Dezesseis Primaveras

Dezesseis Primaveras Suzanne Lindon Filme Crítica Mostra SP Pôster

Logo Mostra SP 2020 Sinopse: Em “Dezesseis Primaveras”, Suzanne tem 16 anos. Pessoas de sua idade a deixam entediada. Todos os dias, a caminho do colégio, a menina passa por um teatro. Lá, conhece um homem mais velho, que se torna obcecado por ela. Apesar da diferença de idade entre os dois, eles encontram um no outro uma resposta para o tédio e acabam se apaixonando. Mas Suzanne tem medo de estar perdendo um momento de sua vida, aquele momento na vida de uma garota de 16 anos que ela tanto lutou para aproveitar da mesma forma que seus colegas.
Direção: Suzanne Lindon
Título Original: Seize Printemps (2020)
Gênero: Drama | Comédia | Romance
Duração: 1h 13min
País: França

Dezesseis Primaveras Suzanne Lindon Filme Crítica Mostra SP Imagem

Sem Hora Marcada

A jovem cineasta Suzanne Lindon entrega em “Dezesseis Primaveras” um dos filmes mais simples e – ao mesmo tempo – mais instigantes da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Uma obra de apropriação de linguagens, cânones e territórios. Uma nova cinematografia que se ergue no coração da França, abraçando e, em paralelo, rompendo com todo o tradicionalismo que faz parte do que muitos entendem como Sétima Arte. Portanto, sua participação na lista de selecionados no Festival de Cannes de 2020 mostrou-se fundamental para que essas provocações da cineasta pudessem alcançar o público certo.

O filme conta a história da adolescente Suzanne (vivida pela própria diretora e roteirista), uma moderna e feminina flâneur que, apesar da juventude, transita pela Paris atual como se a tivesse para si. A câmera na mão propõe uma proximidade, mas Lindon trabalha com mais de um corte para montagem quase todo o tempo. É desta maneira que ela inaugura um longa-metragem que brinca, transita entre a modernidade e o clássico. Sua minutagem condiz com a era dos extremos das narrativas audiovisuais contemporâneas. Tem um prólogo enxuto, que já desenvolve tudo o que precisamos saber da protagonista. Uma adolescência aparentemente saudável, boa relação com os pais e harmonia familiar. Parece que transitaríamos com algo entre um filme adolescente com ares de “Cléo das 5 às 7” (clássico de Agnès Varda de 1962). Todavia, vamos bem além disso.

Isto porque a diretora e roteirista faz parte daquele grupo que leva a cabo suas realizações sem o distanciamento da própria história. Assim como o animador início de carreira do canadense Xavier Dolan, não há projeções sobre um passado – e sim uma memorabilia contundente. Uma festinha de amigos com Familly Affair de Mary J. Blidge, sucesso já ultrapassado, deixa claro que Suzanne (realizadora) não quer criar novas referências, contorcendo as suas próprias visões. Faz isso com o mesmo rompante criativo de Greta Gerwig em “Frances Ha” (2012). É um contraponto a uma visão da jovem donzela alternativa da cidade grande, cantado em verso e prosa por cineastas homens como Woody Allen ao longo de toda a vida.

Essa usurpação de narrativa se materializa em todos os elementos de “Dezesseis Primaveras“. Não apenas Suzanne (personagem) é uma protagonista que tem o controle e o entendimento de si, que usa aquele homem adulto, o amor de verão, como peça de seu tabuleiro. Toda a caracterização denota a liberdade total da personagem. Faz isso desde as roupas sóbrias (blusa branca e calça jeans, que serão resgatadas nos créditos finais na música-tema), até as sequências naturalistas quando está nos ambientes juvenis. Tudo se apresenta como parte de um quebra-cabeça que une gêneros e formas de fazer cinema.

Quando ela entra em locais onde se observa a liturgia da fase adulta, não. Passamos a ser levados a uma idealização adolescente, de fato. É quando as referências se tornam mais flagrantes. A dancinha na rua da apaixonada (replicada em tantos filmes) e o café parisiense como uma zona de flerte, unindo o romance e o glamour de uma cidade que nunca envelhece pois parece sempre velha. A trajetória de Suzanne em “Dezesseis Primaveras” evita o simples e inocente fulgor da juventude, mas também não o problematiza gratuitamente. É um filme de proposições subversivas, de resgate para que possamos destruir essas convenções.

Quando firma seus pilares, o longa-metragem voa. De tão contemporâneo na narrativa, incluindo um balé no café. Balé moderno e não a dancinha de Anna Karina em “Bande à Part” (1964), que também se revelava um deboche francês aos doces anseios da juventude. Mas, se pensarmos, até a nouvelle vague pode ser vista como referência para usurpação de discurso. O controle da diretora sobre sua criação é total e isso se reflete nessa ousadia. No fundo, estamos diante de uma trama de uma jovem que aprende sobre encenação.

O que se dá em todos os sentidos. A teatralização é muito bem costurada na história. Suzenne define sua vida como se estivesse em um “mundo nota 5”. Para entender que está diante de apenas uma fase, em que – infelizmente – tem seus rituais a serem cumpridos, ela sai em busca de outros. No clímax de “Dezesseis Primaveras” ela se vê encenando na forma tradicional. No alto de um palco, onde aprende que o verde é uma cor que a cenografia evita. Ela está longe de fugir da realidade da blusa branca e da calça jeans. Coloca a cabeça na janela, vê o que tem aqui fora, mas retorna.

É uma linda narrativa sobre ter a noção de que tudo tem seu tempo. Pela via tradicional ou moderna, a adolescência, a escola e tudo o que vemos como chatice – é apenas mais uma encenação a qual teremos que passar.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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