Espacate

Espacate Spagat Filme Crítica Pôster

Sinopse: “Espacate” nos leva ao inverno na Suíça rural. Marina, uma professora de quarenta e poucos anos, leva uma vida tranquila com o marido e a filha. Mas as aparências enganam: ela está tendo um caso secreto com Artem, o pai de uma de suas alunas, Ulyana. Embora Artem e sua filha vivam na Suíça há anos, nenhum dos dois tem autorização de residência. Quando Ulyana é pega roubando, isso expõe seu jogo de esconde-esconde e ameaça a existência de todos os envolvidos.
Direção: Christian Johannes Koch
Título Original: Spagat | Шпагат (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 50min
País: Suíça

Espacate Spagat Filme Crítica Imagem

Amplitude

Dentro da mostra Volta ao Mundo: Suíça, promovida entre 6 e 19 de maio pelo serviço de streaming Petra Belas Artes à La Carte, “Espacate” traz, concentrado em apenas cinco personagens, algumas das grandes questões contemporâneas envolvendo os países desenvolvidos, tanto nas relações humanas quanto econômicas. A produção foi exibida na mostra competitiva de novos diretores da Mostra SP 2020 e venceu o prêmio de menção especial do júri do Festival Internacional de Sofia este ano, perdendo o troféu principal para o brasileiro “A Nuvem Rosa“. Esta é, sem dúvida, uma das principais estreias da plataforma do Belas Artes neste mês de maio.

Assim como o movimento que dá nome ao filme, que consiste em abrir as pernas em um ângulo de 180° (comum no balé e na ginástica), “Espacate” se abre de forma gradual, em um drama que adiciona figuras e cenários em seu período inicial. A princípio conhecemos Marina (Rachel Braunschweig), uma professora secundarista de um colégio em Lucerna, que está envolvida com Artem (Aleksey Serebryakov), seu amante. Ele é um imigrante ucraniano, que tenta se manter há seis anos invisível na Suíça, junto de sua filha, Ulyana (Masha Demiri). A menina parece ambientada ao novo território onde mora e começa a se destacar nos treinamentos de uma equipe de ginástica olímpica. Contudo, não consegue avançar e participar de competições, pois seu pai não autoriza. Teme que qualquer visibilidade ponha em risco a família e exponha a condição de ilegalidade.

Em uma das primeiras sequências, observamos a forma como o diretor Christian Johannes Koch construirá a narrativa aqui. Sempre que ele insere um novo ambiente – e são vários, bem diferentes entre si e de complexas relações – ele faz uma abordagem de câmera observadora. Mais do que isso, uma câmera intrusa. Isso se configura no plano-sequência em que a professora participa de um encontro de escola, sendo abordada por alguns pais que cobram dela o furto do fone de ouvido de uma das alunas. Mais adiante, ela o fará quando Ulyana aparece pela primeira vez treinando sua ginástica ou quando Artem trabalha em uma obra.

Consolidando essa representação mais aprofundada, o longa-metragem começa a sustentar uma câmera parada, colocada estrategicamente. Nisso, o espectador vai ampliando sua leitura sobre várias dinâmicas envolvidas. O ucraniano não pode ter um emprego formal, então convive com atividades que não lhe oferecem proteção e nem segurança. Explorado por não ter como reivindicar direitos, ele acaba se sujeitando a condições precárias de vida. Estamos diante de um dos países mais desenvolvidos do mundo, mas que não deixa de ter um grupo privilegiado, às custas de outro. Marina, sua filha Selma (Nellie Hächler) e o marido Jörg (Michael Neuenschwander) são parte de uma classe média local que, para os nossos padrões, soa como elite.

Aos poucos, a história de “Espacate” vai desenvolvendo diversos conflitos sem que o público consiga apontar com facilidade quem se posiciona de maneira certa ou errada. Tudo depende dos pontos de vistas dos personagens, suas prioridades e as visões humanizadas que colocam sobre determinada questão. Ulyana é uma jovem que não consegue viver a plenitude da adolescência por conta de sua origem. É punida e inaugura uma crise a partir de um bem de consumo que não consegue ter, qual seja, o fone de ouvido.

Mais adiante, somos convidados a refletir sobre a extensão da “culpa” atribuída aos imigrantes. Seus filhos, muitos chegando a outro país ainda crianças, deverão sofrer consequências da política de intolerância à ilegalidade? Em qual proporção? Se aplicarmos essa ideia sobre a trama construída por Koch (em roteiro ao lado de Josa Sesink), podemos concluir que essas pessoas acabam sendo duplamente punidas. Já Marina acaba tendo seu olhar enquanto mãe por vários momentos como elemento que pesa para o lado de uma balança que decide seu comportamento. Além de todo o envolvimento direto com os outros personagens, ela é uma experiente professora, de contato direto com adolescentes e seus desenvolvimentos dramáticos que soam exagerados, mas precisam ser compreendidos – uma vivência que ela não consegue ignorar.

Não há soluções fáceis em “Espacate“. É possível que o espectador entenda que há pontas soltas, já que as dinâmicas sociais são assim, elas se alteram, não são extintas por completo. Uma obra que, com um desenvolvimento direto de um leque limitado de personagens, abre espaço para pensarmos sobre relações de trabalho, crise migratória, frustrações do capitalismo, dramas familiares e a forma de lidar dos jovens. Para realizar o movimento é preciso ter um corpo moldável, relaxar, refletir e praticar. Talvez para se envolver com as diversas mensagens e questões sociais trazidas pelo filme também se faz necessária uma dose de experiência (e uma mente moldável), principalmente no desapego ao tradicional. São histórias que permanecem sendo escritas porque estamos nos tratando tão mal que o futuro parece sempre imprevisível.

Veja o Trailer:

 

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Como funciona: Planos de assinatura com acesso a todos os filmes do catálogo em 2 dispositivos simultaneamente.

Valor assinatura mensal: R$ 9,90 | Valor assinatura anual: R$ 108,90.

Catálogo conta, até o momento, com mais de 400 obras.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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