Sinopse: Rafael (Rafael de Bona), abalado pelo fim de um relacionamento, vai passar alguns duas na casa da amiga Julia (Julia Corrêa), em Londres. Em um lugar onde novas possibilidades se avizinham, o protagonista deixará, por pouco mais de um mês, os caminhos de seu destino abertos.
Direção: Rafael Gomes
Título Original: 45 Dias Sem Você (2018)
Gênero: Drama
Duração: 1h 36min
País: Brasil
Passaporte para a Superação
“45 Dias Sem Você“, primeiro longa-metragem de Rafael Gomes, vem à Apostila de Cinema após conhecermos seu trabalho em “Música para Morrer de Amor” – ainda em pré-estreia. A produção de 2018 está disponível na plataforma Telecine Play e já nos revela o que o jovem cineasta pensa de sua carreira como realizador e de seus filmes. No Dia do Orgulho LGBTQIA+, onde diversas listas sobre obras com essa temática são lançadas, indicar o trabalho de Gomes é fundamental. Filmes que, antes de entrar em qualquer outra questão, deixam bem claro que qualquer maneira de amor vale a pena.
Dividido por capítulos, “45 Dias Sem Você” tem início em Londres, onde o protagonista Rafael (Rafael de Bona) vai passar uns dias com sua amiga Julia (Julia Corrêa). Após um relacionamento de oito anos, Rafael teve um intenso amor que durou menos de um semestre. O término se revelou um baque mais forte do que ele aguentaria caso seguisse sua rotina. Ele transforma, então, esse acontecimento em um fato gerador para reencontrar amigos em alguns pontos do mundo. Antes de ser cosmopolita, o longa-metragem é sentimental. Desde o início trabalha o furacão de emoções causado por um término traumático. Incompreensão, raiva, dor, euforia, desilusão. Rafael de Bona tem nas mãos um personagem que precisa expor toda a instabilidade emocional, mesmo diante de cidades recheadas de possibilidades. Um trabalho difícil, que nem sempre consegue levar suas intenções.
Usar Londres como ponto inicial da viagem traz uma paisagem que casa bem com essa mistura de exorcismo e renascimento – uma jornada purificante de Rafael. Sua amiga Julia ali chegou por “culpa” de um amor e agora se preocupa com a mãe no Brasil que está doente. Essa desorientação de ambos condiz com o ambiente cinzento da cidade inglesa. Até que Gomes nos traz Paris e com ela uma linguagem mais documental, uma emulação vlogística de poucos segundos, mas que dá agilidade à montagem e torna “45 Dias Sem Você” mais energizante. O protagonista, finalmente, deixa de lado o “turismo de ambientação”, em que mal conseguiu trocar duas palavras com os amigos londrinos de Júlia, partindo para outro capítulo.
Não seria interessante para o leitor que ainda não viu a obra dissecá-la. Basta dizer que o longa-metragem segue uma trajetória de redescobertas de Rafael. Não apenas de si, do amor ou do sexo. Há uma aproximação com suas próprias raízes brasileiras, mesmo que ele não se dê conta disso. O eterno deslumbramento pela Europa nos transporta de uma das metrópoles mais caras do mundo (Londres) até Portugal, um território em que criamos mais vínculos por força da colonização. Visualmente, isso está claro na obra, seja na obviedade do idioma como na arquitetura. Arquitetura, aliás, que se torna um fator primordial para o reconhecimento também quando somos levados a Buenos Aires – já mais perto do retorno a São Paulo.
Julia Corrêa, ao lado do próprio Rafael e dos atores Mayara Constantino e Fábio Lucindo (que também interpretam personagens com seus nomes) foram os responsáveis pelo argumento e roteiro. O que já revela que “45 Dias Sem Você”, na origem, é uma construção coletiva. Trata-se de um grupo jovem de realizadores-atores que traz um frescor à cinematografia pop brasileira. Assim como em “Músicas para Morrer de Amor“, há preocupação em fincar uma posição como experiências pequeno-burguesas sobre o amor. Também há o diálogo musical, mesmo que não tome tanto espaço da narrativa. Como uma obra coletiva, fez pensar quem da equipe poderia estar naquela noite de setembro de 2012 na Fundição Progresso, quando Céu e Arnaldo Antunes encabeçaram um festival com Cícero, Ana Ratto e Suricato – já que há uma transição que usa a cantora e o cantor quase em sequência.
Mesmo que idealizemos uma vida de desapego, a rotina burocrática bate à nossa porta. Não seria diferente com Rafael. Porém, até chegarmos lá, o filme consegue provocar saudades e boas lembranças de quem conhece algum daqueles lugares (bateu mais forte para mim El Ateneo e ver a calle Florida de Buenos Aires depois das obras que testemunhei um ano depois daquele festival na Fundição). Conexões afetivas ao redor do mundo, em uma narrativa que poderia se valer mais de objetos, vivências – experiências mais únicas do que apostar em lindas paisagens urbanas.
Quando abandona essa lógica, “45 Dias Sem Você” cresce como história sobre aquilo que realmente importa na jornada do protagonista: os toques, os sons, os cheiros. Formas que tornariam ligeiramente mais universalista uma obra carregada de glamourização.