Duna: Parte Dois

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Sinopse: Em “Duna: Parte Dois” a jornada de Paul Atreides continua. Ele está determinado a buscar vingança contra aqueles que destruíram sua família e seu lar. Com a ajuda de Chani e dos Fremen, ele embarca em uma jornada espiritual, mística e marcial. Se torna Muad’Dib, o líder messiânico dos Fremen, enquanto luta para evitar um futuro sombrio que ele testemunhou em visões. No entanto, suas ações inadvertidamente desencadeiam uma Guerra Santa em seu nome, que se espalha pelo universo conhecido. Enquanto enfrenta escolhas difíceis entre o amor por Chani e o destino de seu povo, Paul precisa usar suas habilidades e conhecimentos para evitar o terrível futuro que previu.
Direção: Denis Villeneuve
Título Original: Dune: Part Two (2024)
Gênero: Fantasia | Ficção Científica | Ação | Aventura | Drama
Duração: 2h 46min
País: EUA | Canadá | Emirados Árabes Unidos | Hungria | Itália | Nova Zelândia | Jordânia | Gâmbia

Imagem de Duna: Parte Dois (2024) Crítica

Sem Perder a Fé

Assistido em dupla com a primeira parte da trilogia pensada por Dennis Villeneuve para a obra de Frank Herbert, “Duna: Parte Dois” tem como grande mérito manter a unidade artística e narrativa do longa-metragem de origem. Apesar de sua produção não ter sido concentrada como fez Peter Jackson em “O Senhor dos Anéis” (já que a Warner esperou o resultado da primeira produção para dar sinal verde para a sequência), não se encontra nenhum indício de que dois anos se passaram entre as realizações e nem mesmo que cenas que concluiriam o primeiro serviram de base narrativa do segundo. Um trabalho e tanto se imaginarmos as dificuldades de produzir dois projetos gigantes em um intervalo considerável de tempo.

Ao custo de 190 milhões de dólares e com uma arrecadação de mais de setecentos milhões, o estúdio garantiu que o diretor retornasse para uma “terceira parte”, a qual ele garante que não transforma a adaptação do livro original em uma trilogia. Enquanto isso, a forma predatória com a qual os grandes conglomerados de mídia vêm atuando já fez com que uma série derivada, “Duna: A Profecia“, ganhasse vida ainda em 2024. No mais, deverá empilhar cerca de uma dezena de indicações ao Oscar mais uma vez.

Vale registrar que originalmente a temporada de premiações para essa obra seria a passada, eis que o lançamento do filme foi adiado de novembro de 2023 para março do ano seguinte devido à greve do Sindicato dos Atores. Com isso, evitou-se um embate direto Villeneuve x Nolan, que saiu vencedor nas categorias de direção e filme com “Oppenheimer” (2023). Quem não terá chance de ser nomeado é Hans Zimmer, já que a Academia desqualificou a trilha sonora por entender que não atingiu o mínimo de 80% de originalidade, se valendo de boa parte da composição da primeira parte.

As unidades estéticas e narrativas farão com que os apreciadores de “Duna” saiam ainda mais impressionados e conectados da sala de cinema (ou do streaming Max, onde o filme já está disponível). O deslumbre visual e os aspectos realistas são ainda mais potentes. Sai parte da construção mitológica (necessária?) do início da trama e entre uma dose maior de ação. Pelo menos na metade da história.

Já aqueles que enfrentam cerco incômodo com a forma como o cineasta realiza suas obras fantásticas (e já dediquei boa parte do texto sobre a primeira parte de “Duna” a isso), devem ficar um pouco mais otimistas quando “Duna: Parte Dois” apresenta suas armas. Com uma imersão ainda baseada no realismo, mas que já consegue se conectar com o espectador de outras formas, há menos frieza no trabalho de Villeneuve. Timothée Chalamet, por exemplo, apresenta uma carga dramática e dá mais peso aos acontecimentos com o protagonista Paul Atreides que não se viu no longa-metragem de 2021.

A frase que abre a narrativa é “o poder sob a especiaria é o poder sob tudo”, denotando que o futuro representado nas telas – e que se passa daqui a cerca de vinte mil anos – ainda dará ao detentor de matéria uma força opressora. Com a mitologia estabelecida, a história se abre pela relação entre Paul (e sua mãe, Jessica vivida por Rebecca Ferguson) com o povo fremen. O possível interesse amoroso de Chani (Zendaya) não a deixou menos cética da figura de salvador do agora Duque, já que seu pai foi assassinado no filme anterior.

Sendo assim, Paul precisa aliar a cruzada messiânica com o real ataque dos harkonnens a partir do genocídio dos fremens ordenado na conclusão de “Duna”. Mais uma vez, as implicações políticas e as tramas que se apresentam são pouco trabalhadas por Villeneuve, que conta com um ator do currículo de Christopher Walken no papel de Imperador e não aproveita. Parece até uma busca por tirar qualquer verniz crítico tão marcante no material originário. A forma como os anciões dos fremen, por exemplo, relutam em aceitar Paul com líder em demonstração de medo de perda de poder, é um apêndice que só fica registrado por quem se interessa em tal tipo de abordagem.

Duna: Parte Dois” é, sim, mais emocionante. Para contrapor com a crítica do primeiro, há mais “alma” no filme. Todavia, segue sendo pouco desafiador ao público, baseia sua qualidade em uma arte fantástica tão bem constituída que parece reconstituída. Para uns, menos manipulativa e, portanto, mais recompensadora. Para outros, flerta com o esquecível e soa como um exemplar de James Cameron feito por IA. Claro que essa provocação final é um exagero. Villeneuve é um cineasta capaz de dar o ritmo certo para aquilo que coloca na tela. Basta ver a cadência diferenciada na cena de primeiro beijo entre Paul e Chani, operando de forma bem menos sistemática.

Outro exemplo de sequência com uma linguagem quase irretocável está na montagem da cena em que Paul cavalga o verme de areia, um trecho que demorou um mês e meio para ser filmado. Há uma construção de emoção diferente ali, muito pelo jogo de reações de Chani e outros fremens com o que de fato está acontecendo. Até a trilha sonora de Hans Zimmer ganha mais intensidade, principalmente diante da vibração daqueles personagens com o objetivo alcançado. É o alinhamento entre a técnica cinematográfica e a emissão de sensações capaz de envolver a plateia.

O filme se torna ainda mais promissor com a gênese de um novo vilão. Paul e Chani saem de cena para que ganhe forma Feyd-Rautha, vivido por Austin Butler, muito bem no papel que seria de Mick Jagger no projeto de Alejandro Jodorowdski. O sucessor de uma tirania materializada – já que, como vimos na frase que inaugura a narrativa ainda estamos em um mundo que depende da matéria, mesmo a nível interplanetário. Porém, quando se estabelece essa vilania, “Duna: Parte Dois” volta a um excesso de contextualização mitológica, beirando o informativo. Resgata o pouco apreço pela trama política, representando o arsenal atômico como sinônimo de poder de maneira sistemática. Mais uma vez, o destaque fica por conta do peso dramático de Chalamet nos acontecimentos que, pensados em perspectiva, são os mais importantes da história.

Na crítica da parte um falamos como é trabalhada de forma rasa as conexões religiosas que se deram naquela sociedade. Se pensarmos que a conclusão da parte dois é aberta, permitindo uma adaptação do texto de Herbert, essa ausência de representação criará um vácuo e sobrecarregará a terceira parte, que deverá adaptar “O Messias de Duna“. Se o caminho for resgatar e abraçar a ideia anti-messiânica da figura de Paul, é provável que teremos que lidar com mais abordagem mitológica e informativa para dar contexto à narrativa do futuro longa-metragem.

Com esse peso maior pela “explicação”, na insistente tática das obras contemporâneas de criar expectativa para o que virá mais adiante (no filme, na saga, na série do streaming, no jogo de videogame), Villeneuve cai nos mesmos erros que parecia ter solucionado nas já citadas ótimas cenas do miolo do filme. Perde a capacidade de desenvolver as propostas ritualísticas que tem na sua frente, como o momento em que Paul vai beber a “água da vida”. Não explora, por exemplo, a relação sanguínea entre Paul e Jessica com os harkonnens, revelada após a experiência de quase-morte. Um momento engessado pelo pragmatismo do realizador de apenas “mostrar”.

Com isso, “Duna: Parte Dois” termina com, claro, mais expectativa. A partir da leitura de Chani de que o seu povo está vivendo uma profecia que os aprisiona e uma sangrenta Guerra Santa, o filme termina com a manutenção do público no estado de suspensão. Entramos na sala querendo saber “no que isso vai dar” e saímos com o mesmo sentimento. Para quem busca a emoção, as quase três horas de duração soam bem menos recompensadora do que para os amantes do realismo. Porém, isso parece seguir não sendo um problema para eles.

Veja o trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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