Doze Mil

Doze Mil Filme Crítica Pôster

Sinopse: Em “Doze Mil”, Frank perde seu trabalho clandestino. Junto com sua namorada Marouissa, eles concordam que ele sairá de casa para encontrar um emprego e ganhar exatamente o que ela ganha em um ano de trabalho: doze mil euros. Nem mais nem menos. No decorrer de sua odisseia proletária, ele se torna o herói que sonhou ser. Mas há um preço a pagar.
Direção: Nadège Trebal
Título Original: Douze Mille (2019)
Gênero: Drama
Duração: 1h 51min
País: França

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Estreando neste final de semana na Filmicca, serviço de streaming próprio da distribuidora Supo Mungam, “Doze Mil” articula bem sua convenção para escapar do tradicionalismo. Uma quebra de expectativa em um drama escrito e dirigido por Nadège Trebal que vai além de seu objetivo principal, o de retomar a precarização das relações de trabalho. Selecionado para o Festival de Locarno de 2019, o primeiro longa-metragem de ficção da cineasta usa uma pequena dose lúdica, materializando certas fugas do protagonista Frank (Arieh Worthalter) de forma direta e até um pouco fantasiosa.

Ele é um homem que trabalha em um ferro-velho clandestino e quer ser mais esperto que a rede de desmonte que o contratou. Suspeitando que seu prestador estava sobrefaturando os preços, ele é afastado da função Insatisfeito com a temporada de crise que se avizinha, ele decide buscar em outra cidade – onde não está marcado – um trabalho nas docas por dois meses que o permita manter o padrão de vida com a namorada Maroussia (interpretada pela própria Trebal). A quantia-chave é doze mil euros, o que ele ganhava em um ano de ferro-velho, ou dois terços de um salário mínimo na França.

Vivendo uma fase acalorada de paixão, o casal tem dificuldades em se separar. A mulher quer que ele retorne o mais rápido possível e tenta convencê-lo a aceitar uma realidade em que o orçamento familiar diminua até que seja possível ele se encaixar em outro serviço. A diretora costura um ato inaugural lascivo, usando a sintonia sexual dos dois como grande atrativo da narrativa. Isso torna mais difícil prever as consequências da manutenção de um relacionamento à distância. O filme, entretanto, não usará este tipo de consequência como quebra no desenvolvimento – pelo contrário, usa o terreno das intenções para carregar a trama de sensualidade.

Em “Doze Mil” há um recorte classista que perpassa a jornada de Frank. Ele viaja setecentos quilômetros pela promessa de um emprego na limpeza de grandes embarcações. Chegando lá, ele é descartado, no melhor estilo do mundo contemporâneo. Não bastasse a forma como o texto de Nadège salienta os desafios econômicos de se manter com mil euros por mês, a nova fase da vida do protagonista atrai o descaso de pactos laborais que não mais existem. Todos nós recebemos quando (e enquanto) prestamos – uma realidade cada vez mais presente nos tipos de emprego que ainda restam.

Como um bom malandro empreendedor, o personagem não se faz de rogado. Não devolve o uniforme que vestiu e se infiltra entre os funcionários. Começa comprando algumas caixas de cigarro que “caíram” do container para revender aos trabalhadores. Faz amizade com um deles e troca maços por moradia. Mantém as aparências para Maroussia, que acredita que ele está legalizado no cumprimento de suas funções remuneradas. E flerta, como um típico garanhão francês. Nas vezes em que reencontra a namorada, a sensualidade já mencionada se torna mais sexual, fazendo por vezes um exercício, um jogo amoroso entre os personagens.

O que poderia reproduzir leituras da sociedade que bebem na fonte de “Eu, Daniel Blake” (2016) e outros bons dramas europeus dos últimos anos com motes parecidos, ganha um contorno curioso. A diretora encontra uma dinâmica que tira o longa-metragem do óbvio, ao desenvolver cenas de dança incomuns. De início elas são até diegéticas, já que Frank começa a divertir seus colegas com algumas apresentações nos intervalos dos funcionários. Depois se tornam falseadas, deslocadas da realidade.

Isso demarca a ideia de que um protagonista que pratica a fuga da realidade. Ele ocupa os espaços que lhe foram negados pela via que ele gostaria, a partir de uma vaga de emprego. Subverte ao aplicar seu conhecimento como golpista, mas sem perder a ternura. Então, ele dança. E nessa aventura de flertes e danças, de um homem que não quer se adaptar a uma realidade limitadora, “Doze Mil” nos diverte por caminhos incomuns – de uma história que já nos contaram antes.

Veja o Trailer:

 

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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