De Volta ao Baile

De Volta ao Baile 2022 Netflix Filme Crítica Poster

“De Volta ao Baile” é a estreia da semana na Netflix. Leia a crítica!

Sinopse: Após sofrer um acidente enquanto praticava uma manobra de líder de torcida na escola, uma mulher de 37 anos acorda após 20 anos de coma. Acordada, ela decide voltar para o ensino médio, recuperar o status de popular e conseguir ser coroada como a rainha do baile de formatura.
Direção: Alex Hardcastle
Título Original: Senior Year (2022)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 51min
País: EUA

De Volta ao Baile 2022 Netflix Filme Crítica Imagem

A Vida Depois do Tombo

De Volta ao Baile“, estreia da semana na plataforma de streaming Netflix, é a prova de que a empresa, na estratégia de reter clientes que começam a priorizar catálogos vizinhos, recorrerá ao que já deu certo em seu portfólio de produções. Depois que a comediante australiana Rebel Wilson recebeu boas críticas e aceitação do público pelo trabalho em “Megarromântico” (2019), uma segunda incursão pelas comédias norte-americanas é realizada aqui.

Desta vez a balança da metalinguagem e do saudosismo parece mais equilibrada. Apesar da proposta de revisitar os filmes de adolescentes dos anos 1980 e 1990 e toda a estrutura social reverberada por essas narrativas, o espectador não precisará lidar com artifícios frágeis de roteiros que precisam reencenar o que nossa memória afetiva vinculou a outros tempos. O diretor Alex Hardcastle parece querer ir além da mecânica de repetir imagens, de reconstituir sensações. Afinal, a ideia que a obra quer passar é de que, claro, vivemos outros tempos.

Isso faz com que a participação especial (ou cameo) no ato final de “De Volta ao Baile” funcione bem mais do que a enxurrada de reencontros forçados do público com o passado. A história aqui gira em torno de Stephanie (Angourie Rice, outra talentosa atriz australiana), uma adolescente que usa como válvula de escape para o trauma da perda precoce da mãe a obsessão por se tornar a garota mais popular da escola. Por consequência, a rainha do baile de formatura. Isso no início do século XXI, no apagar das luzes que vê no high school dos Estados Unidos uma território constituído de pequenas ilhas e grupos pré-determinados.

Todas eles imortalizados na cultura popular em filmes como “Clube dos Cinco” (1985) e “Meninas Malvadas” (2004) – e talvez podemos colocar esses dois como gênese e ocaso de um subgênero de comédia que reproduziu estereótipos, mas – até hoje – tem muito a nos ensinar. Boa parte da experiência de assisti-los novamente é apontar o quanto a sociedade mudou, mesmo que na forma de entender a adolescência. O que “De Volta ao Baile” faz é colocar esse espelho dentro da própria trama. Com isso, Stephanie sofre um acidente há um mês do baile e fica em coma por vinte anos. Quando acorda, é uma menina de 17 anos no corpo de Rebel Wilson.

Os primeiros quinze minutos, passados em 2002,trazem um arco introdutório muito inspirado. Caracteriza a protagonista como alguém que vê a coroação enquanto rainha do baile como o início de um processo de seguidas vitórias na vida. Apesar da ideia de que teremos uma adulta voltando ao último ano do Ensino Médio nos remetendo direto a “Nunca Fui Beijada” (1999) – que já questionava dentro de uma possível Era de Ouro dos filmes de adolescentes parte de suas dinâmicas – a qualidade do texto faz com que o desenvolvimento da história não caia para o referencial fácil.

Boa parte do choque de Stephanie é compartilhado por muitos que se prendem à lógica competitiva, meritocrática e sexista da segunda metade do século XX. Aquela que os Estados Unidos exportou através, sobretudo, da arte audiovisual. Quando acorda do coma, a mulher descobre não apenas um gap tecnológico intimidante, mas também que o uso de certas expressões, antes corriqueiras, agora possuem grande carga de preconceito. A sociedade mudou enquanto ela dormia e colocar uma protagonista com essa “desculpa”, faz toda a diferença para a trama.

E por que faz diferença? Porque a desconstrução da piada em “De Volta ao Baile” corre sérios riscos de ser um resgate ao que ficou – e merece ficar – no passado. O estranhamento sobre líderes de torcida não realizarem mais coreografias objetificantes e trazer mensagens positivas só tem graça porque Stephanie não viveu o processo. Assim como ela pleitear a volta das eleições para rei e rainha do baile, quando a diretora da escola – amiga que sofria bullying há vinte anos – luta com todas as forças para combater esse estímulo à competição e a um padrão de beleza imposto.

Rebel Wilson traça uma personalidade de uma mulher que precisa, ao mesmo tempo, se entender muito longe da adolescência e se readaptar a uma sociedade que desautoriza boa parte de suas demandas. Todavia, se esforça para ser compreendida. E, ao ser compreendida, alcançar uma espécie de equilíbrio que a simples desconstrução não seria capaz de obter. Faz refletir sobre a cultura do cancelamento, sobre destruir o que do passado não cabe no presente. Isso não é desconstrução, é apenas destruição.

O agora também tem suas falhas. Se a escola se preocupa com a segmentação e, pior, com a hierarquização de seus agentes, as redes sociais criaram uma capa de desumanização. Ou uma benevolência forçada, representada em Tiffany (Zoe Chao). Compreendida e cooptada pela protagonista, que deseja usar as métricas atuais para atingir o grande objetivo: ser popular.

Quando, no prólogo, a jovem Stephanie acredita expor sua revolta ouvindo Avril Lavigne enquanto seu quarto tem um pôster de Britney Spears, o distanciamento histórico nos mostra que, naquela época, apenas reproduzimos estereótipos usando óticas diferentes apenas na aparência. Esse contraponto entre a nova garota popular da escola, com milhões de seguidores e uma consciência social construída e a equipe de líderes de torcida carregada de representatividade pode ser lido daqui há vinte anos no mesmo sentido.

As relações sociais vão se aprofundando e o que parecia fundamental para a resolução do problema hoje, será algo banal amanhã. Por isso, “De Volta ao Baile” soa um pouco mais corajoso do que a média de produções que brincam com as ferramentas do saudosismo, da releitura ou da metalinguagem. Resgata erros do passado, os reutiliza como se fosse algo positivo, traça uma linha politicamente incorreta, para mostrar que não somos tão perfeitos assim. Talvez em uma escala de graça passe longe de ser o filme mais divertido do ano. Mas, uma comédia pode ser bem mais do que isso.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *