Sinopse: As luzes se acendem em Washington Heights… O cheirinho de um cafecito caliente paira no ar, na saída da estação de metrô da Rua 181, onde um caleidoscópio de sonhos mobiliza essa comunidade vibrante e muito unida. “Em um Bairro de Nova York”, no meio de tudo isso, temos o querido e magnético dono de uma mercearia, Usnavi, que economiza cada centavo do seu dia de trabalho enquanto torce, imagina e canta sobre uma vida melhor.
Direção: Jon M. Chu
Título Original: In The Heights (2021)
Gênero: Musical | Romance
Duração: 2h 23min
País: EUA
Cinema Geral e Irrestrito
Uma nova criação de Lin-Manuel Miranda chegou na praça. “Em um Bairro de Nova York“, a princípio, não gerou efusivas críticas de puristas que colocaram em dúvida o fato de “Hamilton” (2020), longa-metragem que chegou ao Brasil pelo Disney+, ser “Cinema”. Antes de adentrarmos o terreno da análise audiovisual, é preciso registrar que o nova-iorquino, de apenas 41 anos de idade, é um dos grandes nomes da cena musical dos últimos tempos. A ponto de quebrar a barreira da Broadway como há muito tempo não se via. Em parte porque, enquanto criador, ele vai direto naquilo que o gênero mais sentia carência: a atualização. Com tablado a mostra ou não, uma sessão de suas obras é a certeza de que encontraremos algo novo.
Sem ter idade para protagonizar o filme, o jovem Usnavi é vivido por Anthony Ramos, ao lado de Melissa Barrera, trazida da TV mexicana, como Vanessa. Lin surge em um cameo de luxo, fazendo um vendedor de raspadinha (aquela com gelo, não o jogo da lotérica). Com a missão de rediscutir o ideal do sonho americano (ou sueñito, para ser fiel às representações do filme), a premissa é bem aproveitada em um mosaico de referências musicais latinas que permitem um dinamismo que torna suas quase duas horas e meia bem mais agradáveis do que a média atual. Uma temporada que ainda reserva uma instigante releitura de “Amor, Sublime Amor” – por sinal, filmada concomitantemente a este, em ruas próximas da mesma região da cidade. O diretor Jon M. Chu confirmou que parte da inspiração imagética é o clássico de Spike Lee, “Faça a Coisa Certa” (1989) e é justamente nos momentos em que fugimos do CGI que a obra nos conecta mais.
Contudo, o que faz de “Em um Bairro de Nova York” mais conectado com o novo espectador é a maneira como as operetas se apresentam de forma contemporânea. Uma dificuldade que tanto a Broadway quanto Hollywood possuíam até pouco tempo – e fez com que a linguagem envelhecesse nas últimas décadas, quase a ponto de sumir. Em “Chicago” (2002) ou “Rent” (2005) estavam embebidos em revisitações de clássicos, enquanto que em “Moulin Rouge – Amor em Vermelho” (2001) somos levados a uma readequação de sucessos pop dos últimos tempos. Todos com bons resultados, premiados e de bilheteria relevante – mas sempre com um ar de exceção no mapa audiovisual atual.
O que Miranda já havia conseguido em “Hamilton” foi a naturalização dessa transição entre as cenas grandiosas de canções imponentes e coreografias vistosas e a dramatização. O mais curioso é que ele não usa apenas uma ferramenta, ele parece querer usar todas. Tanto as vinculadas ao rap, hip hop e a um reggae mais falado, quanto ao braço popularizado pela Disney em musicais juvenis, querendo acompanhar aquele público que se acostumou com o gênero em franquias como “High School Musical” e “Camp Rock“. A prova disso é que a Universal, no início da década passada, queria que Kenny Ortega assumisse a adaptação – projeto engavetado e retomado a tempo de Miranda se consolidar como nome possível para tocar o projeto.
Voltando ao debate sobre forma, reiteramos que o que chamaram de “teatro filmado” do projeto anterior de Miranda também era audiovisual puro – e entregamos na outra crítica nossos argumentos. Aqui, por sinal, pouca coisa muda. Sai o mergulho telegrafado nas artes cênicas de um cenário único e a ocupação de um espaço indissociável de um palco e entra o CGI em todas as dimensões da tela. Alguns tão falsos que parecem até “menos Cinema” do que a outra abordagem. Vale lembrar que, na Era de Ouro, boa parte dos musicais colocava o elenco em um palco cru – para que seus calçados de sapateado conseguissem aderência – em fundos muitas das vezes pintados manualmente. Coloque “O Mágico de Oz” (1939) para o purista do século XXI assistir e ele buga. Nem precisa do disco do Pink Floyd.
Nem tudo é deslumbre em “Em um Bairro de Nova York”. O ritmo é bem menos regular do que a avalanche de canções de “Hamilton” e há quebras de narrativa um pouco modorrentas. As músicas grudam que nem chiclete e a influência do rap nas fases transitórias, como já mencionamos, permite o encaixe de expressões como “machismo” e “gentrificação” sem que soe over. Há, contudo, um subaproveitamento da personagem Nina (Leslie Grace). Sua trajetória de questionar sua vaga na Universidade de Stanford, sentindo-se cooptada por entrar em uma bolha privilegiada, acaba se perdendo no romance entre Usnavi e Vanessa.
Porém, as construções nos permitem debater sobre as formas de ascensão financeira e social da segunda geração de imigrantes latinos, envoltos nas dúvidas ou incertezas de uma Era Trump que buscava exterminar sua existência. Composto no início dos anos 2000, o ex-Presidente chegava a ser mencionado em uma letra, como símbolo da burguesia norte-americano. Ao se tornar mais do que isso, gerou a necessidade de adaptação da canção “96.000”. Mesmo que seus exercícios dramáticos e suas alegorias como a da articulação política que torna necessária a representatividade legislativa, não sejam tão bem engendradas. São blocos, por vezes isolados, fazendo com que o longa-metragem perca um pouco de intensidade.
As piadas de parte da crítica sobre ter “paciência e fé” para aguentar o filme é um exagero, estamos longe de um desastre – mesmo que sem o brilhantismo de um projeto deslegitimado por não ser Cinema. Quando chega perto de sua despedida, “Em um Bairro de Nova York” vai se tornando mais melancólico, uma quebra de expectativa que torna o plot twist óbvio envolvendo Usnavi bem menos clichê. A latinidade e os sons que vêm do conjunto de canções devem permanecer e sedimentar a experiência, fazendo com que o filme ganhe força em revisões. O que é bom, já que estamos diante de uma obra feita para levar seus admiradores a consumirem bem mais de uma vez.
Veja o Trailer: