Dois Tempos

Dois Tempos Crítica Documentário Imagem

Sinopse: Trinta e cinco anos depois do primeiro encontro, que mudaria a vida de ambos, o violonista argentino Lucio Yanel e seu pupilo brasileiro Yamandu Costa se reencontram para refazer, em uma viagem, os caminhos que levaram Yanel originalmente ao interior do Rio Grande do Sul. A bordo de um motor home, com seus violões e suas memórias, mestre e discípulo cruzam a fronteira do Brasil em direção a Corrientes, terra natal do argentino, refletindo sobre as transformações trazidas pela inexorável passagem do tempo.
Direção: Pablo Francischelli
Título Original: Dois Tempos (2021)
Gênero: Documentário | Musical
Duração: 1h 28min
País: Brasil

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Sem Som do Paredão

Pelo segundo dia consecutivo, a mostra competitiva de longas-metragens nacionais do Festival É Tudo Verdade 2021 trouxe um documentário musical, o filão preferido do audiovisual brasileiro. Porém, “Dois Tempos” transforma seu argumento em algo maior do que a bonita relação entre os violinistas Yamandu Costa e Lucio Yanel. O diretor Pablo Francischelli aproxima elementos de um road movie que nos leva a uma historiografia da cultura gaúcha, desde suas manifestações culturais às de fé.

A obra também é, para a grande parte dos espectadores que não estão vinculados àquele território, uma ótima provocação sobre um tema que a Apostila de Cinema costuma tratar: as trocas com outras nações sul-americanas. Yamandu e Lucio possuem mais em comum do que a relação nacionalista com outros indivíduos, comum em uma terra de proporções continentais como o Brasil. Nessas proximidades e distâncias, eles desenvolvem uma parceria mestre-pupilo que nos deu um dos grandes músicos em atividade.

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Apesar de não ser o foco de “Dois Tempos“, a forma como Costa se estabeleceu no cenário cultural brasileiro foi arrebatadora. Hoje tem quarenta e um anos, mas ainda adolescente foi convidado a viajar pelo mundo em festivais para apresentar seu talento no violão de sete cordas. Pois foi nas lições da guitarra castelhana de Yanel que ele desenvolveu sua arte de forma precoce. Gravaram juntos há muitos anos e agora se reencontram para pegar a estrada, por vezes como anônimos e em outras ocupando o espaço como expoentes de seus ofícios.

Francischelli trabalha bem a captação de imagens. Monta o filme privilegiando as belas sequências de dentro do veículo, de amplas janelas que permitem admirar os pampas. Mas, não fica apenas nisso. Chama a atenção perto da fronteira, ainda no Rio Grande do Sul, quando um compatriota de Yamandu senta ao seu lado para assisti-lo tocar. Não o reconhece, na verdade não sabe quem ele é. Reflexo de uma cisão que se mantém por mero incentivo de uma sociedade que não consegue confluir popular e erudito – nem mesmo quando a figura representa seu próprio território.

O documentário vai, então, mergulhando nos aspectos da cultura gaúcha, ao mesmo tempo que entrega bons diálogos entre os protagonistas. Lucio parece refletir bem mais sobre o destino, fruto de sua idade. Já pela janela do carro, as transformações dos espaços também são assunto, incluindo o avanço da monocultura da soja pela Monsanto. Ali o espectador é instigado a pensar o quanto de tradição se perderá, sob vários aspectos – e quais serão creditados a certos avanços econômicos que escondem esmagamentos. Ao incluir a religião e as formas de professar a fé, já no lado argentino, essa visão se amplia no espaço e no tempo.

São várias estradas possíveis para o público fazer a própria viagem até Corrientes com eles. Aos poucos o chamamé, estilo musical típico de lá, ganha a trilha. Yanel parece cada vez mais a vontade, perto dos seus. Já Yamandu, com sua maturidade, não precisa mais se preocupar em ser menos reverente e pode explorar sua amizade com o mestre. Os “Dois Tempos” da obra parecem ser aquele em que estamos, possuídos por uma dinâmica de sociedade nada contemplativa; e o dos caminhos daquela dupla, inserida em um mundo que parece sempre tocar sua saideira.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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