Sinopse: No final da estrada de Woodstock, uma revolução floresceu em um acampamento de verão em ruínas para adolescentes com deficiência, transformando suas vidas e iniciando um movimento marcante.
Direção: James Lebrecht e Nicole Newnham
Título Original: Crip Camp (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 46min
País: EUA
Revolução para Todos
“Crip Camp: Revolução pela Inclusão“, documentário produzido pela Netflix que concorre ao Oscar 2021 pela categoria, supera todas expectativas. Aliás, verdade seja dita, os documentários da plataforma costumam ser bem mais interessantes que suas ficções. Assim, não podemos dizer que o filme de James Lebrecht e Nicole Newnham tenha nos pegado desprevenidos. Ele, no entanto, vai muito além do que seu título ou sua resenha podem sugerir.
Ao começar a escavar as memórias de um acampamento para pessoas com algum tipo de alteração em seu funcionamento físico-motor, os diretores nos recordam também o quanto ainda precisamos discutir e ultrapassar nossos preconceitos e certezas em relação às possibilidades de atividades e ativismos dos outros. É aí que o filme cresce. Parte do encontro desses corpos para abrir uma nova janela de leitura sobre os movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos ao longo das décadas de 50, 60 e 70.
Chamando atenção desde o primeiro semestre do ano passado, quando foi lançado na plataforma, tem produção executiva de Barack e Michelle Obama, o que assinala para a emergência de um debate ampliado sobre o descapacitismo. O casal conhecido pela histórica – em números e ineditismo – eleição de Barack tem em sua trajetória uma série de projetos de impacto social do qual faz parte sua produtora de filmes. Uma das sequências explora a relação que um dos funcionários do acampamento, então um jovem, estabelece com o espaço e aqueles que acampam ao perceber que a engrenagem perversa que blinda seu corpo negro de alguns lugares também afasta aqueles que não são considerados dentro do padrão sensório-motor. Faz ver, dessa forma, como a luta pelos direitos civis precisa ser mais difusa e perpassada por inúmeras variáveis.
É óbvio que não queremos aqui equiparar o racismo ao descapacitismo. Ambos operam de maneiras diferentes. Têm, no entanto, uma origem moderna parecida (não igual): a exclusão ou deslocamento dos corpos que precisaram ser distinguidos para que o capitalismo pudesse operar culturalmente e economicamente com todas suas engrenagens em pleno vigor. No início do século XX muitas pessoas que poderiam ser enquadradas nesse espectro de “diferentes” passavam a figurar por entre shows, circos e espetáculos que se utilizavam de seus corpos como piada ou zombaria – o que remete ao nome do filme.
Não que o descapacitismo tenha sido combatido somente a partir década de 50 com a chegada dos movimentos em massa pelos direitos civis e, nem que ele esteja sendo melhor trabalhado agora. “Crip Camp” vem para mostrar que, já em meados do século passado, questões reverberadas hoje por mais membros da sociedade faziam parte do cotidiano e dos enfrentamentos dessa comunidade que se fortaleceu e conseguiu vitórias que ultrapassaram as calmas e livres terras do acampamento. O fato é que, ao possibilitarmos que o debate circule por uma esfera maior, estamos também definindo para onde nossos olhares apontam, quais são nossas prioridades e quais lutas queremos lutar.
Embora tenhamos na ponta da língua frases como “a liberdade que queremos é para todos” ou “unidos somos mais fortes”, talvez seja hora de reavaliarmos nossa atuação na esfera privada e pública. Será que estamos mesmo incluindo o maior número de pessoas possíveis em nossas agendas políticas? Será que estamos levando em conta todas as esferas que fragilizam um corpo – sejam elas físicas, raciais, de gênero, de orientação sexual ou econômicas?
James Lebrecht foi um dos que frequentou o acampamento e sua fala se soma à de muitas de seus antigos colegas: o espaço foi essencial em sua socialização e na troca de afeto que se iniciava para muitos ali. Ao ter essa experiência autobiográfica de Lebrecht como um de seus atravessamentos, “Crip Camp” é um sensível e combativo relato de quem viveu e vive como ativista.
Veja o Trailer:
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