalho mal remunerado e pouco tempo de sobra para a luta por mudança.
Colonizadores que viraram coronéis, como chamamos no Brasil aqueles grande proprietários de terra que compõem também a elite política da nação. Para quem deseja compreender a motivação desta paz construída na Colômbia, é fundamental os momentos em que o perfil de Juan Manuel Santos desemboca para o verdadeiro objetivo de tudo o que se passou no país na última década: a manutenção de privilégios. Ao se desarmar e tentar fazer parte da política institucionalizada, as FARC (hoje Força Alternativa Revolucionária do Comum) viu seus líderes anistiados serem perseguidos e mortos. Desde 2019, cogita-se um retorno à guerrilha, sendo observado que o sufocamento ideológico da receita neoliberal e fascista em curso no nosso continente fará os ideias de origem da corporação virarem nota de rodapé do livro de História.
Com isso, “Colômbia Era Nossa” é um importante documento sobre o panorama atual da sociedade colombiana. Os “benefícios” de uma guerra contra o narcotráfico, o crescimento do movimento antipolítica que já sabemos aqui no Brasil que é desastroso e, principalmente, como o povo trabalhador entende a precarização de suas relações com os patrões, transformando essas em situações quase escravagistas. Com pouca adição de elemento ficcionais, uma trilha sonora com cumbias que tratam do passado das FARC, Jenni Kivistö e Jussi Rastas vão direto ao ponto. Para nós, se destaca como nem todo movimento paramilitar é igual. No Rio de Janeiro em que, mais de 50% do território já é dominado por milícia, estamos muito mais próximos de institucionalizar os anseios mais escusos dos poderosos do que ver um movimento popular submergir.
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